Grande contribuinte: Receita amplia fiscalização sobre topo da pirâmide

Receita reduz limites: classificação de grande contribuinte começa em rendimentos anuais de R$ 15 milhões

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Site da Receita Federal para declaração de imposto de renda (IR)
Site da Receita Federal (foto ABr)

A Receita Federal anunciou mudanças nos critérios para a classificação de “grande contribuinte”, reduzindo os limites de valores para enquadramento e gerando dúvidas sobre as implicações econômicas e como isso pode afetar o comportamento dos investidores no Brasil.

A mudança ocorreu, especificamente, quanto aos limites impostos para as pessoas físicas. Para aquela considerada como pessoa física diferenciada, a nova regra do valor anual dos rendimentos declarados foi fixada como maior ou igual a R$ 15 milhões; quanto ao valor dos bens e direitos declarados, o montante passou a ser de maior ou igual a R$ 30 milhões; e o valor de operações em renda variável agora é maior ou igual a R$ 15 milhões.

Para a pessoa física especial, o valor anual dos rendimentos declarados foi fixado como maior ou igual a R$ 100 milhões; o valor dos bens e direitos declarados passou a ser de maior ou igual a R$ 200 milhões; e quanto ao valor de operações em renda variável, o valor foi para maior ou igual a R$ 100 milhões.

Para Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, a Receita está agindo dentro de sua competência legal, desde que as fiscalizações sejam conduzidas sem abusos. No entanto, ele aponta uma questão relevante: “Mesmo com a consistente perda de valor do real frente ao dólar, o que de certo modo ‘empobrece’ o brasileiro, a Receita Federal reduz os patamares de valores para o acompanhamento dos chamados ‘grandes contribuintes’. Essa decisão parece alinhada à política tributária atual, que busca aumentar a carga do Imposto de Renda sobre aqueles no topo da pirâmide de riqueza”, avalia Natal.

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Ele lembra que a mudança reflete a incorporação do Projeto BEPS 2.0, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), na legislação tributária brasileira. “O objetivo é mitigar a erosão da base tributária e a transferência de lucros, o que se conecta com o esforço global para combater práticas que reduzem a arrecadação fiscal”, afirma Natal.

Mais burocracia

Rafael Oliveira Beber Peroto, sócio da Oliveira e Olivi Advogados, considera que a medida traz novas regras que guardam consonância com outras medidas praticadas pelo Fisco recentemente, como a tributação das offshores e de fundos exclusivos. “A alteração dos patamares para acompanhamento diferenciado aumentará de forma significativa os contribuintes que serão monitorados pela Receita Federal”, diz Peroto.

“A redução dos limites para enquadramento como ‘grande contribuinte’ sinaliza um esforço da Receita Federal para ampliar sua base de arrecadação e reforçar o combate à sonegação entre aqueles que concentram maiores rendimentos e patrimônio”, explica Waldir de Lara, advogado e fundador da Larafy Contabilidade.

“No entanto”, prossegue Lara, “a medida levanta preocupações. Embora o discurso seja de ‘justiça tributária’, a prática pode gerar um efeito inverso: mais burocracia, mais custos administrativos e aumento da pressão fiscal sobre empresas e indivíduos que agora passam a ser tratados como grandes contribuintes, mesmo sem possuírem um impacto econômico proporcional ao que esse rótulo tradicionalmente representava.”

Impacto nos investimentos

Especialistas consideram que a redução dos limites pode gerar desdobramentos inesperados, como a migração de residência fiscal de investidores para países com menor carga tributária. “Essa intensificação da fiscalização pode levar alguns contribuintes a considerarem mudanças de residência fiscal. No entanto, é importante lembrar que o residente fiscal no Brasil deve prestar contas à Receita Federal pela universalidade de sua renda. Isso significa que qualquer rendimento obtido no exterior deve ser declarado ao Fisco brasileiro e, nos casos previstos em lei, está sujeito ao pagamento de imposto de renda sobre os rendimentos do capital ou do trabalho”, explica Natal.

Lara avalia que a medida pode alterar o comportamento dos investidores, especialmente daqueles que possuem ativos significativos no Brasil. Entre os possíveis impactos, segundo ele, estão:

  • Aumento na aversão ao risco: Investidores podem repensar a alocação de recursos no país devido à percepção de maior fiscalização e pressão tributária.
  • Incentivo à internacionalização: Com regras mais rígidas, muitos investidores podem buscar alternativas no exterior para proteger seus ativos e reduzir a exposição ao cerco fiscal.
  • Dificuldade no planejamento financeiro: A reclassificação como grande contribuinte pode aumentar as exigências em termos de documentação, relatórios e auditorias, impactando o custo e a eficiência do planejamento patrimonial e fiscal.

“A Portaria RFB 505/2024, responsável por alterar os critérios de classificação de ‘grandes contribuintes’, indica a possibilidade de que sejam considerados estudos e análises sobre o potencial econômico-tributário das pessoas físicas e das pessoas jurídicas, além de prever a necessidade de regulamentação complementar para estabelecimento de indicadores, metas, critérios de seleção, jurisdição e formas de controle e avaliação relacionados aos grandes contribuintes”, comenta Marcelo John, advogado tributarista do escritório Schiefler Advocacia.

“Isso indica que, com o aumento da fiscalização, os investidores devem avaliar com maior cuidado a estruturação de suas operações financeiras e patrimoniais, visando garantir que essas operações estejam e se mantenham sempre em conformidade com a legislação tributária”, recomenda John.

Grande contribuinte e planejamento tributário

Ele afirma que uma fiscalização mais rigorosa não deve ser vista, a princípio, como algo negativo. “Contudo, a relação entre fisco e contribuinte deve ser pautada pela segurança jurídica e pela previsibilidade. Nesse sentido, a indicação de que poderão ser considerados estudos e análises sobre o ‘potencial econômico-tributário’ das pessoas físicas e jurídicas para fins de classificação de grandes contribuintes é vaga e não permite compreender o que exatamente isso significa.”

“O que se pode inferir é a sugestão de que a fiscalização avaliará planejamentos tributários que possam ser vistos como ‘abusivos’. Isso indica uma necessidade premente para os grandes contribuintes de se buscar uma estrutura de operações que caminhe de mãos dadas com a legislação”, finaliza John.

Quanto à preocupação com a privacidade e a liberdade econômica, Natal reforça que a relação entre Fisco e contribuintes deve ser baseada no princípio do serviço e da cooperação. “O poder de fiscalizar não deve ser usado como instrumento policial, tratando os contribuintes como possíveis sonegadores. Se a ampliação da arrecadação for feita dentro dos limites da legalidade e respeitando critérios de razoabilidade e proporcionalidade, ela pode ser justificada”, conclui.

A mudança no conceito de “grande contribuinte” coloca em debate o equilíbrio entre arrecadação e respeito às liberdades individuais. Para os contribuintes, resta atenção redobrada às novas regras e um planejamento tributário adequado para mitigar riscos.

Por Gilmara Santos, especial para o Monitor

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