O início do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a obrigatoriedade de cobertura de procedimentos fora do rol da ANS reacende uma das discussões mais complexas e sensíveis da saúde suplementar: até onde vai o direito do consumidor e onde começa a previsibilidade necessária para a sustentabilidade do setor? A decisão pode redefinir os limites entre a proteção ao paciente e a viabilidade econômica das operadoras.
A judicialização excessiva da saúde tem gerado um verdadeiro efeito dominó. Ao obrigar planos a custear procedimentos não previstos contratualmente ou fora da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar, muitas decisões judiciais, embora movidas pela urgência de cada caso, acabam elevando os custos das operadoras. O resultado? Reajustes mais altos, dificuldade de acesso e um ciclo que penaliza justamente quem se pretende proteger: o beneficiário.
Muitos planos são cancelados não por vontade, mas por inviabilidade financeira. A saúde suplementar, ao ser desbalanceada por decisões desconectadas de critérios técnicos e atuariais, adoece como um todo. Sem previsibilidade jurídica e com pouca especialização dos operadores do Direito no setor, o ambiente se torna instável e inseguro, dificultando tanto a gestão das operadoras quanto a compreensão do consumidor.
Além disso, a falta de leitura nos contratos e o desconhecimento sobre os limites de cobertura fazem com que muitos beneficiários recorram rapidamente ao Judiciário, incentivados por uma “indústria das liminares” que se retroalimenta. Essa dinâmica sobrecarrega o sistema e compromete sua sustentabilidade.
Há caminhos possíveis. Um deles está na proposta da ANS de permitir planos com coberturas mais enxutas, desde que sejam transparentes e compreendidos pelo consumidor. Outra medida essencial é o fortalecimento da atenção primária, que pode evitar agravamentos e judicializações desnecessárias. O modelo regulatório da ANS precisa ser aprimorado para garantir o equilíbrio entre operadoras, beneficiários e prestadores de serviço.
A defasagem regulatória e a burocracia na resposta a novas demandas têm dificultado a adaptação do setor às mudanças de mercado e a queda no número de operadoras nos últimos anos é um reflexo e uma realidade que pode comprometer ainda mais o acesso à saúde suplementar. Se não houver equilíbrio entre o direito à saúde e a viabilidade dos contratos, o setor suplementar corre o risco de colapsar, o que pode prejudicar ainda mais o acesso à saúde no Brasil. Mais do que decisões pontuais, o que o sistema precisa é de previsibilidade, clareza e diálogo. Só assim será possível garantir um modelo de saúde suplementar acessível, sustentável e justo para todos os envolvidos.
Leonardo Serra Rossigneux Vieira, especialista em Direito da Saúde e sócio do escritório Vieira e Serra Advogados.