Brasil não pode adotar neutralidade quando um Estado invade o outro
Não é somente o Continente Europeu que está apreensivo com a guerra promovida pelo presidente russo Vladimir Putin contra a Ucrânia, de Volodymyr Zelensky. Essa guerra descabida, intolerável e sem qualquer justificativa e que vem fazendo vítimas de ambos os lados, com maior predominância na Ucrânia, deixa todo o planeta perplexo, angustiado, temeroso e sem saber o que os desdobramentos desse gravíssimo conflito causará à humanidade.
Putin, ex-agente secreto da KGB e que se fez presidente com o apoio do então mandatário Boris Iéltsin e que depois de eleito sequer atendeu ao seu chamado telefônico para cumprimentá-lo, é um homem paranoico, frio, cínico, dissimulado, sanguinário e genocida e leva adiante os seus caprichos pessoais e inconfessáveis e adota uma política vergonhosa e absolutamente nojenta de querer invadir um Estado soberano.
De uma forma bem resumida, a Guerra da Rússia contra a Ucrânia se originou após a Ucrânia solicitar sua entrada na Otan, grupo de países que se formou durante a Guerra Fria e que, com a queda do Muro de Berlim, em 10 de dezembro de 1991, seguiu ativo e sempre teve opinião contrária à Rússia.
É ridículo e condenável que um governo soberano, livre e eleito democraticamente não possa levar a cabo suas estratégias, simplesmente por que um mandatário vizinho, louco por certo, não concorda com as atitudes de um outro líder que tem visão larga e próspera e defende os interesses do país que governa, eleito que foi com 73% do eleitorado.
É sempre imprescindível lembrar que a Primeira Guerra Mundial matou 10 milhões de pessoas. A Segunda Guerra, mais 50 milhões. A Guerra Fria, outras 20 milhões. A quantidade de conflitos e o grande desenvolvimento dos meios de comunicação no século 20 permitiram sensibilizar populações de diversos países sobre os problemas ocorridos principalmente durante a Guerra Fria e nos anos que a seguiram, fazendo com que as missões de paz passassem a ser comuns, apesar dos problemas enfrentados em várias regiões do mundo, como na Síria, Somália, Egito, Tunísia, Arábia Saudita, Irã e Iêmen.
Hoje, o principal produto das guerras, além da destruição, é o grande número de refugiados. A situação dos refugiados nos seus próprios países é precária e insegura. Mais de 600 mil pessoas, segundo a ONU, já abandonaram a Ucrânia, em menos de uma semana. Aliás, Jean-Paul Sartre dizia que “quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.
O estrategista do mal Putin, do alto da sua empáfia e vibrante loucura sanguinária, não julgou que a Ucrânia pudesse reagir como tem reagido e que o Mundo fosse isolar a Rússia, com sanções das mais intensas e permanentes. Talvez tenha faltado a Putin ler um pouco mais e refletir mais ainda sobre seus atos covardes. Se ele tivesse conhecimento sobre o que escreveu Frederico II, “conhecer o país onde se fará a guerra é a base de toda a estratégia”, talvez, talvez, ele tivesse adotado outros posicionamentos e tivesse, quem sabe, buscado o diálogo. Os líderes mundiais o procuraram, foram até Moscou tentar evitar essa barbaridade, essa tragédia.
Quando abriu fogo contra a Ucrânia, há uma semana, Putin procurou abalar as fundações do mundo livre pensando que poderia fazê-lo se curvar aos seus caminhos ameaçadores e ensandecidos. Mas ele calculou mal. Ele não contava que iria haver uma barreira: a população ucraniana, além da fortíssima barreira dos líderes dos países que lutam pela soberania e pela democracia. Os líderes dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Polônia, Portugal, Finlândia, Alemanha, Suíça, Japão e dezenas de outros estão do lado da paz e da estabilidade mundial.
Após o bombardeio na cidade de Kharkiv, o presidente ucraniano Zelensky acusou a Rússia e disse que um Estado que comete crimes de guerra não deve ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Zelensky também pediu à União Europeia para provar que está do lado do povo ucraniano no conflito com a Rússia “A União Europeia será muito mais forte conosco, isso é certo. Sem vocês, a Ucrânia será muito mais solitária. Provem que estão conosco, provem que não vão nos deixar, provem que vocês são de fato europeus e, então, a vida vai vencer a morte e a luz vai vencer a escuridão.”
