Nos últimos anos, temos visto o amadurecimento do investidor brasileiro que, a cada dia que passa, se reconhece não apenas como um consumidor global, mas também como um cidadão internacional. Afinal, se interagimos o tempo todo com culturas, produtos e serviços de fora, sendo diretamente afetados pela variação cambial até no trigo importado que é usado no pãozinho da padaria, a nossa carteira também deveria estar conectada com o mundo, não é mesmo?
Quando diversificamos os nossos investimentos e alocamos em ativos negociados em dólar nas bolsas de Nova York, por exemplo, nos deparamos com inúmeros setores, escolhas e oportunidades que simplesmente não existem no mercado nacional. Lembro até hoje do meu primeiro investimento feito no exterior há uns bons anos atrás… Na época, ouvi uma série de comentários equivocados sobre investimentos offshore. Um deles ficou gravado na minha memória: “Juliana, você vai ver a dor de cabeça que isso vai te dar quando tiver que declarar no Imposto de Renda”.
Bom, muito tempo se passou e posso dizer que tive muitas dores de cabeça durante esse período, mas nenhuma foi por causa disso, e em resposta aos comentários que até hoje insistem em surgir por aí, selecionei neste artigo cinco mitos relacionados aos investimentos no exterior e o Imposto de Renda, com base nas novas regras divulgadas recentemente pela Receita Federal do Brasil.
- Mito #1: “Escolha algum tipo de investimento que não precise declarar”
A declaração de Imposto de Renda é obrigatória para residentes no Brasil que investem no exterior, independentemente do valor e da classe de ativo.
Devem ser declarados à Receita Federal quaisquer rendimentos, como juros e dividendos, obtidos em mercados estrangeiros, incluindo ganhos de capital com vendas, além de salários, alugueis, aposentadorias e pensões.
Sendo assim, não importa qual a classe de ativo escolhida, você precisa declarar esse investimento no seu IR.
- Mito #2: “Quem investe nos EUA sofre com bitributação”
Isso não é verdade. Se você mora no Brasil e investe nos Estados Unidos, você não é tributado duas vezes e deve fazer a sua declaração de Imposto de Renda apenas à Receita Federal.
Caso haja a cobrança de algum imposto sobre o pagamento de dividendos no mercado americano, um acordo de reciprocidade tributária vigente entre os dois países permite o abatimento ou compensação dos valores retidos pelo Internal Revenue Service (IRS) junto à Receita Federal.
Inclusive, ao inserir os seus dados no novo Programa IRPF 2025, o próprio sistema já desconta eventuais valores pagos ao governo americano.
- Mito #3: “A taxação de investimentos no exterior é muito alta e burocrática”
Sem emitir qualquer juízo de valor, saiba que você paga mais imposto no combustível do seu carro ou no vinho que você bebe do que em ativos do mercado global.
De acordo com as novas regras anunciadas pela Receita Federal, a tributação dos rendimentos obtidos no exterior agora é anual, feita durante a própria declaração do seu Imposto de Renda, calculada com base em uma tarifa fixa e uniforme de 15% aplicada a todas as classes de ativos e negociações realizadas.
Ou seja, para quem investe lá fora há uma cobrança única de 15% sobre os rendimentos. Não parece muito complicado, certo?
- Mito #4: “Não se declara rendimentos de offshore ou PIC”
Todo e qualquer investimento feito no exterior deve ser declarado no seu Imposto de Renda, incluindo ganhos obtidos com offshores e PICs.
Isso posto, vale a pena trazer uma breve explicação sobre o que são essas duas estratégias de gestão patrimonial. Bom, qualquer empresa sediada fora do Brasil é chamada de offshore, e quando essa empresa estrangeira é criada para realizar investimentos, ela é chamada de Private Investment Company (PIC).
Ambas são reconhecidas pela legislação brasileira e consideradas legais nos âmbitos jurídico e regulatório, devendo ser declaradas no Imposto de Renda de Pessoa Física dos sócios.
- Mito #5: “A volatilidade cambial sempre atrapalha o investidor na hora da declaração”
Aproveito este gancho para falar sobre duas questões. Com relação à volatilidade do mercado, o dólar não “sobe” e nem “dispara”. A moeda que “varia” e se desvaloriza frente ao mercado global é a brasileira. Desde a sua implantação, em 1994, o real já perdeu mais de 80% do seu poder de compra e um dos sintomas mais sentidos pela população brasileira é a inflação provocada pelo aumento de custos nas cadeias de produção, diretamente afetada pela balança comercial.
Segundo estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas, o brasileiro deveria investir no mínimo entre 16% e 18% do seu patrimônio no exterior para neutralizar os efeitos da variação cambial sobre a cesta básica de consumo definida pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que inclui itens gerais de alimentos, serviços e bens duráveis nacionais.
Quanto ao Imposto de Renda, a regra é simples: investimentos no exterior devem ser declarados em real, utilizando a cotação do câmbio oficial do Banco Central no momento da aplicação ou da venda do ativo. Na prática, o que acontece é uma atualização do valor de mercado do investimento, da mesma forma como já ocorre com imóveis, veículos e outros bens patrimoniais. Assim, o imposto devido será calculado conforme o desempenho do ativo e as variações do câmbio ao longo do período.
Deixar de investir no exterior por conta de boatos relacionados à burocracia e à tributação é limitar o seu horizonte de investidor. A diversificação de investimento pode ser uma ótima estratégia para otimizar os seus retornos frente a um leque muito mais amplo de opções de ativo, inclusive contemplando setores com pouca representação na bolsa nacional, como tecnologia, além de reduzir a exposição da sua carteira a riscos concentrados em um determinado país.
Juliana Benvenuto é coordenadora de Treinamento e Conteúdo na Avenue.