A promessa da simplificação, justiça fiscal e estímulo ao crescimento econômico tem impulsionado o debate em torno da reforma tributária. Mas, para quem vive a realidade das empresas, de dentro para fora, já é possível afirmar que o objetivo dela vai muito além de uma reorganização de alíquotas. Ele está redesenhando os fundamentos operacionais das companhias.
Tenho acompanhado como as mudanças tributárias afetam diferentes realidades empresariais. E uma constatação já é evidente: a reforma tributária está exigindo uma reengenharia profunda na forma como as empresas contratam, se financiam e precificam seus produtos e serviços. É necessário um novo olhar para a cadeia de negócios das empresas.
Um dos pontos mais críticos, mas que é ignorado frequentemente nos discursos oficiais diz respeito à folha de pagamento. Ela continuará sendo uma das maiores despesas operacionais das empresas, mas, sob o novo regime, não dará direito a créditos tributários. Na prática, isso significa que o custo será absorvido integralmente pela empresa, sem qualquer compensação no novo IVA.
Esse detalhe técnico está gerando uma movimentação silenciosa, porém estratégica, nos bastidores corporativos: a reavaliação do modelo tradicional de contratação. A terceirização, antes limitada a atividades-meio por força cultural e até jurídica, passa a ser considerada também para atividades-fim. Não por vontade ou conveniência, mas por necessidade de sobrevivência. Em diversos setores, terceirizar será menos uma escolha e mais uma exigência imposta pela matemática tributária.
Mas essa estratégia também tem seus limites. A Reforma traz à tona outro ponto sensível: o uso de MEI e Simples Nacional que não optarem por aderir ao regime trarão custos adicionais, como fornecedores na contratação de prestadores de produtos ou serviços. Notas fiscais emitidas por profissionais enquadrados nesses regimes não permitem a recuperação de créditos, o que compromete diretamente a performance fiscal de quem contrata.
A consequência é clara: o que antes era considerado uma contratação eficiente pode se transformar em um passivo invisível, corroendo margens e prejudicando a competitividade. Uma alternativa é o split societário possibilitando a diminuição de riscos e de tributos. Nesse cenário, ganha relevância o que chamamos no escritório de “mapa de calor fiscal”, uma ferramenta de análise que identifica, área por área, o impacto tributário de cada tipo de contratação, sua influência na precificação e sua viabilidade à luz da nova realidade.
Outro alerta importante que já começa a ganhar corpo nas análises jurídicas diz respeito às empresas com parcelamentos fiscais ativos. Algo que não está sendo muito falado, mas de alto impacto: essas empresas estarão impedidas de distribuir lucros enquanto o parcelamento estiver vigente. Em um país onde muitos grupos utilizam a distribuição de lucros como estratégia de reinvestimento e remuneração, isso representa um freio importante que precisa ser considerado desde já nos planejamentos societários.
Em setores como o varejo, quando o prazo médio de recebimento pode ultrapassar 120 dias, o desafio se agrava: há impactos no fluxo de caixa pelo descasamento entre o prazo de pagamento dos fornecedores versus prazo de produção e comercialização e a prestação dos serviços versus o prazo de recebimento do fornecimento O novo sistema exigirá inteligência operacional e financeira, não apenas conformidade.
Também é preciso destacar a transição para o regime de caixa, que será a base do novo sistema de apuração do IVA. Isso muda tudo. A gestão fiscal deixará de ser um exercício contábil para se tornar um reflexo da inteligência de fluxo de caixa. Saber quando o valor será recebido, e se será, passa a ser tão importante quanto emitir a nota. A gestão da previsibilidade financeira será peça-chave na sustentabilidade das empresas.
Em paralelo, há uma transformação estrutural no modelo de fiscalização. A era da auditoria humana está dando lugar à auditoria do cliente, como eu chamo. Não estamos mais falando de fiscalizações esporádicas. Estamos falando que o cliente precisará saber se o fornecedor está com os impostos em dia para poder gerar créditos, será algo em tempo real, cruzando notas fiscais e tributos. Isto tem impactos positivos. Há não muito tempo, a sonegação representava mais de 30% da economia brasileira. Hoje, esse número caiu para cerca de 15% e acredito que haverá reduções, o problema é que mesmo o Governo arrecadando mais, as despesas são maiores e a volta de benefícios para sociedade é baixa.
Com a nova lógica de créditos e débitos do IVA, cada elo da cadeia estará interessado e vigilante na conformidade fiscal do anterior. Sonegar não será apenas ilegal, será contraproducente. Um deslize pode fazer com que seu cliente perca créditos e, com isso, opte por outro fornecedor na cadeia produtiva.
É neste ponto que a conformidade tributária deixa de ser apenas uma questão moral e passa a ser uma vantagem competitiva concreta. Empresas que investirem em compliance e transparência estarão mais preparadas para crescer e formar alianças sustentáveis. A Reforma Tributária exige uma nova mentalidade empresarial. As empresas que conseguirem antecipar os efeitos práticos da reforma, redesenhar seus modelos de contratação, integrar áreas (jurídico, financeiro, RH, operações) e tomar decisões baseadas em dados, estarão à frente na corrida pela sobrevivência e pela escala.
Aquelas que esperarem pela “regulamentação completa” para agir poderão descobrir, tarde demais, e serem excluídas do jogo.
Ronaldo Martins, CEO do escritório RONALDO MARTINS & Advogados, que é economista, contador e advogado
















