Xi Jinping, mesmo antes do memorável discurso comemorativo dos 100 anos do Partido Comunista da China (PCCh), em 1º de julho de 2021, vinha construindo para República Popular da China (China) o que denominamos “o novo estágio civilizatório”.
Menciona os colaboradores:
Os comunistas chineses, como os camaradas Mao Zedong, Deng Xiao Ping, Jiang Ze Min e Hu Jin Tao, seus principais representantes, (que) fizeram contribuições tremendas e históricas para o rejuvenescimento da nação chinesa
Xi Jinping
E mostra as diferenças deste estágio com o que prevalece ainda hoje no Ocidente e em grande parte do mundo.
Primeiro não objetiva a riqueza, mas ter a nação razoavelmente próspera, que afastou das famílias a miséria e os estados de extrema necessidade.
Depois que esta nação não é egoísta. “Devemos continuar a trabalhar para promover a construção de uma comunidade humana com futuro partilhado. Paz, concórdia e harmonia são ideias que a nação chinesa tem perseguido e levado avante por mais de 5 mil anos. A nação chinesa não carrega traços agressivos ou hegemônicos nos seus genes. O Partido preocupa-se com o futuro da humanidade e deseja avançar em conjunto com todas as forças progressistas ao redor do mundo. A China sempre trabalhou para salvaguardar a paz mundial, contribuir para o desenvolvimento global e preservar a ordem internacional”.
Exemplo é a Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) promovendo os valores humanos e “partilhados de paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade”. “Continuaremos a defender a cooperação em vez do confronto, a abrir em vez de fechar as nossas portas e a concentrar-nos em benefícios mútuos em vez de jogos de soma zero”.
“Nunca intimidamos, oprimimos ou subjugamos o povo de qualquer outro país e nunca o faremos. Da mesma forma, nunca permitiremos que qualquer força estrangeira nos intimide, oprima ou subjugue. Qualquer um que tentar fazer isso ver-se-á em rota de colisão com uma grande muralha de aço forjada por mais de 1,4 bilhão de chineses”.
Devemos ajustar o sistema organizacional do Partido, trabalhar duro para treinar funcionários de alto calibre que tenham integridade moral e competência profissional, permanecer comprometidos em melhorar a conduta do Partido, manter a integridade e combater a corrupção, e erradicar quaisquer elementos que possam prejudicar os avanços do Partido e quaisquer vírus que possam corroer sua saúde
Xi Jinping
“Há um século, na época de sua fundação, o Partido Comunista da China tinha pouco mais de 50 membros. Hoje, com mais de 95 milhões de membros num país de mais de 1,4 bilhão de habitantes, é o maior partido no poder do mundo e desfruta de uma enorme influência internacional”.
“Há um século, a China estava em declínio e murchava aos olhos do mundo. Hoje, a imagem que apresenta ao mundo é a de uma nação próspera que está a avançar com ímpeto imparável em direção ao rejuvenescimento”.
Estas palavras de Xi Jinping não representam uma vontade, mas o fato do estágio que a China atingiu na segunda década do século 21.
Vejamos o mundo que adotou a ideologia neoliberal financeira que definiu os anos 1990 como o “fim da história” e apresentando o Consenso de Washington (1989), elaborado por técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), como a nova bíblia a ser seguida pelas nações, em todos continentes.
Mas não o faremos nos países e instituições hegemônicas, cujo fracasso é visto diariamente pelas guerras, pelos avanços da direita fascista, pelas mazelas, misérias e mortes. Trataremos da periferia do sistema dominado pelas finanças apátridas, onde só prevalecem a espoliação e o engodo.
O mundo africano
“Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será dado em suplemento”, exclamou Kwame Nkrumah, seguro de obter a independência de Gana com apoio do Reino Unido e dos Estados Unidos da América (EUA).
No pós-guerra, a partir de 1950, a África dá início ao processo de independências que designamos por “Primeiras Independências”. Poucas com negociação, como Gana, muitas por guerras ideológicas, como as colônias portuguesas, e outras pela desistência europeia, pelos custos militares e administrativos da manutenção colonial.
O mundo, neste início da segunda metade do século 20, já vivera duas revoluções industriais, com fundamento na energia, e começava uma nova revolução com base no autocontrole dos processos industriais com os computadores e máquinas para ações repetitivas. Manter colônias como supridora de produtos naturais e semielaborados já não significava maiores lucros.
