Ítala Nandi, aos 82 anos, estreia nos palcos de Salvador

Ítala Nandi estreia, aos 82 anos, em Salvador, com a peça "A Visita da Velha Senhora", no Teatro Martim Gonçalves. Por Paulo Alonso.

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Ítala Nandi
Foto: Divulgação/ Felipe O'Neill

Ítala Nandi, gaúcha de Caxias do Sul, é uma atriz, produtora e diretora teatral, além de escritora e professora. É considerada uma das grandes divas do teatro, com uma extensa carreira nos palcos iniciada em 1959. Sempre em atividade, estreia, hoje, nos palcos do Teatro Martim Gonçalves, em Salvador, a peça “A Visita da Velha Senhora”, do suíço Friedrich Dürrenmatt, dirigida por Gil Vicente Tavares. Esteve, na semana passada, no Festival de Gramado, quando o filme que protagoniza “O Clube das Mulheres de Negócio”, de Ana Mulayert, ao lado de Irene Ravache, recebeu o prêmio especial do Júri. Ao mesmo tempo, ministra aulas de artes cênicas, na Universidade Federal da Bahia.

Descendente de italianos, começou no teatro amador em sua cidade natal, participando de Um Gesto por Outro, de Jean Tardieu, em 1959, e A Cantora Careca, de Eugène Ionesco, no ano seguinte. Em 1960, integrou um elenco semiprofissional, na montagem de O Despacho, texto e direção de Mário de Almeida, em Porto Alegre. Fez uma breve participação em O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, na montagem de Fernando Torres para o Teatro dos Sete. Em 1962 mudou-se para São Paulo, onde integrou, na condição de administradora, o Teatro Oficina. Sua estreia na companhia ocorreu, inesperadamente, substituindo Rosamaria Murtinho, em Quatro Num Quarto, de Valentin Kataev, grande sucesso de 1962. Assídua frequentadora das aulas de interpretação que Eugênio Kusnet promoveu no teatro, Ítala passou a integrar o elenco de estreia de Pequenos Burgueses, em 1963, sob direção de José Celso Martinez Corrêa, para o texto de Máximo Gorki. Nas sucessivas remontagens, interpretou quatro diferentes papéis na peça. Pioneira do Teatro Oficina, também atuou em dezenas peças como Os Inimigos e O Rei da Vela, Galileu Galilei e Na Selva das Cidades.

No cinema, constituiu uma sólida carreira, atuando em numerosos filmes, pelos quais recebeu vários prêmios nacionais internacionais, como a Palma de Ouro, do Festival de Cannes, em 1972, pelo filme Pindorama, o Prêmio Moliére, em 1975, por sua atuação em Guerra Conjugal e a Coruja de Ouro, em 1976, pelo filme Os Deuses e os Mortos, todos na categoria Melhor Atriz. Foi indicada ao Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, em 1974, pelo filme Sagarana, o Duelo. É uma das fundadoras do Festival de Gramado. Em 1982 estreou na direção cinematográfica, com In Vino Veritas, documentário sobre a colonização italiana no sul do Brasil.

Chegou à TV, em 1964. Participou de numerosas e importantes novelas e em diversas emissoras, com especial destaque para sua tríplice atuação na novela Direito de Amar, exibida pela Rede Globo, em 1987, onde viveu as personagens Joana, Bárbara e Nanette. Sua personagem Joana, a louca do sobrado, como ficou conhecida, era constantemente maltratada pelo vilão da trama, o Senhor de Monserrat, interpretado pelo grande Carlos Vereza, e sua atuação conquistou a crítica e o público. Posteriormente, fez a Madaleine em Pantanal, pela Rede Manchete, em 1990. Foi, então, contratada pela Rede Record, onde atuou nas novelas Os Mutantes, Caminhos do Coração, Promessas de Amor, na minissérie Sansão e Dalila, em alguns episódios da série Milagres de Jesus e no telefilme Manual Prático da Melhor Idade.

