Inteligência Artificial – perspectivas, ponderações e desafios

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Leonardo Tomazeli Duarte (foto divulgação)
Leonardo Tomazeli Duarte (foto divulgação)

Conversamos sobre as perspectivas da Inteligência Artificial (IA) com Leonardo Tomazeli Duarte, professor da Unicamp e pesquisador do Centro de Inteligência Artificial BI0S.

O tema IA ganhou uma grande relevância nas últimas semanas por causa do ChatGPT, mas, na sua visão, as pessoas se dão conta de que ela já está disseminada na nossa sociedade?

De modo geral, não. A IA já é utilizada há algum tempo. Por exemplo, um usuário de rede social já vem sendo submetido a tratamentos feitos por IA. O feed de notícias é o resultado de um algoritmo de IA que vai se adequando às suas preferências e as características que se relacionam aos interesses da corporação da rede.

Essas inteligências buscam maximizar o tempo de utilização e a sua satisfação com aquele produto. Os mesmos mecanismos técnicos por trás do ChatGPT, de certo modo, são utilizados em redes sociais há algum tempo.

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Outros exemplos: buscadores como o Google; muitos sistemas financeiros que já usam IA na concessão de crédito e setores de Recursos Humanos que já estão sendo impactados há algum tempo. Existem domínios que ainda não tem um impacto tão grande, mas devem ter daqui a pouco, como a área da saúde. Isso já vem sendo discutido bastante, mas já há alguma coisa sendo utilizada.

O que difere o ChatGPT dessas aplicações é que, pela primeira vez, as pessoas têm um acesso muito facilitado a uma interface, por meio de um navegador, em que se consegue, rapidamente, fazer perguntas, e que fica explícito que é uma máquina de IA que está respondendo. No caso de uma rede social, no momento em que se atualiza o feed, por mais que não esteja explícito, se está utilizando uma IA.

Quais são os prós e contras da evolução da IA?

Como toda tecnologia, a IA trará ganhos das mais diversas qualidades. Por exemplo, há um potencial gigante na área de saúde, sem contar que ela pode ser utilizada na previsão climática. O pessoal dessa área já está saindo dos modelos mais clássicos de previsão e começando a usar mais algoritmos baseados em dados.

Mas, como toda tecnologia, também existem os contras. Um deles é a relação com o emprego. Isso não está 100% claro, mas existe, de fato, essa relação. Há o risco de algumas ocupações serem alteradas ou diminuídas, mas não suprimidas.

Existem também os maus usos que podem ter uma menor ou maior escala. Pegando o exemplo das fake news, elas poderão ser elaboradas com várias estratégias. Pode-se utilizar um algoritmo de IA para construir uma fake news, que pode ser do seu interesse, e que tenha um resultado nocivo. Ou pode-se gerar coisas falsas, que são muito próximas da realidade, e que podem confundir. Claro, isso vai depender da escala. Se for grande, nós teremos um grande problema na sociedade.

Como disse agora há pouco, é fácil abrir um ChatGPT. Se o acesso é fácil, e o mau uso pode acontecer, ele se torna escalável, o que pode gerar distúrbios nocivos para a sociedade. Essa não é uma discussão especulativa. De fato, teremos que pensar em como isso será abordado.

O que precisa ser feito para que a evolução da IA não cause tantas preocupações na sociedade?

Na minha perspectiva de pesquisador da área: educação. Esse assunto vai ter que descer na cadeia de educação. Nós vamos precisar de conteúdos próprios para os alunos do ensino fundamental e do ensino médio. Isso terá que ser debatido pelos educadores. Tem que haver um preparo para uma sociedade que já vive no mundo da IA.

Boa parte dos problemas relacionados à tecnologia, principalmente as relacionadas à informação, é a falta de educação no sentido do seu uso. Nós vimos isso na primeira geração de uso das redes sociais, quando houve um fenômeno que criou um ganho de escala, mas com dificuldades de uso como as fake news.

Esse é um processo educativo. Da mesma forma que se orienta as pessoas a não clicarem em um link para não baixar um vírus ou cair num golpe de banco, em outros termos, a IA será a mesma coisa.

Outro ponto é o papel dos governos e das corporações. Não se pode gerar modelos de negócios que se baseiam em maus usos. Recentemente, foi proposta uma pausa no desenvolvimento da IA através de uma carta assinada por empreendedores de primeira linha do Vale do Silício (mar/2023). Quando se vê, por exemplo, o presidente do Google falando de regulação, nós vemos o tamanho do desafio.

Que tipos de empregos deverão ser substituídos pela IA?

Para essa pergunta, algumas respostas são mais fáceis de serem dadas e outras ainda são cercadas por muitas dúvidas. Por exemplo, trabalhos que exigem uma interação de primeiro nível podem ser colocados em um chatbot. Assim, empregos com rotinas cognitivas bem estabelecidas são altamente substituíveis. Isso todo mundo já sabe, tanto que as empresas estão utilizando chatbots no lugar dos operadores de telemarketing, cuja quantidade já diminuiu muito.

