Três semanas depois de os generais (muitos aposentados) terem apelado ao presidente Emmanuel Macron e ao governo para “recuperar a honra defendendo a França do caos das hordas dos subúrbios e da guerra civil iminente causada pelo islamismo”, com a ameaça da intervenção do exército, o semanário Valeurs Actuelles publicou, terça-feira (10), um novo texto, em que 2 mil militares, na maioria cadetes, apoiam esse apelo e vão muito além: “Covardia, engano, perversão. Nossos camaradas mais velhos têm razão. Sim, se estourar uma guerra civil, o exército manterá a ordem no solo francês. Ninguém quer uma situação tão terrível, pois, mais uma vez, a guerra civil está se formando na França e você sabe disso muito bem”, diz o texto.
Expurgada do constrangimento e das ambiguidades do primeiro texto, a segunda manifestação militar publicada pelo semanário merece um destaque maior. Seus autores não podem, de forma alguma, ser acusados de desejar uma guerra civil (“Ninguém pode querer uma situação tão terrível”). Seus autores não deixam dúvidas de que, se um dia precisarem intervir em solo francês, o farão somente por ordem do poder civil (“Se uma guerra civil deflagrar, o exército manterá a ordem … porque nós o faremos se o poder civil o solicitar”).
O primeiro apelo, escrito por Jean-Pierre Fabre-Bernadac, 73 anos, ex-oficial da infantaria, foi assinado por mil militares aposentados, incluindo 20 generais, alguns dos quais, poderiam ser reincorporados de volta ao serviço. A postura dos militares causou espanto em todos os partidos, exceto no Rassemblement National de Marine Le Pen que, pelo contrário, elogiou “os patriotas do exército que se atrevem a dizer a verdade”. O texto atual, por outro lado, é anônimo. “Esta seria a coragem de permanecer anônimo?” alerta o ministro do Interior, Gérald Darmanin.
Enquanto muitas vozes se levantam para questionar a credibilidade dos soldados assinantes, sob o pretexto de que eles mantiveram seu anonimato, outros, da direita, acolhem a iniciativa, para “partilhar a observação deste foro, porque não se pode contestar o terror que se espalha nos bairros, onde a lei da República já não é aplicada”.
A acusação contra o poder civil, acusado de covardia, engano e perversão, é implacável. Expressando total solidariedade com os mais velhos, cuja honra acreditam ter sido espezinhada, os cadetes concordam inteiramente com eles. Os autores também denunciam o “comunitarismo” e um Estado que não cumpre mais suas funções de soberania, em todo o país e confirmam o diagnóstico de um “lapso” que antecede o “colapso” que pode levar à guerra civil.
Eles mencionam o mesmo inimigo: o islamismo e as pessoas violentas que grassam nos subúrbios e para quem “a França é apenas um objeto de sarcasmo, desprezo e até de ódio”. Eles castigam as autoridades eleitas, que abandonaram os bairros, sob a lei do mais forte.
De acordo com Valeurs Actuelles, semanário ultraconservador, quase 3 milhões de pessoas já haviam lido o novo apelo na terça-feira. “Estes são soldados ativos”, explica Jean-Pierre Fabre-Bernadac. Mas, segundo o jornal italiano Corriere della Sera, na França “há quem suspeite de uma ação nos bastidores de Marine Le Pen, em uma corrida à extrema direita, em vista das eleições presidenciais de 2022, que, no entanto, podem ser arriscadas e comprometer os já antigos esforços de normalização da imagem dela e da sua proposta política”.
E, também, há quem assinale que, além dos Alpes, o exército é chamado o grande mudo e se, por outro lado, fala assim, devemos nos preocupar seriamente.
Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália) e editor da revista Italiamiga.