Reforma tributária sempre foi um tema espinhoso no Brasil e nesse governo não poderia ser diferente. Esta semana o mercado aguarda a apresentação do relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019, que deveria ter sido divulgado na semana passada. O relator da proposta, que trata da reforma do sistema tributário nacional, é o senador Roberto Rocha (PSDB-MA).
Para tentar entender o emaranhado que envolve essa PEC, a reportagem do Monitor Mercantil foi ouvir a opinião do advogado Eduardo Natal, especialista em Direito Tributário, Societário e Sucessões. membro da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT) e da International Bar Association (IBA) e Sócio do escritório Natal & Manssur.
“Existem os interesses setoriais, que podem afetar muito a proposta mediante a inclusão de regras especificas capazes de desonerar determinadas atividades. Exemplo disso é o setor do agronegócio que vem pleiteando a completa desoneração da tributação nas exportações”, alerta Natal (veja a entrevista completa abaixo).
Do que jeito que a PEC foi costurada, o que de efetivamente positivo ela pode trazer?
– Após o frustrante encerramento das atividades da Comissão Mista de Reforma Tributária no início deste ano, o senador Roberto Rocha, relator da PEC 110/2019, reativou o debate no Senado em meados desse mês de agosto e agora pretende encaminhar um relatório à Casa no qual serão explicitados importantes pontos para a condução da chamada “reforma mãe”.
Segundo o Senador, o Governo Federal parece ter desistido de uma reforma tributária ampla ao colocar seus esforços em projetos pontuais de alteração do Imposto de Renda e da criação da CBS. Entretanto, as propostas de Reforma Tributária mais abrangentes, como a PEC 110/19 e a PEC 45/19, estariam muito mais maduras na opinião de muitos especialistas, congressistas e representantes dos estados e municípios.
Tomando-se como parâmetro os mais recentes debates sobre o tema, a ideia central seria a criação de um tributo similar ao IVA praticado por muitos países participantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em que o tributo incidiria com uma alíquota sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia mercantil, incluindo todos as pessoas jurídicas e físicas participantes de cada elo da mencionada cadeia, inclusive em relação às etapas de produção.
Como isso funcionaria na prática?
– A princípio, a PEC 110/19 propõe a unificação de 9 tributos em apenas 1 tributo sobre o consumo. Isso se daria mediante a substituição dos seguintes tributos: IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS.
Entretanto, existe um impasse em razão da possível perda de autonomia dos estados e dos municípios quanto à gestão da tributação e arrecadação dos tributos atualmente submetidos às suas competências. Tais entes entendem que, por exemplo, submeter a tributação do ICMS e do ISS, respectivamente as principais fontes de arrecadação dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, poderia ferir a consagrada autonomia política fixada pelo Pacto Federativo.
Em razão disso, o que parece estar se consolidando é a ideia de um IVA Dual, em que a União ficaria com a competência para instituir e a capacidade para arrecadar uma parte no âmbito federal e os estados e municípios fariam parte de uma espécie de comitê para gerir um outro IVA que viria a substituir o ICMS e o ISS. Entretanto, essa ideia ainda não goza de apoio incondicional no Congresso, principalmente em razão do lobby de representantes dos interesses dos municípios, que entendem que a perda de autonomia quanto à arrecadação do ISS retiraria a sua força no Pacto Federativo.
E outro tributo proposto, qual era o conceito?
Outro tributo proposto pela PEC 110/19 seria um imposto seletivo, de índole arrecadatória, cobrado sobre operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, da Constituição Federal, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos. Esse tributo procuraria exercer uma função extrafiscal, em que a graduação das alíquotas se daria conforme maior ou menor interesse econômico do país sobre determinada atividade econômica ou bem.
Por fim, existem os interesses setoriais, que podem afetar muito a proposta mediante a inclusão de regras especificas capazes de desonerar determinadas atividades. Exemplo disso é o setor do agronegócio que vem pleiteando a completa desoneração da tributação nas exportações.
Pode-se resumir que a PEC 110/19 procura reduzir o número de tributos e trazer menor complexidade ao sistema tributário brasileiro com a instituição de um tributo nos moldes do imposto sobre valor agregado.
Com isso, a ideia é que tenhamos um sistema mais simples, menos regressivo e que permita a neutralidade fiscal e a melhor harmonização do nosso sistema tributário em face dos demais atores internacionais.
Que problemas poderiam ser destacados sobre a versão apresentada?
Um dos problemas é a falta de consenso quanto à possibilidade de se reduzir a competência tributária dos estados e dos municípios, pois estariam esses entes submetidos a regras estabelecidas por um comitê gestor ou algo similar.
Há também os riscos de uma reforma trazer em seu bojo alguns benefícios específicos para setores que tenham uma maior influência durante o trâmite da proposta. Podendo isso trazer certo desequilíbrio em relação ao desenvolvimento dos diversos setores de produção. Uma boa reforma deveria abranger e harmonizar os quatro principais vetores de tributação: o patrimônio, a renda, o consumo e os encargos sobre a folha salarial
Quais avanços?
Um sistema mais simples, menos regressivo e que permita a neutralidade fiscal e a melhor harmonização do nosso sistema tributário em face dos demais atores internacionais.
O que precisaria ser mudado e não foi proposto?
Ainda que esteja inserido por meio de uma emenda encaminhada pelo finado senador Major Olimpio, há necessidade de se readequar a tributação sobre a folha de salários. Essa proposta, entabulada pela Abat – Associação Brasileira da Advocacia Tributária propõe, em resumo:
(i) sistema de redução e regressão seletiva de alíquotas das contribuições previdenciárias cobradas do empregador (empresas comerciais e industriais), através da criação da tabela de incidências previdenciárias (TICP); (ii) instituição do aumento de base tributável, por meio da redução das diversas hipóteses excepcionadas pela Lei (parágrafo 9º. do art. 28 da Lei 8.212/91), o que levará, também, a significativa redução de litígios na matéria, na sua maioria instalados acerca do sentido e alcance do conceito de remuneração, discutido há mais de 25 anos na contramão das discussões dos países desenvolvidos sobre a tributação de novos modelos de relações de trabalho, cada vez mais informais; (iii) aumento do rol de contribuintes, para passar a tributar e inserir como agente contribuinte para o sistema, a pessoa jurídica que promove relações de trabalhos e expressa capacidade contributiva e que atualmente, todavia, está fora do sistema de contribuição, na medida em que não é empregador, pois não reconhece que possui e empregados ou, mesmo, autônomos que lhe prestem serviços; (iv) e tributação favorecida, com alíquota única reduzido, para empresas prestadoras de serviço, mantendo-se o regime atual para Simples Nacional e o Microempresário Individual (MEI).
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