Por outro lado, sob qualquer identidade, a África é múltipla e exigia diversificadas gestões conforme a região da colônia.
Ali Al’amin Mazrui, historiador queniano, autor do capítulo “O horizonte 2000”, do volume VIII da História Geral da África, iniciativa da Unesco, traduzida por Luís Hernan de Almeida Prado Mendoza, para Cortez Editora (SP, 2011), escreve: “Não se deve esquecer que os savoir-faire introduzidos na África pela colonização apresentam uma ambiguidade histórica fundamental: se, por um lado, eles favorecem a emancipação, por outra parte, eles mostraram-se profundamente inúteis ao desenvolvimento”. E adiante: “Os colonizadores não souberam eficazmente transmitir as técnicas de produção. Foi justamente neste sentido que o sistema educacional e de formação não logrou êxito em promover um verdadeiro desenvolvimento nos territórios africanos.”
Intelectuais ganenses também se queixavam de um ensino que procurava mudar a crença religiosa em vez de preparar os alunos para um trabalho mais exigente, utilizando tecnologias sofisticadas e métodos mais produtivos.
Na multiplicidade africana podemos distinguir sete grupos de países: os Países Saarianos, os Países do Sahel, os Países do Chifre da África, os Países do Golfo da Guiné, os Países do Centro da África, os Países do Sul Africano e os Países da África do Índico. Não se grupam por um único critério, embora a situação geográfica seja preponderante.
Os Países Saarianos, ao norte do Continente, islâmicos, nos terrenos desérticos do Saara, separado do restante da África pela região do Sahel, e pelos rios Senegal, Níger, Volta, Benue, Chari e nascentes do Nilo, a junção do Nilo Branco e Nilo Azul, encontramos a boa identidade do jornalista Davi Carlos Acácio.
Davi Acácio, formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em entrevista ao Mundioka, podcast do Sputnik Brasil, transcrito no portal Pátria Latina, afirma: “Influenciados pelo Islã, os países do Norte da África se diferenciam em aspectos linguísticos, étnicos, culturais e históricos daqueles da África Subsaariana. A proximidade cultural com o Oriente Médio, por vezes, inclusive os desloca do próprio continente.”
Compreendem estes Países Saarianos: Egito, Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos, Saara Ocidental (em litígio), Ilhas Canárias (colônia espanhola no Oceano Atlântico) e, parcialmente, Sudão.
Exceto o Saara Ocidental e a colônia espanhola Ilhas Canárias, todos demais pertencem à chinesa Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR ou BRI, na sigla em inglês).
Os Países do Sahel constituem um segundo grupo que compreende Burkina Faso, Chade, Gâmbia, Guiné, Guiné Bissau e Cabo Verde, Mali, Mauritânia, Níger e Senegal, Sudão e Sudão do Sul. Apenas Burkina Fasso não participa da ICR/BRI.
Djibuti, Eritreia, Etiópia, Somália, acrescidos do Quênia e Uganda constituem o Chifre da África. Todos com participação na Iniciativa do Cinturão e Rota.
Os Países do Golfo da Guiné podem ser caracterizados como um quarto grupo compreendendo: Angola, Benim, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné Equatorial, Ilhas de São Tomé e Príncipe, Nigéria e Togo. Somente São Tomé e Príncipe não fazem parte da Iniciativa do Cinturão e Rota.
Seguem-se, nesta enumeração, os Países do Centro da África: República Centro-Africana, Congo, República Democrática do Congo, Ruanda, Burundi, Malauí e Zâmbia. Todos participantes da ICR/BRI.
Estes países do Centro da África são caracterizados pela extrema pobreza, diversos setores, como a saúde e a educação, com políticas públicas ineficientes. No entanto, são países com recursos naturais disputados.
Convém transcrever parte do último relatório do Grupo Banco Africano de Desenvolvimento. Este Grupo, embora tenha países africanos como únicos beneficiários, é composto e recebe financiamentos de 24 países europeus, asiáticos e americanos, inclusive o Brasil. No documento comemorativo dos 60 anos do Banco, em 2024, lê-se: “Em 2022, os parceiros de desenvolvimento do Fundo Africano de Desenvolvimento (ADF) do Banco concordaram em comprometer um total de US$ 8,9 bilhões para o ciclo de financiamento 2023-2025 do Fundo – mais uma vez, a maior reposição na história do Fundo”.
