Governo Digital pode contrariar ‘legítimo interesse’ da sociedade

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LGPD, lei geral de proteção de dados
LGPD (foto de Marcelo Casal Jr/Abr)

Apesar de trazer muitos avanços, o Projeto de Lei 317/2021, conhecido como PL do Governo Digital, apresenta um aparente paradoxo com potencial de criar obstáculos para o desenvolvimento do ecossistema nacional de lawtechs e legaltechs. A proposta, recém-aprovada pelo Senado e que aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, oferece uma brecha para que órgãos e entidades públicas possam cobrar pelo uso de dados.

Se entrar em vigor da forma como está configurado, além de aumentar significativamente os custos e a burocracia para o trabalho das startups que vêm revolucionando os serviços jurídicos do país com seus processos inovadores, a medida representa um contrassenso em relação ao que estabelece a própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Ora, se a LGPD abre exceção para que essas lawtechs e legaltechs tenham acesso aos dados de pessoas e empresas sem o consentimento dos titulares com base no conceito do “legítimo interesse”, como entender que justamente os dados produzidos por instituições públicas, a quem se atribui o mais alto grau de legítimo interesse da sociedade, possam colocar restrições e cobrar valores financeiros restringindo a transparência?

A preocupação com o assunto já levou inclusive a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) e o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) a se manifestarem contrários a esta medida. Eles afirmam que a descrição das situações nas quais a cobrança será admitida se enquadra justamente sobre o tipo de uso que as startups fazem dos dados.

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O texto diz que prestadores de serviços, órgãos e entidades públicos poderão cobrar um valor de utilização, no caso de acesso tipicamente corporativo ou institucional, contínuo e com excessiva quantidade de usuários e de requisições simultâneas, com grande volume de dados e com processamento em larga escala.

É importante lembrar que quando uma lawtech ou legaltech utiliza esses dados, geralmente elas o fazem no sentido de aprimorar a segurança referente, por exemplo, a acesso a locais restritos; efetivação ou confirmação de transações bancárias e combate a fraudes em processos de identificação, só para citar alguns casos.

Para fazer este trabalho, é necessário processar milhares de dados com métodos estatísticos de cruzamentos e checagem dupla realizados por plataformas de inteligência artificial. Qualquer valor cobrado pelo acesso aos dados, por mínimo que sejam, acabam se transformando em somas suficientemente capazes de inviabilizar o trabalho destas empresas e consequentemente o surgimento de novas soluções que tornem nosso sistema jurídico mais ágil e preciso.

Em uma de suas manifestações sobre o assunto, o diretor executivo da AB2L, Daniel Marques, afirmou que dados abertos promovem a transparência, o compliance e a segurança jurídica. Além disso, esse tipo de cobrança contraria recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a própria Constituição.

Cabe aos órgãos públicos auxiliar os processos que aprofundem a transparência nas relações da sociedade, e por outro lado, as autoridades reguladoras devem exigir e fiscalizar para que as empresas que tratam esses dados o façam de forma a evitar acessos indevidos ou vazamentos que acarretariam prejuízos a todos os envolvidos.

Essas são as regras do jogo que é jogado em todos os mercados mais desenvolvidos em relação a este assunto. Se queremos alcançar este patamar, é assim que precisamos agir.

 

Alexandre Pegoraro é CEO da Kronoos.

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