Além da retirada de bancos russos do Swift e de outras importantes sanções econômicas já miradas na Rússia, com algumas delas já fazendo o efeito esperado, a Fifa também decidiu tirar a Rússia da Copa do Mundo, que se realizará no Qatar. E as sanções não param e estão fazendo fortes pressões contra Putin e seu governo desumano, oligarca e autoritário.
O grupo de transporte marítimo Maersk anunciou que interromperá temporariamente todo o transporte de contêineres para a Rússia, se juntando a uma série de outras empresas após as sanções ocidentais impostas a Moscou. A suspensão, que abrange todos os portos russos, não inclui alimentos, suprimentos médicos e humanitários. A Maersk detém 31% da operadora portuária russa Global Ports, que opera seis terminais na Rússia e dois na Finlândia.
O Google, por sua vez, também anunciou o bloqueio de canais do YouTube ligados à rede de TV Russia Today e ao portal Sputinik, ambos veículos de comunicação estatais controlados e financiados pelo governo russo, em toda a Europa. Grandes estúdios de Hollywood anunciaram que não vão lançar seus próximos filmes na Rússia. Disney, Warner Bros., Sony e Paramount são alguns que anunciaram a medida para tentar pressionar o governo russo a cessar fogo. Há proibição do uso do espaço aéreo da Comunidade Europeia por aeronaves russas.
Diante desse confronto terrível, o presidente Bolsonaro, como, aliás, já era esperado, tem se posicionado com comentários desastrosos, dignos de uma pessoa que desconhece as relações internacionais e confundindo termos clássicos da diplomacia, como neutralidade com imparcialidade, dentre outras gafes usuais.
Ele, que visitou Putin, no Kremlin uma semana antes de eclodir a guerra, e que, em discurso na capital russa, falou que apoiava Putin, só não se sabe a que apoio ele se referia, tem defendido uma posição de “neutralidade” do Brasil sobre o conflito entre Rússia e Ucrânia para evitar prejuízos para negócios do país. As falas de Bolsonaro revelam movimento para lá de errático sobre esse conflito na Ucrânia.
De um lado, Bolsonaro tenta passar a imagem de que ficará neutro para evitar obstáculos para importação de fertilizantes, mas, na prática, ele tem um discurso a favor do Putin e isso será levado em conta, naturalmente, mais cedo ou mais tarde, pelos Estados Unidos e pelos países europeus nas futuras negociações brasileiras.
Bolsonaro deveria, desde o início, ter mantido realmente uma posição de “imparcialidade”, como disse o ministro Carlos França, das Relações Exteriores. Se assim tivesse procedido, estaria tudo bem para o Brasil buscar manter sua linha diplomática tradicional.
O que de certa forma compensa as contradições de Bolsonaro é a posição firme do Itamaraty, que votou duas vezes para condenar a invasão russa na Ucrânia. Até agora, Bolsonaro, sempre longe do bom senso, não seguiu o mesmo caminho do Itamaraty, de condenar a quebra da integridade territorial da Ucrânia, uma das regras da ONU e que são defendidas pelo corpo diplomático brasileiro.
A estratégia adotada por Bolsonaro é uma posição covarde, que difere da defendida anteriormente pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil, no Conselho de Segurança da ONU, na última sexta-feira, quando adotou postura pró-Ucrânia, ao defender uma resposta “rápida e com uso da força” contra Moscou, pois “uma linha foi cruzada e este Conselho não pode ficar em silêncio”.
O embaixador Ronaldo Costa Filho disse, naquela ocasião, que “o Conselho de Segurança deve reagir de forma rápida, com uso da força, contra a integridade territorial de um Estado-membro, uma linha foi cruzada, e este Conselho não pode ficar em silêncio”. Quer dizer, isto é uma nítida condenação da guerra. E mesmo diante desse posicionamento, Bolsonaro fala em neutralidade…
O Brasil é um país enorme e não pode adotar uma neutralidade dessas quando um Estado invade o outro, uma decisão unilateral de guerra sem que haja provocações, nem razões. São razões de um futuro que Putin supõe que possa ocorrer com a integração da Ucrânia à Otan.
Pablo Neruda escreveu que “os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra”. Que essa guerra não perdure, que o diálogo seja restabelecido entre as Nações, que Moscou dê um passo em direção à paz e que a Ucrânia e seu presidente possam viver de forma soberana, autônoma e sem conflitos sociais, políticos e armados.
Chega de atrocidades contra a Humanidade.
Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.
Que aula fantástica e esclarecedora! ! Obrigada.