Incongruências na política de apoio ao desenvolvimento científico

Governo amplia recursos, mas dificulta importação de equipamentos Por Wanderley de Souza

93
CNPq (foto de Herivelto Batista, MCTIC)
CNPq (foto de Herivelto Batista, MCTIC)

A comunidade científica brasileira vem, há muitos anos, fazendo um grande esforço para melhorar a infraestrutura científica dos grupos de pesquisa de todo o país. O apoio das agências de fomento federal — sobretudo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) — e, de forma crescente, das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa tem sido fundamental para os avanços conquistados.

Ao longo dos anos, ampliamos a contribuição da ciência brasileira, alcançando, em 2008, a posição de 13º país entre os que mais publicam artigos em revistas científicas de circulação internacional. Entretanto, essa posição se estabilizou devido a vários fatores, entre os quais destaco:

  • a) o financiamento insuficiente para atender a um número crescente de grupos de pesquisa e a descontinuidade do apoio ao longo de vários governos, o que impediu um crescimento contínuo;
  • b) a deterioração da infraestrutura física e laboratorial da maioria dos laboratórios existentes;
  • c) o desestímulo aos pesquisadores, bem como aos estudantes de pós-graduação e aos pós-doutorandos, em razão dos baixos salários e bolsas ofertadas e da falta de perspectivas de empregabilidade;
  • d) as dificuldades para obter insumos necessários à realização de experimentos, cujo custo é muitas vezes o dobro do praticado em outros países.

Nos últimos anos, assistimos a uma recuperação significativa do orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), destinado a algumas áreas específicas, mas que veio acompanhada de uma redução no orçamento das agências de fomento e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Assim, os recursos do FNDCT têm sido parcialmente utilizados para cobrir esses déficits, evitando, por exemplo, a falta de financiamento de atividades de institutos e organizações sociais vinculados ao próprio MCTI.

Esses problemas precisam ser corrigidos, ou corremos o risco de retroceder na classificação mundial, caindo da 13ª posição, onde estacionamos, para a 14ª ou 15ª, ultrapassados pelo Irã ou pela Holanda. Em 2020, o Brasil contribuiu com 2,64% da produção científica mundial, caindo para 2,19% em 2023, percentual inferior ao de 12 anos atrás.

Espaço Publicitáriocnseg

Recentemente, a retomada do FNDCT em sua plenitude permitiu o desembolso de recursos significativos para o início de um processo de modernização da infraestrutura laboratorial. Ao mesmo tempo, várias fundações estaduais liberaram recursos com a mesma finalidade. No entanto, no momento de adquirir os equipamentos, quase todos importados, fomos surpreendidos com uma redução significativa da cota de importação concedida pela área econômica do governo ao CNPq, com o objetivo de isentar os impostos de importação.

O CNPq analisa criteriosamente todos os pedidos de isenção de importação. Em 2014, a cota era de US$ 700 milhões; hoje, opera com cerca de US$ 400 milhões. Logo, é urgente que a área econômica aprove uma ampliação da cota de importação solicitada pelo CNPq para evitar o colapso do programa do próprio governo, via MCTI, de modernizar a infraestrutura científica brasileira.

Caso isso não ocorra nas próximas semanas, não será possível importar os equipamentos previstos com os recursos financeiros liberados, seja pelo aumento do custo, que geralmente ocorre com a mudança de ano, seja pela desvalorização cambial. É, no mínimo, incongruente que o governo federal amplie os recursos para a área de C&T, mas ao mesmo tempo impeça a utilização dos recursos liberados para aquisição dos equipamentos. Fatos como esses impactam negativamente o desenvolvimento científico e tecnológico do país e demonstram claramente a falta de articulação entre as diferentes áreas do governo.

Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências, Academia Nacional de Medicina e da US National Academy of Sciences.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui