A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, de anular as provas do acordo de leniência da Odebrecht terá impacto tributário na Lava Jato.
Levantamento realizado pelo advogado Renato Munduruca, do escritório RVM Law, com base nos dados do último relatório Anual de Fiscalização da Receita Federal do Brasil, mostra que a Operação Lava Jato resultou em um expressivo volume de créditos tributários lançados pela Receita Federal.
O lançamento chegou a cerca de R$ 28,7 bilhões de empresas e indivíduos envolvidos na Operação, até janeiro de 2021. Além disso, explica o advogado, são 4.992 procedimentos fiscais relacionados à Lava Jato.
De acordo com a decisão de Toffoli, o cancelamento das provas do acordo de leniência da Odebrecht, feito dentro da Lava Jato, vale para toda e qualquer instância ou tribunal judicial ou administrativo. Dessa forma, se confirmado que as provas obtidas no sistema da Odebrecht são nulas e que elas serviram direta ou indiretamente para iniciar os procedimentos fiscais ou para os lançamentos, as autuações podem ser canceladas.
Além disso, o fato de ser erga omnes (expressão usada para indicar que os efeitos de algum ato ou lei atingem todos os indivíduos de uma determinada população ou membros de uma organização) deve desencadear uma repercussão nos processos tributários, no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que é a instância administrativa para a análise de litígios fiscais no Brasil, e delegacias de julgamento deverão anular processos que tiveram como prova essas planilhas e controles da Odebrecht.
Impacto tributário na Lava Jato: multas de 150% no Carf
“Enquanto as acusações na esfera penal incluem lavagem de dinheiro, corrupção ativa, participação em organização criminosa e fraude processual, no Carf, os ilícitos apontados são despesas respaldadas em documentação inidônea, pagamento sem causa e dedução indevida de tributos, sendo a mais comum a cobrança de IRPJ e CSLL, além de multa qualificada de 150% sobre o tributo cobrado”, explica Munduruca.
Eduardo Brazil, associado do escritório Vieites, Mizrahi, Rei Advogados, considera que a maioria dos autos de infração lavrados pela Receita Federal basearam-se nas provas obtidas pelo Ministério Público na operação criminal.
“Considerando que a decisão do ministro Dias Toffoli anulou as provas do acordo de leniência por considerá-las ilícitas, estas passaram a ser ilegais, do mesmo modo, para fins tributários. Assim, no caso dos lançamentos efetuados com base apenas em provas colhidas do acordo de leniência, deverão ser anuladas as cobranças fiscais, bem como deverá ser assegurado o direito à restituição dos tributos apurados em processos julgados de forma contrária ao contribuinte”, afirma.
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Para Carlos Marcelo Gouveia, advogado tributarista de Almeida Prado & Hoffmann Advogados, a decisão do ministro Dias Toffoli acerca da anulação das provas do acordo de leniência da Odebrecht terá impacto tributário na Lava Jato, pois afetará todos os processos nos quais as acusações tenham sido realizadas com base nesses documentos.
“Portanto, não apenas os processos das esferas criminal e administrativa serão afetados, como também da área tributária”, ressalta Gouveia. “Isso se deve ao fato de que foram realizadas pela Receita Federal autuações fiscais com fundamento nas provas envolvidas no acordo de leniência, tais como, por exemplo, as planilhas de pagamentos registrados na contabilidade paralela da Odebrecht (caixa 2)”, complementa.
Ele destaca que, como não será possível considerar essas provas como válidas em qualquer procedimento de investigação, as autuações fiscais constituídas com base, exclusivamente, nesse cenário probatório, deverão ser canceladas.
“Claro que a Receita Federal poderá defender a manutenção das cobranças tributárias existentes, desde que fundadas em outros elementos probatórios. Caso o cenário probatório seja exclusivamente relacionado ao acordo de leniência, então o caminho será realizar procedimento de fiscalização para constituir novas autuações fiscais”, comenta Gouveia.
Base da autuação da Receita foi acordo de leniência da Odebrecht
Márcio Miranda Maia, do escritório Maia & Anjos Sociedade de Advogados, concorda que a decisão trará consequências não só para questões que envolvam processos criminais e eleitorais, mas também na esfera tributária. O impacto tributário na Lava Jato afetará as cobranças feitas pela Receita.
“Isto porque, muitas das cobranças realizadas pela Receita Federal do Brasil tiveram como base a própria delação e o acordo firmado pela empresa. Assim, uma vez que as provas que balizaram tais procedimentos foram consideradas nulas, é bastante provável que tais vícios sejam estendidos à fundamentação dos próprios Autos de Infração federais”, diz Maia.
“Neste contexto, as cobranças de sonegação/fraude com multa agravadas de 150%, além daquelas por dedução indevida de tributos, pagamento sem identificação de beneficiário ou causa comprada, provavelmente terão que ser anuladas caso ainda não tenham sido objeto de julgamento definitivo na esfera administrativa”, comenta Márcio Miranda Maia.
Ele explica que para os casos em que já ocorreu o pagamento e/ou parcelamento dos débitos, poderá ser pleiteada a restituição de tais valores. “Ainda que a análise deva ser realizada para cada situação concreta, é importante apontar que tal entendimento poderá se aplicado a todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação da Odebrecht ou que tenham sido autuados em decorrência dos reflexos do acordo firmado pela empresa”, finaliza.