Grupo Trigo: portfólio, novas operações e uso eficiente de dados

Segundo Tom Moreira Leite, a análise disciplinada de dados do programa de relacionamento fez com que o lifetime value dos clientes engajados do Spoleto aumentasse mais de 250%

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Tom Moreira Leite (foto divulgação Grupo Trigo)
Tom Moreira Leite (foto divulgação Grupo Trigo)

Conversamos sobre o Grupo Trigo com Tom Moreira Leite, CEO e sócio da companhia detentora das marcas Spoleto, China in Box, Gendai, Koni, Lebonton, Gurumê, Pizzaria Spoleto e ASA Açaí, e presidente da ABF (Associação Brasileira de Franchising).

Como se deu a formação do portfólio do Grupo Trigo?

O Grupo Trigo nasceu a partir do Spoleto, que se tornou um caso de sucesso, até de maneira rápida, no Rio. Desde o início da sua operação, o Spoleto surgiu como um negócio verticalizado, ou seja, com uma fábrica própria, que começou como uma fabriqueta até se tornar a fábrica que temos hoje em Volta Redonda, responsável pela produção de 600 toneladas de alimentos por mês, e uma distribuidora própria.

Esse é um modelo que não é usual no sistema de franquias de alimentação, sendo o mais usual o sistema em que se tem a rede de franquias e restaurantes próprios que terceiriza para um operador logístico que compra a matéria prima e a vende para os restaurantes, obviamente com tudo homologado e seguindo os padrões da marca.

Em 2004, nós fizemos uma joint venture com o grupo mexicano Alsea para operarmos a Domino’s Pizza no Brasil, que, naquele momento, vinha mal no país. Nós assumimos a operação em dez/2004, e a partir de jun/2005, ela não parou mais de crescer. Essa foi a nossa primeira experiência como gestor de portfólio.

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Entre 2006 e 2008, nós estávamos trabalhando no processo de expansão internacional do Spoleto, mas foi justamente nesse momento que aconteceu a Crise do Subprime nos Estados Unidos. Assim, nós tomamos a decisão de frearmos a intenção de expansão Internacional do Spoleto e adquirimos a terceira marca, Kone, que, inicialmente, era uma temakeria, mas que ao longo do tempo foi se convertendo numa operação de comida japonesa rápida.

Em 2014, a desaceleração do PIB brasileiro levou a uma desaceleração do crescimento do faturamento do grupo. Isso fez com que nos deparássemos com um contexto que nos levou a repensar a operação Spoleto para identificarmos os elementos chave que explicavam o sucesso inicial da marca. Foi quase como colocar a marca Spoleto no divã.

Dessa forma, nós chegamos ao consenso de que o nosso propósito como companhia era democratizar a boa culinária. Nesse ano nasceu o Gurumê, que trouxe uma proposta de valor, inicialmente no mercado do Rio de Janeiro, de uma alta gastronomia japonesa com um preço 30% mais baixo que os concorrentes diretos.

Quando eu falo sobre a democratização da boa culinária, eu não falo somente do público-alvo A, B ou C, mas de uma força motriz que define os nossos movimentos estratégicos, em especial de como nos relacionamos com a cadeia de suprimentos, o que guarda relação com a gestão verticalizada.

Em ago/2018, nós vendemos a operação da Domino’s Pizza para o Vinci Partners. Do ponto de vista financeiro, o Domino’s era maravilhoso, mas a questão era um pouco de nos enxergamos como criadores de marcas ou, efetivamente, donos de marcas. No caso do Domino’s, nós éramos master franqueados, o que foi muito importante do ponto de vista de aprendizagem, tanto que isso melhorou muitos processos de gestão do Grupo Trigo.

O ano de 2019 foi incrível, não só do ponto de vista do faturamento, mas de resultado. Por mais que o Domino’s tivesse uma relevância no nosso EBITDA anual, nós conseguimos recuperar o mesmo volume financeiro que o Domino’s contribuía para o nosso resultado final.

Em mar/2020, nós começamos a passar por aquele momento extremamente difícil para a humanidade, a pandemia, o que levou o Grupo Trigo a implantar uma série de mudanças importantes relacionadas às competências de delivery e de desenvolvimento de soluções tecnológicas, não apenas para atender o delivery, mas também sistemas de dados. Para que você tenha uma ideia, em 2019 o Spoleto tinha 8% das suas vendas vindas do delivery, ou seja, ele era um negócio majoritariamente de atendimento presencial. Já o Gurumê se apropriou do delivery de uma maneira muito veloz, conseguindo recuperar seu faturamento quase a patamares pré-pandemia e operando 100% através de canais proprietários.