E adiciona: “Em 2024, o Banco redobrou o seu enfoque em mecanismos de financiamento inovadores. Em janeiro, emitiu com sucesso os seus primeiros títulos de capital híbrido sustentável em dólares (avaliadas em US$ 750 milhões). Esta angariação de fundos sem precedentes é motivada pelo objetivo do Banco de aumentar consideravelmente o seu investimento e impacto em todo o continente. O poder de alavancagem do Banco poderá quadruplicar após o êxito da sua campanha para a utilização dos Direitos Especiais de Saque (SDR) do Fundo Monetário Internacional como capital híbrido”.
Concluindo com: “Em abril de 2024, o Conselho de Administração aprovou a Estratégia Decenal do Banco para o período 2024-2033. A nova Estratégia Decenal dá prioridade ao duplo objetivo do crescimento inclusivo e da transição para o crescimento verde, em resposta ao impulso para o desenvolvimento ambientalmente sustentável dos países africanos. E agora, 60 anos após a sua criação, o Banco pode justificadamente orgulhar-se das suas realizações: o Global Finance Bank classificou-o como o melhor Banco Multilateral de Desenvolvimento do mundo, enquanto o Publish What You Fund, pela segunda vez consecutiva, classificou a carteira soberana do Banco como a mais transparente de entre 50 instituições mundiais focadas no desenvolvimento”.
O conjunto Sul Africano é composto pelo Zimbábue, Botsuana, Eswatini, Lesoto, República da África do Sul e Namíbia. Apenas Eswatini, talvez pela recente mudança do modelo governamental, não faça parte da Iniciativa do Cinturão e Rota.
A África do Índico compõe-se da Tanzânia, Moçambique, e das ilhas Madagascar, Seychelles, Comores, Maurícia e Reunião, esta última colônia da França. Todos países continentais e as ilhas Madagascar, Seychelles e Comores tem relações com a ICR/BRI.
Os dados sobre os países participantes da Iniciativa do Cinturão e Rota foram obtidos da versão de fevereiro de 2025 da relação de todos os países que têm relacionamento com esta iniciativa criada em outubro de 2013 pela China.
Alguns comentários sobre a relação China-África
Além da Iniciativa do Cinturão e Rota, a China constituiu, em 15 de junho de 2001, a Organização para Cooperação de Xangai (OCX).
País asiático, nada mais natural do que desenvolver seus relacionamentos com exterior a partir do mesmo continente. O Brasil sempre buscou constituir uma unidade sul-americana, ou latino-americana, sempre dificultadas pela Doutrina Monroe (2/12/1823) estadunidense.
A OCX tem como “parceiros de diálogo” dois países do Oriente Médio (Arábia Saudita e Catar), um euroasiático (Turquia) e um africano (Egito), entre os 22 países-membros, nos quatro grupamentos: membros permanentes (nove), observadores (três), parceiros do diálogo (nove) e convidados (um país e três instituições).
A ICR tem 49 países africanos, 28 europeus, 25 asiáticos, 20 da América Latina e Caribe e 12 do Pacífico.
Sempre que se trata de “ajuda” das potências mais ricas, que tenham adotado o sistema capitalista, espera-se a dominação econômica, política e a sujeição colonizadora. Quando não o massacre, o genocídio, que encontraram os povos originários das Américas, da África e da Ásia.
A ICR vem modificar esta situação com as relações predominantemente bilaterais, baseada em Estados com autonomia, que buscam vantagens recíprocas. É uma novidade nas relações internacionais que não se conhece similar, exceto pela China à época da Idade Média europeia.
Soa até estranho, aos ouvidos deformados por séculos de domínio ocidental europeu e estadunidense, a igualdade em ambos lados da mesa. E é graças à ICR que estamos vendo surgir uma “Segunda Independência” em diversos países da África.
A África está se renovando, os países do oeste do Sahel expulsaram as tropas francesas e estadunidenses que garantiam a expropriação das riquezas africanas. Não há dúvida que a presença da China fez recuar a agressividade ocidental que era a marca colonial euroestadunidense.