Josep Borrell e a Europa

Borrell defende aumento das despesas militares e modificação da governança interna. Por Edoardo Pacelli

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Josep Borrell
Josep Borrell (foto de Ricardo Castelo, CE)

Josep Borrell, depois de cinco anos à frente da política externa e da segurança comum da União Europeia, fez um balanço das profundas mudanças que estão acontecendo na geopolítica. A guerra ucraniana representou, em 2022, um alerta para o Velho Continente, que estava adormecido. Uma vez desperta, porém, a Europa “não deve virar as costas” e voltar a dormir, alertou Josep Borrell, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e para a Política de Segurança, numa das suas últimas aparições públicas como membro da Comissão Europeia.

Borrel fez um balanço do seu mandato como chefe do Serviço Europeu de Segurança (SEAE), delineando os desafios que a futura Comissão e os Estados-membros enfrentarão. O discurso foi proferido por ocasião da quarta edição da Conferência Europeia de Defesa e Segurança, evento que reúne pessoas, grupos ou entidades que têm interesse ou são afetados pelas atividades e decisões inerentes à segurança e à defesa europeia, além das principais empresas industriais de defesa europeias.

Borrell abordou muitos pontos cruciais, desde o apoio à Ucrânia até as despesas militares, passando pela reforma dos tratados e da governança europeia, pintando um quadro nada tranquilizador, que convida a União e todos os seus componentes a desenvolverem maior ambição, de modo a não perderem a oportunidade com a realidade histórica.

A Europa está cercada, diz Borrell

O tempo está se esgotando, e as ameaças estão aumentando; desde 2021, o panorama da segurança “mudou drasticamente” e o que vemos à nossa volta confirma isso. A Europa está rodeada por “um arco de fogo que vai de Gibraltar ao Ártico”, passando pela Ucrânia, pelo Sahel, pelo Oriente Médio e pelo Mar Vermelho, sem esquecer o risco de conflito nos mares da China, para Taiwan.

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Quase três anos após a invasão russa, que deu início a esta multiplicação de crises, a Europa ainda não está de acordo nem sobre a natureza destes fenômenos nem sobre o que precisa ser feito no futuro. Borell olha com apreensão para a lentidão e a hesitação que caracterizaram os países europeus na resposta a estes desafios, muitas vezes de forma demasiada lenta e insatisfatória.

Segundo o alto representante, com o envolvimento dos EUA na Europa tornando-se cada vez menos óbvio, a União não pode adiar, ainda mais, uma mudança na sua abordagem às questões globais e na sua própria defesa. Durante muito tempo, a Europa esteve segura, protegida pelo seu aliado ultramarino e sem conflitos que afetassem diretamente seus interesses; porém, no atual panorama internacional, caracterizado por uma perigosa tendência para o conflito e a rivalidade, os 27 países são fracos, tanto como indivíduos quanto como comunidade. Houve avanços, mas ainda não são suficientes.

Apoio militar à Ucrânia

“Fizemos muito, mas muito lentamente”, afirma o ex-vice-presidente da Comissão Europeia, referindo-se aos fornecimentos militares enviados para a Ucrânia. Segundo Borrell, o ponto crítico da discussão não é, apenas, a consistência (em geral modesta), da ajuda europeia oferecida a Kiev, mas os longos intervalos de tempo que marcaram a identificação, discussão e aprovação dos fornecimentos.

“Começamos enviando capacetes, agora estamos enviando F-16, e isso não é pouca coisa”, mas, sempre, gastando muito tempo, discutindo possíveis reações russas ao envio de suprimentos adicionais. No final, as reações nunca chegaram e não houve escalada, mas, entretanto, tempo e vidas foram desperdiçadas e, se tivéssemos agido mais rapidamente, “talvez a guerra tivesse sido diferente”.

Novamente, de acordo com o que Borrell declarou, Putin não se sentará à mesa das negociações até que a situação no terreno o obrigue a fazê-lo e, portanto, a Europa deve continuar a apoiar a Ucrânia e reconhecer que “o imperialismo russo é uma ameaça existencial para a União”.

A defesa comum

“Draghi (ex-presidente do BCE) disse que estamos muito fragmentados, isso não é segredo. E é verdade, estamos demasiado fragmentados, porque estamos politicamente fragmentados. Não somos um Estado, mas 27 Estados, cada um com o seu próprio orçamento e políticas de defesa.”

Borrell vai direto ao assunto ao abordar o que chama de “círculo vicioso” da indústria de defesa europeia. É verdade que existem poucas linhas de produção, e é verdade que os programas e os fornecimentos não podem ser resolvidos rapidamente, porém a indústria tem vontade e capacidade para inverter a tendência. O que falta é o compromisso político por parte dos Estados e das instituições europeias que, quando chega a hora de por as mãos nos bolsos, abrandam e demoram.

“O que vocês pedem está aí, e a produção pode ser aumentada, mas não por apenas um ano”, foi o que disse Borrell aos representantes da indústria, que se queixam da fugacidade dos programas de modernização militar e da excessiva dependência da opinião pública. Uma manchete de jornal é suficiente para alterar os ânimos, mas são necessários anos para estabelecer uma produção industrial, na escala necessária para tornar a Europa, defensivamente, autonoma e capaz (o que não acontece, hoje).

O aviso para o futuro, enfatiza Borrell

As palavras de Borrell são duras quando diz “todos acordaram, mas nem todos queriam levantar-se”, mas a metáfora é adequada para descrever as profundas divisões que a Europa vive hoje, aparentemente incapaz de se alterar e de se conceber como um verdadeiro ator global. Esta mudança terá de ocorrer em ambos os níveis, nacional e comunitário, através do aumento das despesas militares e da modificação da governança interna, com ou sem modificação dos Tratados.

“Convido-nos a não criar sempre novas estruturas, mas a expandir as que já temos”, sublinhou Borrell, lembrando que, mesmo no caso do combate à pandemia, a União conseguiu fazer muito, mantendo-se dentro dos limites estabelecidos pelos Tratados e através da quebra do tabu da dívida comum. O momento é grave, e o tempo é curto, mas a Europa, talvez ainda um pouco sonolenta, continua capaz de acordar. A indústria está aí, as capacidades também. O que falta (mais uma vez) é ambição.

Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.

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