Jô Soares, eterno em nossos corações e mentes

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Jô Soares (foto divulgação Rede Globo)
Jô Soares (foto divulgação Rede Globo)

Um país que perdeu graça, charme e humanidade

 

O Brasil lamentou a morte de Jô Soares, no início desta semana. Perder uma pessoa como o Gordo é realmente muito triste, ainda mais quando sabemos que, mesmo aos 84 anos, estava cheio de projetos e de planos profissionais, como a peça que estava montando e com estreia prevista o próximo mês. Os veículos de comunicação noticiaram fatos, frases e veicularam imagens do humorista que, com seu talento e charme, encantou os brasileiros por várias décadas, sempre fazendo com que ricemos dos seus trejeitos, da sua criatividade, animação e delicadeza no trato de todas as questões. Sem medo de errar, pode-se afirmar que José Eugênio Soares foi um gênio e que viveu, com intensidade, a sua vida.

Humorista extraordinário, escritor respeitado, dramaturgo notável, diretor teatral talentoso, ator versátil, artista plástico que sabia fazer belas alquimias com as cores e tintas, músico criativo, apresentador de televisão charmoso e para lá de talentoso, o Gordo ganhou notoriedade no comando de programas de televisão, criando, no Brasil, o formato talk-show, apresentando o Jô Soares Onze e Meia, no SBT, de 1988 e 1999, e, a partir de 2000 e até 2016, na Globo, o Programa do Jô.

Capricorniano e carioca, José Eugênio nasceu em uma família rica, filho do empresário paraibano Orlando Heitor Soares e bisneto pelo lado materno de um conselheiro do Império e diplomata Filipe Pereira e, por parte de seu pai, sobrinho-bisneto de Francisco Camilo de Holanda, presidente da província da Paraíba. O menino cresceu entre figurões e queria ingressar no Ministério das Relações Exteriores, pois desejava “conhecer o mundo”. Seus pais o matricularam no tradicional Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, fundado em 1848, e lá teve uma formação sólida. Em seguida, partiu para Lausanne, na Suíça, onde foi aluno do Lycée Jaccard.

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No colégio europeu, passou a ser conhecido como “Joe”, diminutivo do seu nome, Joseph, e que também, como dizia, fazia uma referência à música “Hey Joe!”, de Frankie Laine. De volta ao Brasil, começou a ser conhecido como Jô e, na chegada, logo percebeu que seu humor e criatividade poderiam ser aproveitados em sua vida profissional. Seria um risco, ele sabia, mas desejou arriscar e ir em frente. Resultado, o Brasil ganhou um dos maiores humoristas de todos os tempos, ao lado do igualmente precioso Chico Anysio.

Detentor de um talento extraordinário, com uma comunicação expressiva e cheio de caras e bocas, Jô, além de atuar, dirigir, escrever roteiros, livros e peças de teatro, foi apreciador de jazz e atuou na rádio Jornal do Brasil AM, no Rio de Janeiro, além de uma experiência na também extinta Antena 1 Rio de Janeiro. Sua estreia na televisão aconteceu, quando ela nascia, em 1956, no elenco da Praça da Alegria, na Record, onde permaneceu por uma década. Nove anos mais tarde, atuaria na novela Ceará contra 007, uma trama que galgou grandes índices de audiência, na mesma emissora, onde levaria o seu talento, em 1967, ao elenco de Família Trapo, com roteiro de Carlos Alberto da Nóbrega, outro pioneiro da televisão brasileira. Ali, encarnou Gordon, um mordomo atrapalhado e descompensado.

Por sua exuberância cênica, Jô já vinha sendo observado pelas demais emissoras. E não demorou muito para ser convidado a trabalhar na TV Globo, em 1971, quando a emissora lançou o seu primeiro humorístico, Faça Humor, não Faça a Guerra. Esse programa, transmitido em meio à Guerra Fria e ao Conflito do Vietnã, pregava o pacifismo hippie, “Make love, don’t make war”. Daí em diante, Jô não parou mais de realizar, de atuar, de crescer e de se impor como um grande e extraordinário artista. De ser reconhecido, aplaudido e de se transformar em um amigo de todos nós.

