A publicação da Instrução Normativa 2.245/24 pela Receita Federal, regulamentando a alíquota mínima global de 15% sobre a renda de multinacionais, representa um marco significativo na tentativa do Brasil de alinhar-se aos padrões globais de tributação estabelecidos no âmbito do Inclusive Framework da OCDE. O objetivo dessa medida é combater a erosão da base tributária e a transferência de lucros, fenômenos que têm gerado distorções fiscais em âmbito internacional e prejudicado as economias dos países onde as atividades econômicas efetivamente ocorrem. No entanto, sua implementação no Brasil traz à tona uma série de questões que precisam ser analisadas sob a perspectiva empresarial, considerando a realidade econômica nacional e os desafios enfrentados pelo empresariado brasileiro.
A introdução da Regra de Inclusão de Rendimentos (Income Inclusion Rule – IIR) e da Regra de Pagamentos Subtributados (Undertaxed Payment Rule – UTPR), ambos pilares da proposta global da OCDE, marca uma evolução no arcabouço normativo brasileiro, que busca ampliar sua adesão às práticas tributárias internacionais. A IIR, ao prever a tributação complementar dos resultados de uma entidade investida na pessoa da entidade investidora, tem como premissa a garantia de que os lucros de multinacionais sejam tributados em pelo menos 15%, independentemente de onde sejam gerados. Por sua vez, a UTPR, que limita a dedutibilidade de pagamentos realizados para jurisdições com tributação inferior a esse patamar, visa coibir práticas que favorecem a elisão fiscal por meio da transferência de recursos para países com tributação mais favorável.
Entretanto, é inegável que a adoção de tais regras impõe novos desafios para as empresas que operam no Brasil e em múltiplas jurisdições. A complexidade associada à aplicação do IIR e da UTPR pode comprometer a previsibilidade tributária, elemento essencial para a estabilidade jurídica e econômica. Empresas multinacionais, que frequentemente trabalham com margens apertadas devido à alta competitividade do mercado global, podem ver seus custos operacionais aumentarem substancialmente. Além disso, as exigências de conformidade e as obrigações acessórias impostas por essas novas regras tributárias elevam ainda mais o já elevado custo de compliance no Brasil, que figura como um dos países mais onerosos nesse aspecto.
Outro ponto de preocupação reside no impacto sobre a competitividade das empresas brasileiras em um cenário global. Enquanto países desenvolvidos, com estruturas fiscais mais robustas, têm maior capacidade de absorver e implementar mudanças derivadas das normas da OCDE, o Brasil enfrenta desafios internos significativos, como a alta carga tributária, a burocracia excessiva e um sistema tributário notoriamente complexo. A adoção de uma alíquota mínima global, sem contrapartidas claras para mitigar seus efeitos sobre o ambiente de negócios, pode desestimular investimentos estrangeiros e dificultar a expansão de multinacionais no mercado brasileiro, comprometendo o crescimento econômico e a geração de empregos.
A IN 2.245/24 também trata da prorrogação, até 2029, das regras de Tributação em Bases Universais (TBU) e do crédito presumido de 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), medidas que podem ser vistas como tentativas de amenizar os impactos financeiros das mudanças para as empresas nacionais. Apesar disso, a ausência de políticas adicionais de incentivo e simplificação normativa impede que tais medidas sejam plenamente eficazes para contrabalançar o aumento da carga tributária decorrente das novas regras.
Além disso, o Tributo Complementar Mínimo Doméstico Qualificado (Qualified Domestic Minimum Top-up Tax – QDMTT), que prevê um adicional de CSLL caso a tributação efetiva fique abaixo de 15%, é outro elemento que pode aumentar a pressão fiscal sobre as empresas brasileiras. Embora a introdução do QDMTT esteja em consonância com o Pillar Two da OCDE, sua aplicação precisa ser cuidadosamente avaliada no contexto nacional para evitar a imposição de encargos excessivos que desestimulem o empreendedorismo e a competitividade.
Diante desse cenário, é imperativo que o governo adote uma abordagem equilibrada na implementação dessas regras. O empresariado brasileiro, que já enfrenta um dos ambientes mais desafiadores do mundo em termos de custos e burocracia tributária, necessita de maior suporte para adaptar-se a esse novo regime. Medidas compensatórias, como a ampliação de incentivos fiscais, a redução de obrigações acessórias e a simplificação do sistema tributário, são fundamentais para assegurar que a competitividade das empresas não seja prejudicada.
Ademais, é essencial que o Brasil promova um diálogo contínuo entre o governo, o setor empresarial e a sociedade civil para garantir que as normas tributárias atendam às necessidades econômicas do país sem comprometer o dinamismo do setor produtivo. A implementação de regras tributárias globais deve ser acompanhada de um planejamento estratégico que considere as especificidades do mercado nacional, com foco em estimular o crescimento econômico, atrair investimentos estrangeiros e fortalecer a posição do Brasil no comércio internacional.
Conclui-se, portanto, que a regulamentação da alíquota mínima de 15%, embora seja um passo importante para o alinhamento às práticas tributárias globais, requer ajustes e flexibilidades que levem em conta a realidade do empresariado brasileiro. Proteger as empresas é, em última análise, proteger a economia nacional, garantindo a geração de empregos, o desenvolvimento tecnológico e a competitividade do Brasil em um cenário cada vez mais globalizado.
Leonardo Roesler é gestor de empresas, especialista em direito empresarial e direito tributário, com experiência em assessoria e consultoria de empresas no desenvolvimento de negócios. Pós-graduado em Direito Desportivo, graduado pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, atuou como representante de empresas na ANCHAM (Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos em 2015). Sócio do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
A leitura foi muito agradável e proporcionou uma reflexão importante sobre o tema abordado.