Juan Carlos, um rei que envergonha a Espanha

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Uma vergonha para a Casa Real Espanhola e um escândalo internacional a fuga do rei emérito Juan Carlos I, acusado por corrupção em seu país. Depois de duas semanas sem dar qualquer sinal de vida sobre o paradeiro do monarca de 82 anos, finalmente o porta-voz da monarquia espanhola foi autorizado a noticiar ao mundo que o rei emérito já se encontrava em seu autoexílio em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes.

Ao fugir do país, partindo em um voo privado que saiu de Paris em direção a Vigo e, de lá, até os Emirados, Juan Carlos deixou uma carta na qual tentou explicar os motivos de sua decisão: “Devido à repercussão pública que estão gerando certos acontecimentos passados da minha vida privada (…) comunico minha imediata decisão de transferir-me para fora da Espanha.”

Para despistar a imprensa, pistas falsas chegaram a confundir os meios de comunicação e a sociedade espanhola. Havia quem afirmasse que Juan Carlos estaria em Portugal, mas também se especulava que o seu paradeiro seria a República Dominicana, onde estaria hospedado na mansão dos empresários anticomunistas Alfonso e Pepe Fanjul.

Juan Carlos é aquele monarca que, em 2007, durante a 17º Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo, em Santiago do Chile, ordenou que o então presidente venezuelano, Hugo Chávez, se calasse, com a famosa frase “por qué no te callas?”. Naquele momento, o mundo percebeu a coragem do monarca e lhe rendeu aplausos, por ter publicamente repreendido o ditador venezuelano.

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Todavia, quatro anos depois, uma imagem chocou os espanhóis: duas Ferrari chegaram ao Palácio da Zarzuela, sede Real, como presentes ao monarca dado pelos amigos ricos dos Emirados Árabes, país no qual hoje se encontra e gozando sua vida nababescamente. Diante de situação tão desconcertante, os automóveis tiveram de ser cedidos à União. Antes disso, ainda em 2004, o rei se meteu em outra grande e escandalosa atrapalhada. Ele indignou ativistas ambientais após matar nove ursos, um dos quais era uma fêmea grávida, no centro da Romênia.

A Espanha estava mergulhada em uma terrível crise econômica, em 2012, quando outra notícia chocou os súditos. O rei dera entrada em um hospital para fazer uma cirurgia devido a um deslocamento do quadril. Na realidade, o monarca estava em um safári em Botswana, pago por um empresário sírio, deixando-se, inclusive, fotografar, com arma em punho, ao lado de um elefante abatido e de sua amante alemã.

Por esse episódio, a atriz francesa Brigite Bardot disse à imprensa: “O rei Juan Carlos é nojento. É a vergonha da Espanha. Espero que isto lhe tenha ajudado a organizar suas ideias para se comprometer a partir de agora com a biodiversidade”.

No início de julho deste ano, mais um escândalo é somado à imensa coleção de Juan Carlos. Procuradores espanhóis passaram a investigar o monarca depois que descobriram que ele passou, em 2012, US$ 65 milhões para a conta de sua ex-amante, a alemã Corinna Larsen. Corinna afirmou que o dinheiro que recebeu do rei foi um presente por amor e por gratidão.

O romance com Corinna teria iniciado em 2004 e terminado na época da abdicação de Juan Carlos. Corinna seria, a partir do fim da relação, uma detratora do rei, relatando diversos casos de corrupção nos quais o rei estava envolvido.

O rei já era investigado por envolvimento num esquema de propinas, na ordem de US$ 100 milhões, envolvendo contratos referentes à instalação de um trem de alta velocidade entre as cidades sauditas de Meca e Medina. A operação foi detectada pelos procuradores suíços, durante uma investigação a operações de branqueamento de capitais no país. O dinheiro saiu do Ministério das Finanças da Arábia Saudita e chegou às contas de uma fundação do Panamá, cujo último beneficiário era Juan Carlos.

O rei também esteve envolvido em escândalos sexuais, e o seu genro, Iñaki Urdangarin, foi indiciado, em 2011, por fraude e enriquecimento ilícito, por desviar recursos públicos por meio de uma ONG. Em 2013, Juan Carlos teve bens confiscados por conta das manobras criminosas de seu genro e sua filha. Em 2019, Urdangarin foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão.

Nascido em Roma, durante o exílio do seu avô, o rei Afonso XII, que reinou na Espanha até 1931, quando foi deposto e sendo instalada a Segunda República Espanhola. O então ditador Francisco Franco foi quem, em 1969, nomeou Juan Carlos como o futuro rei, após a Espanha já ter extinguido a monarquia. Após a morte de Franco, ele conseguiu fazer a transição pacífica do regime franquista para a democracia parlamentar, conquistando uma grande popularidade entre os espanhóis.

Apesar de ter conduzido a Espanha ao regime democrático e ter atuado em favor das liberdades, Juan Carlos foi se envolvendo em situações escusas, principalmente durante os últimos anos de seu reinado e diante desse cenário sombrio e duvidoso, o rei perdeu parte da popularidade e fez com que a monarquia fosse questionada violentamente.

Em junho de 2014, o primeiro-ministro Mariano Rajov recebeu do monarca a sua carta de abdicação. Juan Carlos a essa altura já não tinha legitimidade para continuar a ocupar o trono. Sucedeu-lhe o seu filho, Filipe VI.

Juan Carlos casou-se em Atenas, na Igreja de São Dinis, em 1962, com a princesa Sofia da Grécia, filha do rei Paulo I da Grécia. Sofia era cristã ortodoxa, mas se converteu ao catolicismo para se tornar rainha de Espanha. Do casamento nasceram duas filhas, a infanta Elena e a infanta Cristina, e o atual rei, Felipe.

Durante muitos anos, a imprensa falou sobre os diversos relacionamentos extraconjugais de Juan Carlos, inclusive reportando que o casamento com Sofia havia fracassado apenas alguns anos após as bodas. Por causa das aventuras extraconjugais do marido estampadas nos tabloides de todo o mundo, a rainha Sofia, sempre discreta, proibiu que fossem realizadas, em 2012, comemorações dos 50 anos de casamento.

Depressiva com os escândalos do rei, foi Sofia quem o obrigou a abdicar ao trono espanhol, pois não aguentaria mais manter suas obrigações reais ao lado de um homem que a humilhou internacionalmente. O sofrimento de Sofia durante o casamento rendeu o livro A Solidão da Rainha, no qual ela afirma que “se casou com quem não a queria”.

Mas como quando se é rei nunca se perde a majestade, Juan Carlos, ao chegar ao aeroporto Al Bateen, de Abu Dhabi, seguiu com sua comitiva de helicóptero para o hotel Emirates Palace, com toda pompa e circunstância, incluindo até batedores.

Sofia permanece em solo espanhol, cada vez mais reclusa.

Espanha e os Emirados Árabes Unidos têm um tratado de extradição, assinado pelo próprio Juan Carlos, em 2010.

Na condição de monarca emérito, Juan Carlos perdeu a imunidade. No entanto, continua a ter imunidade em relação aos anos do seu longo reinado. Logo, está praticamente inalcançável de ser de fato punido, como deveria ser, pelas falcatruas cometidas, pelos crimes praticados, pelos assédios descobertos e por tantos escândalos nos quais foi protagonista, pois os atos ilícitos foram praticados quando ocupava o trono espanhol.

Paulo Alonso

Jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

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