Nós aprendemos muito sobre as iniciativas tecnológicas que acabaram se transformando em um canal de faturamento incremental, tanto que 2023 foi, de longe, o melhor ano da nossa história. Nós atendemos um número de clientes idêntico ao de 2019 em quase todas as marcas e alcançamos um faturamento sistêmico de quase R$ 2 bilhões (unidades franqueadas + fábrica distribuidora).

Voltando a pandemia, como ninguém tinha previsão de quando ela ia terminar, nós passamos a discutir, do ponto de vista estratégico, como ter negócios que fossem voltados para o delivery. Isso porque embora o Gurumê tivesse recuperado muito bem o seu faturamento, no Spoleto foi um pouco mais desafiador fazer o delivery tracionar. Esse era um movimento de defesa contra a pandemia, mas de ataque no sentido de termos um negócio que nos permitisse crescer independente do cenário que estávamos passando.

Em 2020, nós começamos uma conversa com a Trendfoods, dona da China in Box e da Gendai, e em out/2021 anunciamos para o mercado a sua aquisição. Foi mais ou menos um ano entre negociações, assinatura de contrato de compra e fechamento. 

Com a Trendfoods, nós trouxemos para o nosso portfólio um conceito que tinha uma presença maior em lojas de rua, pois tínhamos uma presença mais massiva em shoppings. Essa aquisição também gerou ganhos de sinergia nas áreas de suporte, como financeiro, jurídico e tecnologia. Também havia o tema de verticalização, pois toda vez que olhamos para um negócio que temos a intenção de comprar, ou de criar para escalar, nós também olhamos sob a perspectiva de valor que conseguimos gerar para a marca do ponto de vista de gestão da cadeia de suprimentos, e de valor que conseguimos capturar sob a perspectiva dos nossos acionistas, pois a fábrica é uma unidade geradora de receita e de resultado. Além disso, a gestão verticalizada nos permite ter um tempo de desenvolvimento e de lançamento de produtos para o mercado muito veloz.

Como o Grupo Trigo controla suas operações?

Antes da pandemia, nós tínhamos um modelo com diretores de marcas, sendo que cada um tinha debaixo de si sua área de franquia e de marketing, só que durante a pandemia nós tivemos que fazer mudanças contextuais. Por exemplo, o marketing trabalhou de maneira matricial, com um núcleo atendendo todas as marcas. O mesmo ocorreu com operações.

Por mais que tenhamos feito isso, no tempo eu não acho que esse seja o modelo ideal, pois as marcas possuem identidades próprias, tanto que no final de 2023 nós voltamos com a figura do diretor de marca. É óbvio que existe um guarda-chuva de cultura chamado Grupo Trigo, mas a identidade da China in Box tem características totalmente diferentes da identidade do Spoleto.

Mesmo assim, algumas coisas mudaram. Nós criamos uma área de CX (Customer Experience), que atua de maneira matricial suportando todas as marcas, cujo principal indicador chave é o NPS (Net Promoter Score) dos restaurantes. Só que muito mais que medir NPS, nós temos uma tecnologia que consolida todas as sugestões e críticas de clientes em diferentes plataformas, consolidando os aprendizados, em especial os que são mais recorrentes, a partir das reincidências de sugestões, o que nos permite criar planos de ação.

Nós também solidificamos a área de dados com toda a parte de mídia, performance e BI (Business Inteligence). Essa área também suporta de forma matricial todas as nossas marcas. Por fim, nós temos uma diretoria dedicada à cadeia de suprimentos. Essa é uma unidade de negócios que possui orçamento e desafios próprios.

Como o Grupo Trigo desenvolve novas operações? Por exemplo, como se deu o estalo para se começar a Pizzaria Spoleto?

Segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), existe 1,2 milhão de estabelecimentos, entre bares e restaurantes, que fornecem alimentos, o que dá um estabelecimento para cada 176 brasileiros. Eu posso te afirmar, categoricamente, que nos nossos modelos de negócio não se sobrevive com 176 clientes. Isso significa, claramente, que é um jogo de equação de valor, onde se tem que gerar valor para se atender mais clientes que o seu concorrente e, obviamente, crescer.