Vieram Satiricom, 1973, de Augusto César Vanucci, com roteiros brilhantes de Max Nunes e Haroldo Costa; Planeta dos Homens, 1976; Viva o Gordo, 1981, primeiro programa solo do Jô, com direção de Francisco Milani e de Walter Lacet. Participou do Chico Anysio Show, em 1982; do infantil Plunct, Plact, Zuum, em 1983, e foi comentarista no Jornal da Globo, até 1987.

Resolveu se transferir para o SBT, em 1988, estreando o Veja o Gordo. No ano seguinte, sempre inquieto, foi fazer o talk-show Jô Soares Onze e Meia, com grandes índices de audiência e permanecendo na emissora de Silvio Santos, até 1999.

Volta à TV Globo, em 2000, onde apresentou o Programa do Jô, até 2016, e fazendo participações especiais em Sai de Baixo. Em 2018, levou sua capacidade de comunicação, como comentarista, ao programa Debate Final, no Fox Sports, debatendo sobre a Copa do Mundo Fifa 2018.

Jô era poliglota e falava, além da língua pátria, o francês, inglês, italiano, espanhol e alemão. Era católico fervoroso e mantinha em seu apartamento uma capela em honra de Santa Rita de Cássia.

O humorista trabalhou muito, fez grande sucesso e soube aproveitar a vida como ninguém viajando o mundo inteiro. Foi casado com as atrizes Therezinha Austregésilo, com quem teve um filho, Rafael Soares (1964–2014); com Silvia Bandeira; namorou Claudia Raia e Mika Lins; e, em 1987, casou-se com a designer Flávia Pedras, de quem se separou, em 1998, mas que o acompanhou até a morte.

Escritor, escreveu várias obras: O Astronauta Sem Regime, Humor nos tempos do Collor, O Xangô de Baker Street, O Livro De Jô – Uma Autobiografia Desautorizada – Vol. 1 (2017) e O Livro De Jô – Uma Autobiografia Desautorizada – Vol. 2 (2018). Foi eleito, em 2016, para a Academia Paulista de Letras, assumindo a cadeira 33, que pertenceu ao escritor Francisco Marins.

Jô era um expoente na arte de fazer rir. Milhares de pessoas tiveram a sorte de conhecê-lo, pessoalmente. Ele, além de ter entrevistado mais de 14 mil pessoas, esteve nos palcos e, assim, se fez presente na vida de milhares que foram aos teatros rir com ele e admirar o seu trabalho. Lembro-me bem que, numa ocasião, cheguei com milha mulher atrasado ao Teatro Casa Grande, e o espetáculo já tinha começado. Tímidos, entramos no teatro, e quando ele viu aquele casal caminhando meio sem graça no meio da multidão, buscando os seus assentos, ele mandou jogar raios de luz intensa sobre nós e, assim, tivemos de compulsoriamente participar daquele show.

Ao terminar o espetáculo, ainda no palco, ele se dirigiu a nós, pediu desculpas pela situação e nos convidou a ir encontrar com ele em seu camarim, onde rimos muito, tiramos fotos, pegamos autógrafos. Os tempos seguiram, e eu o entrevistei algumas vezes para o jornal no qual trabalhava e ainda alguns outros encontros no Jockey Clube da Gávea.

Jô sempre esteve à frente do seu tempo. Dono de um repertório vastíssimo, mais de 200 papéis, e raro talento, ele nunca parou de se reinventar. Foi, com toda certeza, um grande mestre na arte de traduzir e divertir todo o Brasil, com frases, pensamentos, olhares e iniciativas das mais espetaculares e espirituosas.

Com convicção, ele dizia: “Tem duas coisas de que eu não posso abrir mão; primeiro, de ouvir as pessoas, segundo, da minha irreverência.” A ausência de Jô Soares da cena pública atualmente é reveladora de um país que perdeu graça, charme e humanidade.

Um beijo no Gordo!

 

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

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