“Há duas, e somente duas, bases da lei … equidade e utilidade”

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(Burke, 1729-1797, em Folhetos …)

A segunda metade do século passado foi assinalada por uma conquista importante: a institucionalização dos mecanismos de contratos para a proteção da parte mais fraca. Estas conquistas foram representadas pelo Código de Defesa do Consumidor, a Lei no 8078, de 11 de setembro de 1990, e pela introdução no direito processual da ação civil pública, instrumento coletivo de proteção dos interessados.

Na evolução do direito, estes dois instrumentos de salvaguardas coletivas sucedem, pelo seu importante significado, conquistas anteriores de proteção individual da cidadania, como a do mandado de segurança, a do habeas-corpus ou a dos direitos trabalhistas. O que, no entanto, pode se descortirnar como próxima conquista jurídica na promoção da cidadania?

Uma avaliação das circunstâncias da vida recente do cidadão brasileiro revela que o usuário dos serviços públicos não está suficientemente protegido. As concessões públicas representadas pelo fornecimento de energia elétrica acabam de atingir o contribuinte duramente, sem que responsabilidades possam ser exatamente identificadas e, conseqüentemente, qualidade e regularidade do fornecimento exigidos como se exige de fornecedor de eletrodomésticos, por exemplo.

Espaço Publicitáriocnseg

Instrumentos defensivos, estabelecidos ou em processo de aperfeiçoamento, não podem ser acionados nos casos. Não se troca nem se faz recall de energia elétrica, de educação ou de saúde. Além dos serviços em si, sua qualidade e desempenho, as responsabilidades dos concedentes e concessionários também precisam ser regulamentados de maneira mais adequada à atualidade, como nos casos de negligência, inépcia ou locaute.

Parece inequívoco que grande parte das dificuldades hoje enfrentadas pelo usuário dos serviços de energia elétrica decorre de imperícia no planejamento das possibilidades de oferta e consumo. Decorre também de negligência em estipular condições no processo de privatização de concessões, menosprezando o aumento da oferta. É influenciada ainda pela redação dos termos de ajuste com organismos internacionais, a começar pelo FMI, em que a busca do equilíbrio fiscal submeteu a definição correta dos gastos públicos, desconhecendo a importância do investimento em geração e distribuição.

Outro avanço presumível no direito, na seqüência de proteção ao cidadão, ao consumidor e ao usuário, está relacionado ao desempenho da empresa cidadã. Refere-se à proteção aos beneficiários da ação social e ambiental das empresas.

Está em curso um processo de valorização das marcas, cada vez mais importantes com a complexidade crescente do ambiente de consumo. As marcas em si representam um instrumento de proteção do consumidor, que é progressivamente dificultado no processo de escolha, em conseqüência da padronização do desempenho dos bens, resultado da maior densidade tecnológica, do aumento da possibilidade de compra, derivado da sofisticação dos produtos do mercado financeiro e do efeito da publicidade.

Na construção de marcas mais valorizadas, as empresas lançam mão de diversos expedientes, entre os quais um dos mais eficientes na fidelização do consumidor – a associação dela a causas sociais ou ambientais. Este processo, que mobiliza bilhões de dólares em todo o mundo, é feito ao arbítrio exclusivo da direção da empresa. O que hoje parece natural que seja assim, em pouco tempo estará sendo filtrado por conselhos e entidades assessoras que opinarão e avaliarão o efeito do investimento social, seja na restauração de danos produzidos, na promoção social, ou na apropriação da valorização da marca.

Equipamentos normativos dispersos por vários diplomas, desde o Código de Defesa do Consumidor até códigos de ética de agências e veículos de difusão de informações, precisarão ser atualizados e consolidados em instrumento ágil e de acesso público, institucionalizando responsabilidades e procedimentos, um desafio aos legisladores e às letras jurídicas.

A lista é longa e inclui a coerência de campanhas publicitárias com base em investimentos sociais com o ambiente de benefícios internos da empresa, o rebatimento na organização da estrutura etária, étnica e de gênero da sociedade, o controle social da distribuição de recursos arregimentados com base na boa fé pública, políticas empresarias de relacionamento ético com órgãos fiscalizadores e consistência das práticas de grupos internacionais nas praças em que atua.

QUALIDADE DE EMPRESA-CIDADÃ
Desde 1995, a Coats Corrente, fabricante de linhas localizada em São Paulo (SP), vem investindo na eliminação da captação de água do Rio Tamanduateí. De início, reduziu a demanda para lavagem e tingimento de fios de 130 m3/h para 70 m3/h. Há três anos, firmou uma parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para a utilização de água de reuso.
Ligada por um duto a uma estação de tratamento de esgotos, a Coats Corrente utiliza desta fonte toda a água que consome no processo industrial que dispensa potabilidade. Além do bem representado pela redução do impacto ambiental, a empresa é beneficiada pelo bom preço que representa apenas 40% do custo da água tratada, utilizada apenas no refeitório e torneiras.

Paulo Márcio de Mello
Professor e diretor de planejamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Correio eletrônico: [email protected]

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