Considerando que a Lei de Improbidade busca proteger o erário e o patrimônio público, com o fim de processar e condenar aqueles que tenham causado dano à Administração, enriquecido ilicitamente ou atentado contra os seus princípios, é salutar e recomendável a previsão de medidas que garantam o ressarcimento do prejuízo causado, como é o caso da indisponibilidade de bens e valores nas ações de improbidade administrativa.
A decretação de indisponibilidade de bens é um mecanismo concreto e efetivo para assegurar a recuperação e reparação de danos eventualmente causados ao erário ou ao patrimônio público, haja vista a necessária observância ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e ao da indisponibilidade dos interesses públicos.
No entanto, o que deve ser incisivamente questionado é o uso indistinto e indiscriminado da possibilidade de decretação de indisponibilidade de bens e valores em caráter provisório, sem que sejam observados critérios e requisitos que verdadeiramente justifiquem a adoção de medida tão drástica e de efeitos gravíssimos às partes requeridas nessas ações, uma vez que não raro os valores envolvidos são vultosos, podendo causar consequências irreversíveis aos requeridos.
Nesse sentido, a Lei 14.230/2021, que alterou diversos dispositivos da Lei de Improbidade, introduziu mudanças importantíssimas à interpretação da tutela provisória decorrente das ações de improbidade, estabelecendo novos requisitos para sua concessão. Frisa-se, inclusive, que esses requisitos foram essenciais para alinhar o entendimento jurisprudencial que há muito tempo era alvo de questionamentos e críticas.
A medida de indisponibilidade de bens já vinha prevista na antiga redação da Lei nº 8.429/92, autorizando a sua decretação nos casos em que o ato de improbidade denunciado resultasse em lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito do indiciado.
Considerando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à Lei de Improbidade, é importante destacar as duas espécies do gênero da tutela provisória existentes no diploma processual: a de urgência, destinada a eliminar o perigo de dano grave e de difícil reparação, sendo necessária a demonstração do motivo capaz de comprometer a efetividade da tutela final e definitiva (periculum in mora), além da verossimilhança do direito alegado (fumus boni iuris), e a outra chamada de tutela de evidência, cujo fundamento é a existência de determinada situação que autorize imediata e provisória proteção do suposto direito afirmado na petição inicial, não se verificando risco de dano grave ou de difícil reparação, mas as circunstâncias que justificaram a inversão das consequências suportadas em regra pelo autor, em razão da demora do processo.
Sem dúvidas que, das definições acima, é a tutela de urgência que passou a fazer as vezes da medida cautelar no âmbito da Lei 8.429/92 para fins de indisponibilidade de bens. No entanto, ressalta-se que a legislação não fazia qualquer menção aos requisitos próprios da tutela provisória de urgência, quais sejam: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, constantes do art. 300 do Código de Processo Civil.
A falta de menção às condições específicas da tutela de urgência levantou grandes dúvidas sobre como a medida cautelar prevista no art. 7º da Lei 8.429/92 deveria ser aplicada.
À época, visando sanar a problemática o Superior Tribunal de Justiça pacificou a questão por meio do Tema Repetitivo 701 no bojo do REsp 1366721/BA, decidindo que o periculum in mora poderia ser presumido, bastando a demonstração de indícios da prática do ato de improbidade.
No entanto, esse entendimento evidenciou uma grande disparidade entre a grave decretação de indisponibilidade de bens e a dispensa do requisito da urgência.
Isso porque, sabe-se que uma decisão de decretação de indisponibilidade de bens pode comprometer seriamente a situação econômico-financeira de pessoas físicas e jurídicas, de modo que não se coadunava com a garantia constitucional da presunção de inocência a aplicação de presunção de culpabilidade para justificar a adoção de medidas tão drásticas, ainda mais no início de um processo judicial sem a formação do devido contraditório e ampla defesa.
O rompimento desse entendimento em relação à presunção do periculum in mora ocorreu apenas com as recentes alterações da Lei de Improbidade, especialmente aquelas introduzidas pelo artigo 16º, §3º e §8º.
Pode-se afirmar que o disposto nos parágrafos acima representa uma resposta do legislador ao entendimento da jurisprudência anteriormente consolidada, afastando a presunção de dano e de perigo na demora para passar a exigir a efetiva demonstração, no caso concreto, de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo.
Essas alterações destacam de forma adequada os requisitos necessários para a decretação da indisponibilidade de bens e, em resumo, serviram como uma verdadeira conexão entre a tutela provisória aplicável em ações de improbidade e as regras do Código de Processo Civil.
Nesse contexto, não há mais dúvidas quanto à inafastabilidade da comprovação efetiva do requisito periculum in mora, o qual é evidenciado pelo perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo. Agora, esse requisito deve ser devidamente demonstrado e é traduzido pela conduta qualificada de dilapidação patrimonial, ônus a ser atendido pelo autor da ação, não havendo mais espaço para interpretações divergentes.
Como visto, a Lei 14.230/2021 foi responsável por trazer alterações há muito esperadas no âmbito das medidas de indisponibilidade de bens nas ações de improbidade administrativa, destacando-se a inovação relacionada à exigência de comprovação do requisito da urgência, que se fundamenta na demonstração do perigo de dano irreparável ou risco ao resultado útil do processo.
As inovações foram tão significativas que se traduzem em expressiva conexão entre as normas do Código de Processo Civil e a Lei de Improbidade. Conexão esta que foi capaz de romper a jurisprudência antes consolidada que apresentava o periculum in mora como elemento meramente presumido, o que não parecia tão acertado e nem se coadunava com as garantias constitucionais.
Fato é que a busca por justiça e o combate à improbidade administrativa não podem implicar em inobservância das garantias legais e constitucionais basilares das pessoas físicas e jurídicas, pelo menos até que o contraditório seja formado e os elementos de prova sejam firmes e concretos para indicar a existência da prática do ato ímprobo.
Camillo Giamundo é sócio fundador do escritório Giamundo Neto Advogados e Brenda Monticelli é advogada associada, integrante da equipe de direito público do escritório Giamundo Neto Advogados.