O negócio de alimentos tem baixa barreira de entrada e é bastante competitivo, mas quando olhamos sob a perspectiva de rede, ele é pouco consolidado. Como nós tínhamos um período estipulado em contrato em que não podíamos atuar no mercado de pizzarias, período esse que se encerrou no ano passado, e temos uma experiência exitosa dentro desse segmento, nós começamos a discutir internamente a possibilidade de comprar uma rede menor de pizzaria. Nós chegamos a sondar algumas, mas como o Spoleto está num momento muito positivo, não apenas em termos de crescimento, mas também do ponto de vista de branding, nós discutimos o porquê de pagar um prêmio para adquirir uma rede estabelecida quando temos uma marca de culinária italiana que pode trabalhar numa estratégia de extensão de portfólio de produto. A Pizzaria Spoleto não é, simplesmente, a introdução de pizza no Spoleto, mas um novo negócio de fato, que, inclusive, não terá o portfólio de Spoleto tradicional, pois a pizzaria terá pizzas.

Nesse momento, nós estamos pilotando uma Pizzaria Spoleto em Copacabana para testarmos o fluxo operacional, evoluirmos tecnologia e estratégias de marketing, e aprendermos sobre precificação, promoções e relação com marketplaces, já que esse é um negócio pensado para delivery.

Por fim, aqui volta a questão de oportunidade. O China in Box foi a primeira rede no Brasil a operar delivery em larga escala. Foi o China in Box que nos inspirou a comprar o  Domino’s em 2004, dado o sucesso que eles tinham dentro do mercado de delivery. Hoje, nós temos no China in Box grandes restaurantes que chegam a ter 400, 500 metros quadrados, só que esse é um negócio em que 85% das vendas são delivery, o que significa que existe um espaço ocioso dentro do China in Box, mesmo que ele tenha um faturamento médio elevado. Eu estou dizendo isso, pois nós temos uma rede estabelecida, com várias lojas em que conseguimos, facilmente, trazer um conceito novo para dentro delas, e melhor ainda, operadas por experts em delivery.

Na prática, uma vez que passarmos por essa primeira fase de pilotagem do conceito de Pizzaria Spoleto, nós vamos conseguir, de maneira muito veloz, introduzir a pizzaria dentro de várias unidades de China in Box através do conceito que chamamos de store in store, ou loja dentro de loja. Sob a perspectiva dos franqueados, que são exímios operadores de delivery, e que estão ávidos por novidades, isso é uma possibilidade de trazer uma receita totalmente nova com um portfólio totalmente diferente do que estão acostumados a operar, mas com investimento incremental muito menor do que construir uma pizzaria do zero.

Recentemente, nós também fizemos um investimento num negócio que está num estágio muito inicial chamado Ação Sustentável da Amazônia (ASA Açaí). Aqui, nós temos outra motivação estratégica: complementar portfólio e passar a operar com um negócio de super frutas da Amazônia, que tem, inclusive, um impacto importantíssimo do ponto de vista de preservação e de geração de renda para os os produtores ribeirinhos. Isso porque nós não compramos uma marca,  mas uma cadeia de suprimentos e a relação direta com esses microprodutores. Eu não estou falando desse açaí que ficou difundido no mercado, mas de açaí puro sem açúcar e de frutas como tucumã,  pupunha, cupuaçu, cacau, cumaru, caju do mato e castanha de baru.

Em média, nós impactamos cerca de 25 hectares de terra por família, o que dá mais ou menos 7.500 hectares, para os quais a nossa atividade traz o que chamamos de atração bioeconômica. Nós já temos três unidades operando no Rio e vamos agora abrir um modelo de quiosque em shopping, que é mais enxuto, e trabalhar no formato de dark kitchens. Nós vamos ter a ASA Açaí operando no modelo de marcas digitais dentro dos restaurantes que temos e disponível em plataformas digitais.

Como o Grupo Trigo usa dados nas suas operações?

Hoje, 48% do faturamento do Grupo Trigo vem através de canais digitais. Desses, 61% são canais de terceiros, basicamente marketplaces, e 39% são canais próprios (totens de autoatendimento, e-commerce e WhatsApp), sendo que os canais próprios são os meios que temos para coletar dados.

Como entre 2015 e 2019 nós tivemos a experiência de investir num programa de fidelidade para restaurantes, o que nós fizemos foi desenvolver um novo programa de relacionamento com um parceiro externo, sendo que nós fizemos um acordo para que o código fonte do programa pertença ao Grupo Trigo. Com esse programa de relacionamento, nós aprendemos sobre os hábitos de consumo dos clientes, e a partir desse aprendizado, nós criamos réguas de relacionamento.

Por exemplo, nós temos quase 10 milhões de vendas identificadas, sendo que nós temos o cadastro completo dos clientes de 20% dessa base. A porta de entrada pode ser o totem de autoatendimento ou o e-commerce, mas esse trabalho passa,  necessariamente, pelo cadastro dentro do programa de relacionamento.

Uma das principais métricas de gestão no nosso negócio é o Lifetime Value (LTV) do cliente, que é o seu gasto médio multiplicado pela margem bruta, que no nosso caso é mais ou menos 50%. Sob a perspectiva de um cliente, você consegue elevar o ticket médio até determinado patamar, pois é impossível pensar num cliente que entre no Spoleto e consuma sozinho R$ 500. Você pode aumentar a margem reduzindo custos variáveis, mas isso também tem um limite, pois um dos principais componentes do custo variável no restaurante é o chamado CMV (Custo da Mercadoria Vendida). Você pode negociar com o fornecedor, desenvolver um produto novo, mas chega uma hora em que o custo está dado e não se passa daquele limite. Do ponto de vista de desempenho de um negócio como o nosso, você muda esse jogo na frequência do cliente, o que não tem limite.

Nós percebemos que a única maneira de medirmos essas variáveis e criarmos mecanismos que permitissem o aumento do LTV era através do nosso programa de relacionamento. Enquanto um cliente do Spoleto, que não se engaja no programa, visita o restaurante quatro vezes ao ano, um cliente que se engaja visita 14,5 vezes. Ou seja, ele sai de um ciclo de compra a cada 100 dias, aproximadamente, para uma vez a cada 25 dias. Dessa forma, o LTV de um cliente do Spoleto saiu de R$ 85 para quase R$ 300.

Eu só sou capaz de ler esses números e de criar os mecanismos de ativação para alcançar esses resultados a partir de uma análise disciplinada de dados coletados através dos canais que comentei. Esse é o poder do dado. Eu não estou falando de uma solução tecnológica, já que programas de fidelidade estão disponíveis para qualquer empresário contratar. Se não houver uma cultura analítica dentro da empresa, o programa de relacionamento vai ter muito pouco valor.

Como o Grupo Trigo tem trabalhado o mix de canais digitais próprios e de plataformas de delivery?

Nós temos que estar onde o cliente estiver. Ponto. Não sou eu que determino os hábitos de consumo dos clientes, e sim os próprios clientes. Se os clientes estão na plataforma A, B ou C, é fundamental que eu esteja na plataforma A, B ou C. Agora, esse pensamento não é binário. Ele não é 1 ou 0. Ele não é “estarei em plataformas” ou “não estarei em plataformas”. Ele é sim, estarei em plataformas porque o cliente está lá, e sim, também irei investir nos meus canais proprietários. Então o pensamento é “e”.

Do ponto de vista estratégico, o que faz a diferença é a fidelidade. É ela que me permite conhecer o cliente e criar com o tempo comunicações direcionadas para esse cliente, o que eu não consigo através de plataformas.

Do ponto de vista de margem, como o China in Box, por exemplo, tem um delivery muito alto, isso lhe permite operar com entregadores próprios. Como ele não depende de plataformas para realizar a última milha, isso torna menos onerosa a sua operação, pois quando se opera com a plataforma originando e entregando o pedido, é um custo, mas quando se opera com a plataforma originando e você entregando, o custo é bem menor.

Outro ponto: a precificação dentro de uma plataforma tem que levar em consideração o custo de estar na plataforma. Como elas cobram uma comissão, a estratégia de precificação, necessariamente, tem que levar esse custo em consideração. Se você não fizer dessa forma, a chance de não ter lucro é real. Assim, nós tratamos essa questão com times de entrega dedicados aos nossos restaurantes, em especial os que dependem muito do delivery, e precificando corretamente nas plataformas.

Além da precificação correta, é importante fazer um bom uso das alavancas de venda, que são promoções, campanhas e áreas específicas dentro da plataforma. Todas essas alavancas trazem vendas, mas também trazem custo, o que faz com que voltemos para a disciplina de precificação.

Do ponto de vista comercial, é inegável o poder das plataformas. Por isso é muito importante cuidar da relação comercial com esses parceiros, que são importantes stakeholders da cadeia, da mesma forma que é importante ter uma boa relação com os administradores de shoppings.

Como o Grupo Trigo avalia as suas perspectivas para 2024?

Para 2024, a ABF espera um crescimento de 10% do faturamento da indústria de franquia e de 5,5% das operações. Com relação ao Grupo Trigo, nós estamos com uma visão de crescimento maior. Nós esperamos que o sistema cresça em 2024 quase 15%, o que vai levar o Grupo Trigo a um faturamento de quase R$ 2,3 bilhões.

Para os próximos anos, eu continuo enxergando, do ponto de vista de expectativa, um crescimento de dois dígitos tanto para a indústria de franchising quanto para o Grupo Trigo.

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