Conversamos sobre a inflação de fevereiro com Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval. Segundo o IBGE, o IPCA de fevereiro ficou em 1,31%, 1,15 ponto percentual (p.p.) acima da taxa de janeiro (0,16%). Esse foi o maior IPCA para um mês de fevereiro desde 2003 (1,57%). No ano, o IPCA acumula alta de 1,47%, e nos últimos doze meses, alta de 5,06%.
Qual a sua avaliação sobre a inflação de fevereiro e as perspectivas inflacionárias para 2025?
A inflação de fevereiro teve duas características muito marcantes. A primeira, que é usual, é o reajuste da educação, o que faz com que a inflação deste mês seja bastante alta. A segunda, que foi específica, foi o notório impacto da energia elétrica. Falando do qualitativo, o nosso diagnóstico é que a inflação de fevereiro ainda foi alta e incomoda, mas, daqui para a frente, nós devemos ver algumas coisas “entrando” nos seus lugares, apesar de que esse processo não vai ser linear.
A inflação está sob controle?
Eu acredito que a inflação está sob controle. Isso porque nós não temos visto uma espiral inflacionária no sentido de uma retroalimentação. Por exemplo, o que é visto de impacto nos preços é explicado com fundamentos. Os bens importados têm impacto, mas o que andou foi o câmbio, e como o câmbio parou de andar, nós acreditamos que isso deve arrefecer. É verdade que Serviços está mais pressionado e não chegou próximo à meta, mas a atividade econômica está forte.
Quando olhamos sob essa ótica prospectiva, me parece que a inflação está sob controle. É claro que daqui para o futuro muita coisa pode acontecer, mas quando olhamos os fundamentos e a inflação atual, não existe uma clara razão para que se fale em descontrole, já que o que temos são alguns choques de origens bem determinados que devem cessar no futuro.
Na sua avaliação, quais são as principais características do atual processo inflacionário?
O atual processo inflacionário é composto pelas duas partes que comentei. Uma parte é mais caracterizada por um choque de preços, sendo que aqui nós colocamos dois grandes tópicos, a depreciação do câmbio e a pressão da alimentação no domicílio, muito por conta de carnes, mas, no futuro, isso deve passar. A outra é a resiliência da inflação de serviços, muito por conta de uma forte atividade econômica devido a um mercado de trabalho resiliente, mas nós tivemos indícios no final do ano passado de que, eventualmente, isso pode se alterar ao longo de 2025.
Qual a sua avaliação sobre a inflação de alimentos e suas perspectivas?
Se olharmos o acumulado de 12 meses, essa inflação teve um impacto muito forte de carnes, mas olhando para o futuro, existe uma sazonalidade favorável no meio do ano. A não renovação dos choques e a realização dessa sazonalidade usual vai fazer com que a inflação da alimentação no domicílio, a partir de abril, arrefeça na leitura mês a mês. Até lá, nós ainda vamos ter leituras altas em março e abril, em torno de 0,75%, 0,80%, mas essa leitura deve cair para 0,30%, 0,20% nos meses seguintes.
Como você está vendo o comportamento da inflação de serviços e suas perspectivas?
Para essa resposta, é importante segmentar a inflação de serviços. Existe uma parte que é composta por itens muito voláteis, como passagens aéreas, mas quando expurgamos esses itens muitos específicos e olhamos para a inflação de serviços como um todo, ela tende a ser muito atrelada ao mercado de trabalho, que vem a reboque da atividade econômica. Na margem, o que temos visto é uma inflação de serviços ainda pressionada. Por exemplo, serviços subjacentes, que é o núcleo de serviços que o Banco Central gosta de olhar, veio bastante alto, acima até das nossas expectativas, mas como a taxa de juros segue sendo elevada, já houve indícios de desaceleração da atividade econômica no final do ano passado. Se a atividade seguir arrefecendo, que é o nosso cenário, o mercado de trabalho vai vir a reboque, e depois do mercado de trabalho vem a inflação de serviços mais baixa.
Qual a sua avaliação sobre o impacto das indexações na inflação?
As indexações são importantes para os repasses de salários e para alguns grupos de forma formal e outros de forma informal. Elas fazem com que o combate à inflação tenha o que chamamos de inércia inflacionária, ou seja, o processo em que a variação dos preços de hoje seja explicada pela variação dos preços de ontem, o que faz com que, eventualmente, o arrefecimento da inflação seja mais lento. Por exemplo, alugueis residenciais, notadamente, têm muito essa característica formal, já que a indexação está estipulada em contrato.
Na minha opinião, esse não é o pior fator que faz com que a inflação não convirja para a meta ou próximo a ela. Esse processo tem muito mais a ver com os outros dois fatores que mencionei: o choque dos bens importados e a forte atividade econômica. Isso porque a inércia pode dificultar, mas se os reais determinantes apontam na direção correta, a inflação acaba indo para lá. A inércia pode até resistir, mas ela não consegue se sobrepor aos fatores que comentei.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Por mais que a inflação de curto prazo ainda incomode, o que sanciona o Banco Central a cumprir a sua promessa de alta de juros, ela deve, a partir do segundo semestre, principalmente, mandar uma mensagem muito mais comportada. Claro, existe a situação fiscal, a proximidade da eleição presidencial, o cenário internacional e uma série de outras coisas, mas vai haver uma mudança entre a mensagem da inflação do começo do ano e a sua mensagem do segundo semestre.
