A dúvida é que com o ChatGPT, nós entramos numa capacidade de criação de conteúdo. Eu ainda acho muito precoce falar que ele vai tirar o emprego, a curto ou médio prazo, de uma pessoa que cria conteúdo, como professores, jornalistas e escritores. Na minha visão, demora um tempo para que a tecnologia aconteça e seja refinada. Se a própria geração de conteúdo do ChatGPT é baseada em dados de conteúdos passados, como ele vai criar novos conteúdos? São as pessoas que fazem isso.

Por outro lado, as rotinas de trabalho podem mudar bastante. Muitas ocupações não vão deixar de existir, mas vão ter que se adequar ao uso da tecnologia.

Uma coisa que ninguém sabe e que não se fala muito, é a IA do mundo físico. Nós avançamos muito na IA do mundo de dados e pouco na IA do mundo físico. Os robôs específicos da indústria não avançaram tanto. Por mais estranho que seja, empregos que têm uma interface física refinada são difíceis de serem suprimidos. Por exemplo, o emprego de pedreiro é muito difícil de ser replicado.

O Congresso Nacional está preparado para regulamentar a IA?

No Brasil, nós tivemos uma discussão, que passou pela Câmara em 2020, que foi muito rápida e criticada por ter sido açodada, e que aprovou um marco, mais principiológico e muito curto, para regulamentar a IA. Esse projeto de lei foi para o Senado, onde foi constituída uma comissão de juristas para elaborar um projeto mais detalhado. No meu entender, tem que haver algum tipo de regulamentação, até por conta dos modelos de negócio das corporações.

Por outro lado, trata-se de uma tarefa difícil, mesmo que houvesse um alto nível de preparação, pois a tecnologia muda muito. Por exemplo, na Europa será votada em agosto a regulamentação da IA, considerada a mais adaptada do mundo hoje, mas boa parte dela foi feita antes do ChatGPT. Amanhã pode sair outra tecnologia, tipo ChatGPT, que vai ter outra forma de funcionamento e vai colocar outras questões. Ou seja, nós sempre estamos correndo atrás da tecnologia.

De uma forma geral, esse assunto está sendo devidamente discutido?

O aspecto positivo da minha resposta é que o importante é que se fale do assunto. Por outro lado, é preciso qualificar essa discussão, por mais que seja difícil, no mundo de hoje, qualificar um debate, qualquer que ele seja. Como esse assunto fica muito no imaginário das pessoas, isso acaba desfocando das questões que importam, como uso, emprego, regulamentação e a forma como a sociedade pode se organizar, fortemente, em torno disso.

Quando se fala em IA, se dá a impressão que, daqui a alguns anos, nós teremos uma megaentidade mundial que nos dará as respostas para tudo, mas eu tenho a impressão de que teremos uma série de IAs, onde cada esfera do governo e cada empresa teria a sua IA. Na sua visão, como a IA, ou IAs, serão organizadas num futuro próximo?

Eu vou te falar um negócio para responder a pergunta do jeito que eu vejo. Basicamente, existem dois métodos de IA. Historicamente, nas décadas de 1940 e 1950, o pessoal associava IA muito com a questão da lógica, uma das formas de expressar inteligência. Por exemplo, nós fazemos regras do tipo, se eu olhar para o céu e ver uma nuvem carregada, logo se eu sair de casa seria bom pegar um guarda-chuva. Nesse período, o pessoal acreditava muito nisso. Mesmo Alan Turing tinha essa visão.

Ainda naquela época, surgiu uma vertente da IA que dizia que não se deveria fazer a indução lógica, mas o aprendizado pelos dados, e a partir deles fazer inferências. Hoje, essa abordagem é predominante.

Isso que você falou que cada um vai ter a sua inteligência, tem muito a ver com a capacidade de cada corporação, seja ente público ou privado, ter acesso a dados e organizá-los. Eu concordo com você de que a IA não será uma única coisa.

A grande questão hoje é como se vai cuidar dos seus dados. Qual a novidade científica do ChatGPT? Nenhuma, pois ele é composto por coisas que já conhecemos faz tempo. O ponto é que a OpenIA tem um corpus muito grande. Ela tem capacidade computacional, dinheiro e dados para fazer o treinamento de métodos do ChatGPT. Pode ser que amanhã alguém tenha uma ideia e volte a lógica, mas hoje a IA está muito associada à capacidade de exploração dos dados.

Nessa área, corporações como Facebook, Google e Microsoft estão fazendo pesquisas de primeira linha que nenhuma universidade no mundo consegue mais fazer, nem mesmo as tops dos Estados Unidos. Isso porque a IA deles trabalha com aquisição e uso de dados.

Como você vê o Brasil nesse universo?

Comparado com os Estados Unidos e a China, o Brasil está muito atrás. A nossa estratégia de IA veio depois das estratégias da Colômbia e do Chile. O Brasil tem condições de ser um bom ator, mas essa é uma discussão que eu não vejo tanto, por exemplo, no meio político. Fala-se muito de regulamentação, que, como disse, é muito importante, mas ainda há uma certa timidez.

Na França, que é um país rico, apesar de não ser o mais dinâmico do mundo, o papel da IA assumiu, em termos de país, uma importância muito grande. O Brasil tem que ficar atento para não perder esse bonde.

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