No campo da inteligência artificial, apesar da ausência de uma regulamentação global uniforme, muitos países estão se esforçando para estabelecer diretrizes gerais para seu uso em diversos setores. No Brasil, espera-se que o Projeto de Lei n. 2338/2023, que regulamenta a matéria, avance rapidamente, embora haja preocupações de que uma tramitação acelerada possa impedir uma análise detalhada de questões sensíveis.
Os avanços tecnológicos na medicina são impressionantes e, se observarmos um recorte mais recente, vão desde robôs cirúrgicos até a inteligência artificial. No entanto, esses progressos trazem à tona um debate crucial: os desafios éticos e regulatórios das novas tecnologias na área da saúde.
Um exemplo é o avanço dos sistemas de reconhecimento de voz (SRV), que está moldando o futuro da interação entre humanos e tecnologia, especialmente no setor de saúde. Esses sistemas transformam a fala em texto, proporcionando uma interface mais intuitiva e eficiente.
Na prática cirúrgica, por exemplo, os SRVs são uma inovação crucial. Eles permitem que cirurgiões acessem e atualizem dados do paciente sem usar as mãos, mantendo a esterilidade e reduzindo o risco de infecção. A capacidade de controlar dispositivos médicos por meio da voz aumenta a segurança e a eficiência durante procedimentos cirúrgicos.
Os SRVs também permitem que os profissionais de saúde emitam comandos de voz para que o sistema registre e busque informações nos prontuários dos pacientes, acelerando o processo de registro de informações e reduzindo a possibilidade de erros humanos, garantindo maior precisão nos prontuários médicos.
Com o aumento dos serviços de telemedicina, os SRVs desempenham um papel vital ao permitir que os médicos interajam com os pacientes de forma mais eficaz. A tecnologia permite a transcrição automática de sintomas e históricos médicos, permitindo que os profissionais de saúde se concentrem mais na consulta do que na anotação de informações.
Apesar das vantagens, a tecnologia de reconhecimento de voz enfrenta desafios, como variações de sotaques, qualidade de áudio e necessidade de treinamento específico para diferentes contextos linguísticos. Esses desafios podem impactar a precisão e a confiabilidade dos sistemas.
Outro aspecto de inovação discutido recentemente na plenária do Grupo de Trabalho de Saúde (GT Saúde), realizada em Salvador, Bahia, foi o investimento em saúde digital. Este evento reuniu diversos especialistas e autoridades para discutir as inovações e os avanços necessários na área da saúde. A importância deste encontro se reflete nas discussões sobre como a digitalização pode transformar a prestação de serviços de saúde, especialmente por meio da implementação de um prontuário único do paciente.
Quer seja no âmbito da saúde pública ou privada, o prontuário único do paciente é uma ferramenta essencial para centralizar todas as informações médicas de um indivíduo em um único local. Isso inclui histórico médico, diagnósticos, tratamentos, medicamentos prescritos e resultados de exames. A centralização dessas informações traz inúmeros benefícios:
- Melhoria na Qualidade do Atendimento: Profissionais de saúde têm acesso imediato a informações completas e atualizadas do paciente, permitindo diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes.
- Redução de Erros Médicos: Com todos os dados disponíveis, os riscos de redundância e erros no tratamento são reduzidos. Médicos podem evitar prescrições incorretas ou exames desnecessários, aumentando a segurança do paciente.
- Eficiência Operacional: A interoperabilidade entre diferentes instituições de saúde elimina a necessidade de repetição de exames e consultas, agilizando o atendimento e liberando recursos para outras necessidades.
O uso eficiente dos recursos de saúde é uma das grandes vantagens da digitalização. A implementação de um prontuário único permite a redução de custos, uma vez que a realização de exames e consultas em duplicidade é minimizada, economizando recursos financeiros que podem ser redirecionados para outras áreas críticas.
Além disso, a gestão eficiente dos dados, através da coleta e análise em larga escala, permitiria uma melhor gestão dos serviços de saúde, com identificação rápida de áreas que necessitam de melhorias ou investimentos adicionais.
Em uma perspectiva mais futurista, a bioética se destaca como a disciplina que integra essas áreas e considera diversos fatores, como a defesa dos direitos e da segurança dos pacientes, bem como a proteção dos dados. Crescem a cada dia discussões relacionadas ao viés nos algoritmos, à diversidade nas bases de dados e à propriedade das informações, ganhando cada vez mais relevância.
Embora os benefícios sejam claros, a implementação de um prontuário único enfrenta desafios, como a integração de sistemas e a proteção de dados pessoais. No entanto, com investimentos estratégicos e a adoção de boas práticas de segurança cibernética, esses obstáculos podem ser superados.
A vasta quantidade de dados gerada traz consigo o desafio de entender como serão utilizados, se de maneira adequada, e se as pessoas estão cientes e concordam com o uso de suas informações. O consentimento para o compartilhamento de dados, a proteção da confidencialidade e a manutenção da integridade desses dados permanecem como desafios no setor, envolvendo processos regulatórios complexos.
Do ponto de vista legal, é imperativo garantir que os dados dos pacientes sejam protegidos conforme as regulamentações de privacidade, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Os sistemas que viabilizam novas tecnologias devem implementar medidas robustas de criptografia e segurança para proteger informações sensíveis contra acessos não autorizados.
Para garantir a eficácia e a conformidade legal, é fundamental que os profissionais de saúde, os desenvolvedores de tecnologia e os departamentos jurídicos especializados trabalhem juntos para adaptar a inovação do setor à regulação vigente. Assim, poderemos aproveitar ao máximo o potencial desta tecnologia transformadora, sem comprometer a segurança e a privacidade dos pacientes.
O investimento em saúde digital, especialmente na implementação de um prontuário único do paciente, é um passo essencial para a modernização do sistema de saúde no Brasil. A otimização da prestação de serviços e a melhor gestão dos recursos resultantes dessa inovação são promissoras e posicionarão o país como um modelo de eficiência e qualidade em saúde.
À medida que avançamos nessa direção, é vital que todos os stakeholders, incluindo profissionais de saúde, gestores públicos e privados, bem como a sociedade em geral, estejam alinhados e engajados para garantir que os benefícios sejam plenamente alcançados e que todos os brasileiros tenham acesso a um atendimento de saúde mais eficaz e seguro.
Rafael Dias da Cunha, advogado em Toro Advogados & Associados