Fundações não podem pedir recuperação judicial, de acordo com o STJ

Argumento é de que, embora fundações sejam 'agentes econômicos', não são considerados empresários; Brasil caminha bater o recorde de RJs em 2024

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STJ (Foto: arquivo)
STJ (Foto: arquivo)

Decisão da maioria dos ministros do Superior Tribunal de Justiça no último dia 1º vai deve mudar a dinâmica das gestões financeiras das fundações de direito privado. Pela maioria dos votos dos magistrados, tais entidades não poderão pedir recuperação judicial. A Corte analisou a questão que, até então, era considerada controversa entre juristas e especialistas do setor.

A recuperação judicial é um mecanismo previsto na legislação brasileira que permite uma empresa em dificuldades financeiras reorganizar suas atividades e tentar evitar a falência. O argumento do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, é de que, embora essas fundações sejam classificadas como “agentes econômicos”, não são considerados empresários – e dessa forma, o Artigo 1º da Lei de Recuperação Judicial e Falências (nº 11.101/2005) especifica que a lei se aplica somente para o empresário e à sociedade empresária.

De acordo com Marcelo Godke, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Societário, o Judiciário estava aceitando recuperações judiciais de entidades que não eram empresas, que vão desde associações desportivas até igrejas.

“Nas associações, inclusive alguns times de futebol, o Judiciário vem permitindo, mas o ministro relator do caso repisou o fato de não ter previsão na lei para entes que não tenham fins lucrativos. Logo, são entes que não são consideradas empresas e não podem pedir recuperação judicial”, avalia.

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“Para ser considerado empresário, o exercício da atividade econômica não pode ser esporádico e tem de ter caráter profissional e organizado, com vistas a obter lucro, que pode ser distribuído para os sócios. Esta definição vem do Código Civil. Mesmo que uma empresa não dê lucro, ela tem de ter buscar o lucro. Exemplo disso é a companhia aérea Gol, que recentemente anunciou que teve um prejuízo maior do que teve nos últimos tempos; não obstante ela buscar o lucro, ela não tem conseguido, mas não deixa de ser empresa por este fato isolado”, exemplifica.

Outro aspecto destacado pelo especialista é que, quando se fala em fundação ou associação, elas podem usufruir de alguns benefícios fiscais.

“Por exemplo, esses entes não pagam imposto de renda em alguns casos, porque não se trata de uma renda de empresa, muitas vezes não paga ICMS, imposto de importação… então o ministro relator está partindo da premissa de que, se é empresa, ela paga tudo isso, se não é empresa, não paga, e por conta disso, a escolha de estruturar na forma de empresa ou não empresa, ela influencia a questão tributária e que, portanto, terá de arcar com as consequências de escolher uma estrutura não empresarial”, pontua. “Portanto, se a fundação quer usufruir o benefício fiscal por não ser empresa, não pode, segundo o STJ, querer usufruir dos benefícios da Lei de Falência e Recuperação”.

Com as fundações que recorriam às recuperações judiciais, a situação trazia uma enorme insegurança jurídica no mercado. “Porque o poder de uma determinada associação em influenciar na hora de conceder o crédito, pode ter um efeito na economia como um todo, que é fazer o preço do crédito, do empréstimo bancário, subir”, conclui.

Com mais de 1.200 pedidos até agosto, 2024 está a caminho de superar facilmente 2016 como o ano com o maior número de solicitações de recuperação judicial. Este cenário impacta até mesmo grandes empresas, antes consideradas estáveis no mercado. Diante deste aumento significativo nos pedidos de proteção, é preciso compreender o que mudou e se há esperança para reverter essa situação.

Para Max Mustrangi, CEO da Excellence, um dos grandes problemas é atualmente a baixa renda da população, que está sofrendo com os constantes aumentos de preços e com a falta de poder de compra. Ele explica que por mais que os números afirmem que há menos desemprego no Brasil, a grande maioria está em “subempregos” e/ou programas de transferência de renda, o que faz com que elas recebam menos do que deveriam.

“Os dados não mostram os salários daqueles que atuam como MEI e acabam recebendo. Há muitas pessoas trabalhando como motoristas de aplicativo, motoboys, entre outros. São profissões dignas, mas que pagam pouco, fazendo com que essas pessoas consigam apenas sobreviver, pagando contas essenciais como energia e água. Elas não têm como ir às lojas gastar. Quando vão, buscam sempre um mix mais barato de produtos, o que cabe no bolso”, explica Mustrangi.

Segundo o especialista, essa busca por itens mais acessíveis acaba reduzindo as margens de lucro das empresas. Como resultado, as gestões começam a enfrentar problemas financeiros, prejuízos crescentes e recorrentes, criando um contexto de necessidade de reestruturação empresarial. A sequência interminável de maus resultados (prejuízos) torna quase que missão impossível pagar as contas e despesas correntes, quanto mais pagá-las em dia.

A empresa passa a depender da injeção de crédito externo e começa a se endividar em velocidade e níveis assustadores. “Se, de um lado, a população está endividada por receber pouco, do outro, as empresas estão se endividando por venderem com margens ínfimas, associadas a mix de vendas de produtos e/ou serviços pobres (margens finas) e ao passarem a precisar de crédito de terceiros de forma contínua (como viciados em crédito) para sobreviver”, conclui o especialista.

“Muitos pegaram crédito para se manter na pandemia e não se prepararam para pagar a dívida que viria, com os juros que subiriam. Os juros em si nem são todo o problema, mas sim a falta de preparo para lidar com essa situação. Além disso, devemos considerar o que mudou desde a pandemia, o que afetou especialmente os micro e pequenos empresários. Muitos estão fechando agora porque já não conseguem mais crédito para se manter. O mercado está escasso e receoso, não vai abrir crédito facilmente”, comenta.

No entanto, Mustrangi aponta a gestão como a principal causa desse aumento exorbitante. Relutantes em cortar gastos, diminuir o tamanho da empresa e/ou brecar planos de expansão anunciados (a famosa expansão do número de pontos de vendas, que ficam abertos às moscas), muitas vezes essas decisões são evitadas pelo ego do dono, explica o especialista.

“O problema cresce até ficar sem solução (tal qual um tumor não combatido que metastiza indefinidamente), deixando a recuperação judicial, ou até mesmo a falência, como as únicas alternativas” comenta Mustrangi.

“O empresário precisa tomar o remédio amargo (atuar nas causas dos problemas) para resolver o problema assim que ele surge. Não tomar nenhuma atitude pode ser tão prejudicial quanto tomar atitudes erradas. Se houver uma ação imediata para sanar o problema nos primeiros sinais, as chances da empresa se manter são enormes. É fundamental saber a hora de expandir sua marca, mas também de diminuir, cortar gastos e tomar decisões que nem sempre vão agradar os acionistas, mas que serão coerentes com a gestão de caixa. O caixa é sempre rei”, conclui.

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