Igualdade racial só é possível com um povo consciente

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Chegam-me fragmentos de um discurso proferido, em Salvador, pela cantora e deputada Leci Brandão, no qual abordou de forma lúcida e realista a questão da igualdade racial, no Brasil. Na ocasião, a artista, que acaba de ser reeleita deputada estadual, pelo PCdoB, de São Paulo, com 71.136 votos, falou sobre a negritude no país; as dificuldades que os negros ainda enfrentam para se colocar no mercado de trabalho; o preconceito existente; e deu o seu próprio depoimento para superar tantos obstáculos já vividos.

Palavras simples, mas carregadas de verdades, de emoções e, sobretudo, que retratam a dura realidade ainda enfrentada pelos negros em nosso país. Essa desigualdade assusta a todos, por certo. E espera-se que o Governo Bolsonaro trate com a máxima atenção esse assunto, dentre tantos outros que se encontram adormecidos nos gabinetes de Brasília.

Para avançarmos enquanto Nação, faz-se mister que a igualdade social seja efetivamente alcançada e que o povo se conscientize dessa necessidade – vital, inclusive, para a pacificação de tantos e tão graves problemas existentes, nesse contexto.

Leci reconhece que, nos últimos tempos, está tendo a oportunidade de ser vista e compreendida, não apenas como artista, mas principalmente como cidadã. A arte tem sido sua principal ferramenta para ajudar na construção de uma vida melhor para as comunidades brasileiras.

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Sou mulher, negra, de origem humilde, filha de uma servente de escola pública e conto, com muito carinho, que varri muitas salas de aula e lavei muitos banheiros, já que morava nos fundos da escola.” Apesar de todas as dificuldades, Leci sempre estudou e se sente privilegiada por ter sido aluna de escola pública numa época em que os professores eram respeitados.

Houve um tempo em que pensar ou questionar era proibido. Atualmente, o momento histórico nos remete a muitas reflexões. O Brasil é o segundo maior país negro do mundo, sendo ultrapassado somente pela Nigéria, país mais populoso da África e o oitavo mais populoso do mundo, com cerca de 150 milhões de habitantes.

O número de pessoas que se declarou da cor preta, no Brasil, deu um salto de 22%, nos últimos cinco anos, enquanto que a população que se autodeclara branca caiu 2,4%. As autodeclarações da cor preta crescem há três anos. Também cresceu (7,7%), nesse mesmo período, o número de pessoas que se consideram pardas. Os dados são do IBGE.

Em 2017, a população residente no Brasil foi estimada em 207,1 milhões de pessoas, 4,2% maior que em 2012, quando somávamos 198,7 milhões. No ano passado, 90,4 milhões de pessoas ou 43,6% do total se declarou branca, ao passo que a população preta era de 8,6% (17,85 milhões) e pardos correspondiam a 46,8% (96,95 milhões). Cinco anos antes, os brancos correspondiam a 46,6% da população, enquanto que os pardos eram 45,3% e os pretos 7,4%.

Leci lamenta que o Brasil pregue a democracia racial, constantemente, mas, de acordo com ela, “essa tal democracia é falsa porque a sociedade dominante é perversa, e o modelo social é absolutamente injusto.”

Em 2001, na Conferência de Durban, o assunto principal foram ações afirmativas, quando se discutiu cotas para os negros nas universidades, no serviço público e na mídia, por exemplo. A psicóloga Edna Roland, relatora da Conferência, afirmou, na ocasião, que “a universidade pública brasileira é elitista e branca, e é necessário que esse gueto seja rompido”.

Leci sublinha que já foi rotulada de radical, xiita, contestadora; entretanto, ela lembra que “também fui colocada na lista de pessoas interessadas em que o Governo Federal dê passos largos na construção da tão almejada igualdade racial.”

A questão educação é fundamental para a formação da cidadania no Brasil. Não chegaremos a lugar nenhum sem sabedoria e comprometimento com o próximo. Igualdade racial só é possível com um povo consciente, sábio e organizado. Importante frisar que os direitos civis e os direitos políticos não asseguram a democracia se não houver direito social.

Leci diz que sua formação intelectual vem das pessoas mais simples e mais singelas que possuem a grandeza da humildade. “Quando sou convidada pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, para os Encontros Estaduais de Projetos Inovadores de Curso, tenho de reconhecer que o compromisso do governo está sendo cumprido, ou seja, a educação tem a missão estratégica e única, voltada para a consolidação de uma nação soberana, democrática, inclusiva e capaz de gerar a emancipação social.”

Ela lembra que as populações indígenas também necessitam de recursos para a escolarização e é fundamental que se respeite o bilinguismo nas escolas em que estudam as crianças pertencentes às etnias indígenas.

Faz-se mister a capacitação dos professores e professoras para que possam corresponder às expectativas dos alunos que ouvem falar que vão aprender a história da África e dos afrodescendentes, trabalhar as questões da diversidade cultural e étnica nas práticas escolares. Consta no Estatuto da Igualdade Racial que “a história da participação dos afro-brasileiros na formação do povo brasileiro foi distorcida, e as populações indígenas também necessitam de recursos para a escolarização e é fundamental que se respeite o bilinguismo nas escolas em que estudam as crianças pertencentes às etnias indígenas”.

Faz-se necessária a capacitação dos professores e professoras para que possam corresponder às expectativas dos alunos que ouvem falar que vão aprender a história da África e dos afrodescendentes, trabalhar as questões da diversidade cultural e étnica nas práticas escolares.

O povo brasileiro não quer saber apenas de carnaval e futebol. Ele quer, ainda segundo Leci, de educação, emprego, saúde, segurança, moradia. “Ele tem esse direito porque o recurso público pertence ao povo, pertence ao eleitor. A política educacional dos Projetos Inovadores de Curso, trabalhando pela valorização dos afrodescendentes, lutando pelo acesso deles à universidade, tem que ser reconhecida como avanço no Ministério da Educação, como política educacional de vanguarda em nosso país.”

Leci Brandão da Silva é cantora, compositora, atriz e umas das mais importantes intérpretes de samba e da Música Popular Brasileira. Em fevereiro de 2010, Leci Brandão filiou-se ao PCdoB e candidatou-se ao cargo de deputada estadual pelo Estado de São Paulo, tendo sido eleita com mais de 85 mil votos, reeleita em 2014 e, agora, em 2018.

Como parlamentar, Leci se dedica à promoção da igualdade racial, ao respeito às religiões de matriz africana e à cultura brasileira. Segunda deputada negra da história da Assembleia Legislativa de São Paulo – a primeira foi a Dra. Theodosina Rosário Ribeiro – Leci também levanta a questão das populações indígena e quilombola, da juventude, das mulheres e do segmento LGBT. Uma voz importante na defesa dos menos favorecidos.

Esperemos, pois, que o novo governo constitua, organize e articule ações efetivas voltadas à implementação de políticas e serviços destinados a superar as desigualdades no Brasil. E que o Estatuto da Igualdade Racial combata efetivamente à discriminação e às demais formas de intolerância étnica, de gênero e religiosa. Será um grande avanço para a nossa sociedade.

 

 

Paulo Alonso

Jornalista e dirigente universitário.

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