Em nota, o Instituto Vladimir Herzog "vem a público para repudiar de forma veemente as mudanças instauradas na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP)".
Por meio de um decreto publicado hoje no Diário Oficial da União, o governo exonerou quatro dos sete integrantes do colegiado, substituindo-os por militares e membros do Partido Social Liberal: Marco Vinicius Pereira de Carvalho substitui Eugênia Augusta Gonzaga Fávero na presidência do colegiado; Weslei Antônio Maretti substitui Rosa Maria Cardoso da Cunha; Vital Lima Santos substitui João Batista da Silva Fagundes; e Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro substitui Paulo Roberto Severo Pimenta.
"O aparelhamento da Comissão é o auge da inaceitável ofensiva de Bolsonaro contra todas e quaisquer políticas públicas que garantem à sociedade o direito à memória, à verdade e à justiça dos crimes cometidos durante a ditadura militar entre 1964 e 1985. O entendimento de que, durante esse período, agentes do Estado perpetraram crimes contra a humanidade não é passível de revisionismos e questionamentos. Pelo contrário: é amplamente comprovado por documentos, depoimentos e até confissões daqueles que estabeleceram o cenário de prisões arbitrárias, sequestros, torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados e terror em toda a sociedade", diz a nota.
O Instituto lembra que "como se não bastasse, Bolsonaro desrespeita, mais uma vez, normas e tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. No ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Brasil por diversos crimes contra a humanidade cometidos durante o regime militar – entre eles, o assassinato de Vladimir Herzog. Em todas essas condenações, foi determinado que o Estado brasileiro se responsabilizasse por tais violações e promovesse uma série de medidas de reparação às vítimas da ditadura – algo que Bolsonaro se recusa a fazer."
Nos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o Estado brasileiro criou, por meio de leis aprovadas no Congresso Nacional, três comissões para reconhecer a responsabilidade do Estado frente a desaparecimentos, assassinatos, torturas e perseguição durante a ditadura militar: a Comissão Nacional da Verdade, a Comissão de Anistia e a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Trata-se, portanto, de uma política de Estado; não de governo.
"No caso dos desaparecidos, a ditadura omitia as prisões de pessoas que depois foram mortas. Durante anos, cidadãos brasileiros tiveram que lidar com a angústia de não saberem oficialmente o paradeiro de seus familiares. Além disso, ficaram em suspenso questões de ordem prática como divisões de herança, acesso a contas bancárias, entre outros."
Após anos de luta e pressão dos familiares de mortos e desaparecidos e de vítimas das violências do Estado, em 1995 foi criada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Desde então, foram reconhecidas 479 vítimas. Só no ano passado, foram mais duas identificações de corpos da Vala de Perus, descoberta em São Paulo em 1991 e ainda em investigação.
"As conquistas obtidas pelas políticas públicas de direito à memória, verdade e justiça que o Brasil vem adotando desde 1995 são irreversíveis. Ao contrário do que deseja o presidente, os crimes contra a humanidade cometidos por agentes do Estado durante a ditadura militar não serão esquecidos. O Brasil não pode mais conviver com tentativas grosseiras de revisionismo histórico e com relativizações das gravíssimas violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar, especialmente quando isso parte de quem ocupa a Presidência da República."
E encerra, dizendo que "o Instituto Vladimir Herzog exige que as instituições do Estado brasileiro impeçam o aparelhamento e o desmantelamento da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e que o governo pare de atacar as políticas públicas de direito a memória, verdade e justiça, que são absolutamente fundamentais para a consolidação e o fortalecimento da democracia no Brasil."
'Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada' – Nesta quinta-feira, Bolsonaro disse que a troca de membros da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos aconteceu por que "mudou o presidente" da República. "O motivo é que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também".
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada em 1995, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, para fazer o reconhecimento de desaparecidos em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. O período abrange parte do regime militar até o ano em que foi promulgada a Lei da Anistia.
Hoje vinculada ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a partir de 2002, a comissão passou a examinar e reconhecer casos de morte ou desaparecimento ocorridos até 05 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Com informações da Agência Brasil