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Em 1989, publicou o livro Teatro Oficina, onde a arte não dormia, pela Editora Nova Fronteira e, em 2010, lançou o romance futurista Os Sonhos de Vesta, indicado ao Prêmio de Literatura do Estado de São Paulo no mesmo ano. Em pesquisa de opinião desenvolvida, em 1999, junto a 100 líderes comunitários de diferentes áreas por acadêmicos do Curso de Jornalismo da Universidade de Caxias do Sul, foi eleita uma das 30 Personalidades de Caxias do Sul — Destaques do Século 20.

Como professora, por vários anos coordenou os Departamentos de Teatro, Cinema e TV da Universidade da Cidade e da Universidade Estácio de Sá, ambas no Rio de Janeiro. Atuou como coordenadora da Escola Superior Sul-Americana de Cinema e Televisão do Estado do Paraná. Também é idealizadora e fundadora do Festival de Cinema do Paraná.

Participou do Teatro Oficina, em São Paulo, na década de 1960, onde protagonizou o primeiro nu frontal dos palcos brasileiros.

Ìtala esteve nas telas das emissoras de televisão em 20 novelas; na telona dos cinemas, em 25 produções; e nos palcos viveu 33 personagens. Desde o ano passado, está aqui, na UFBA, transmitindo o seu vasto conhecimento aos alunos, e hoje estreou esse belo texto de Dürrenmatt.

O enredo da peça é aparentemente simples. Os cidadãos de Güllen, uma cidade arruinada, esperam ansiosos a chegada da milionária que prometeu salvá-los da falência. No jantar de boas-vindas, Claire Zachanassian, papel de Ítala, impõe a condição: doará um bilhão à cidade se alguém matar Alfred Krank, o homem por quem foi apaixonada na juventude e que a abandonou grávida por um casamento de interesse. Ouve-se um clamor de indignação e todos rejeitam a absurda proposta. Claire, então, decide esperar, hospedando-se com seu séquito no hotel da cidade.

A partir dessa premissa, Dürrenmatt nos premia com uma obra-prima da dramaturgia, construindo uma rede de cenas que se entrelaçam, cheias de humor e ironia, um desfile de personagens humanos e reconhecíveis que pouco a pouco, vão escancarando a nossa fragilidade diante do grande regente de nossas vidas: o dinheiro. Quem mata Krank? Cairá Güllen na tentação de satisfazer o desejo de vingança da milionária? Ou fará justiça? O que é fazer justiça? Até que ponto a linha ética se molda ao poder dinheiro?

Dürrenmatt caracteriza “A Visita da Velha Senhora” como uma comédia trágica e com seu humor cáustico pergunta: Até onde nos vendemos para poder comprar? Como o poder e o dinheiro vão descaracterizando os nossos ideais? Por outro lado, quanto nos custa a não submissão? O texto se desenrola abrindo ainda outros ramos para reflexões. Dürrenmatt era completamente obcecado pela questão da justiça e as sutilezas de suas fronteiras. O que é justo? O que significa justiça nos tempos atuais? Até que ponto o valor moral da justiça se adequa ao poder? Reconhecível no Brasil nos dias de hoje? “A Visita da Velha Senhora” expõe questões que sempre estiveram em pauta na história da humanidade, mas que caem como uma luva em tão tristes tempos da atualidade.

Ítala, empolgada, dia acreditar no poder de transformação pela arte. “Na formação do indivíduo pela arte. O teatro como espelho do mundo, nos fazendo rir para nos reconhecer, dando voz a nossa angústia, dando palavras àquilo que pensamos e não sabemos dizer. O humor e a poesia nos ajudando a elaborar o pensamento para agir, para transformar, para viver criativamente”.

Ítala não para e, pela sua belíssima trajetória, recebe hoje o título de Professora Emérita da Universidade Santa Úrsula, por sua relevante contribuição às artes cênicas do Brasil e, ainda, pela sua dedicação e empenho à educação e ao ensino, seja no Rio de Janeiro, no Paraná e, agora, aqui, na Bahia. Ítala Nandi é a única atriz nacional detentora do título de Notório Saber, que lhe foi outorgado pelo Conselho Universitário da UNIRIO.

Parabéns, Itala Nandi, e sucesso continuado. Vê-la, interpretando nos palcos, no cinema ou na televisão, é sempre um grande presente, pois encarna seus personagens com entrega, raro talento e brilho, doação e ricas, sensíveis e magistrais interpretações.

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula

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