Judiciário alerta Bolsonaro sobre ataques à democracia

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Bolsonaro e Mourão (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Bolsonaro e Mourão (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Presidente age como se o país fosse o quintal da sua casa na Barra da Tijuca

 

Estamos em um ano eleitoral, época em que o brasileiro e a brasileira elegerão o futuro presidente da República, governadores de estado, senadores, deputados federais e deputados estaduais. A democracia nunca esteve, nas últimas décadas, tão fragilizada como atualmente se apresenta, em razão dos vários golpes os quais vem sofrendo e, por incrível que possa parecer, desferidos pelo principal mandatário do país, o que é absolutamente inconcebível, inaceitável, incompreensível e repugnante.

Espera-se que, com senso de responsabilidade e procurando libertar o Brasil das amarras perversas no qual o país se encontra mergulhado, o eleitor vá em outubro às urnas e vote naqueles que poderão contribuir efetivamente com as mudanças necessárias e tão esperadas. O povo não pode mais viver em um país sem liberdade de expressão, sem educação apropriada, com uma cultura massacrada por ideologias cretinas, com falta de comida à mesa, sem emprego e sem estabilidade e com um meio ambiente sendo destroçado, por ingerências sórdidas e criminosas. O Brasil vai mal.

No último dia 1º de fevereiro, na sessão de abertura do ano Judiciário, os presidentes do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, e do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luis Roberto Barroso, advertiram, em alto e bom som, sobre ameaças que vem sendo feitas às instituições democráticas ao longo dos últimos anos.

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O ministro Fux, em tom veemente, pediu moderação e estabilidade e advertiu que não há mais espaços para ações contra o regime democrático e para a violência contra as instituições públicas. Segundo ele, “a conjuntura crítica iniciada em 2020 surgiu em um momento de profunda fragmentação social”. Ele afirmou, outrossim, em seu pronunciamento, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, concita os brasileiros para que o ano eleitoral seja marcado pela estabilidade e pela tolerância, “porquanto não há mais espaços para ações contra o regime democrático”.

Por seu turno, o ministro Barroso foi ainda mais duro e enfático e criticou o presidente Bolsonaro, investigado pela Polícia Federal pelo vazamento de dados do inquérito que apura ataque hacker ao tribunal que preside. De acordo com Barroso, “ninguém fornece informações que possam facilitar ataques, invasões e outros comportamentos delituosos.” A gravidade ainda é maior nesse caso, segundo Barroso, quando as informações sigilosas foram passadas à Polícia Federal “pelo próprio presidente da República em redes sociais, divulgando dados que auxiliam milícias e hackeres de todo o mundo que queiram invadir os nossos equipamentos.”

Em tom solene e verdadeiramente estarrecido, Barroso afirmou que teve de tomar uma série de providências para garantir a segurança cibernética. “Faltam palavras para qualificar a atitude deliberada de facilitar a exposição do processo eleitoral brasileiro para ataques criminosos”.

O presidente Bolsonaro não compareceu à abertura dos trabalhos, enviando uma justificativa ao ministro Fux, informando-lhe que estaria na ocasião visitando os municípios do Estado de São Paulo que sofreram com as últimas enchentes. Em seu lugar, esteve presente o vice-presidente Hamilton Mourão. Talvez o presidente tenha encontrado uma boa desculpa para não se encontrar com o ministro Alexandre de Moraes, também do STF, que exigiu a presença de Bolsonaro para prestar depoimento na PF, o que ele não o fez, uma vez que a AGU recorreu ao plenário do STF argumentando que, por ser investigado no inquérito, Bolsonaro não era obrigado a comparecer ao depoimento na última sexta-feira.

Pelo sim, pelo não, Bolsonaro buscou uma bela desculpa para não estar com os ministros do STF, e em especial com Moraes. Importante lembrar que nas terríveis e mais fortes chuvas que caíram mês passado na Bahia Bolsonaro não visitou nenhuma das cidades alagadas, com dezenas de mortes em um quadro assustador.

A ministra Rosa Weber assume a presidência do STF, no lugar de Fux, em setembro, e o ministro Alexandre de Moraes substitui Barroso na presidência TSE, e comandará o pleito de 2022.

E como tudo tem sido fantasia nesse (des)governo, o Diário Oficial da União, do dia 1º de fevereiro, publicou a nomeação do auditor João José Tafner para o cargo de corregedor da Receita Federal. O novo chefe da RF é apoiador da família Bolsonaro nas redes sociais, publicando, vez por outra, fotos com o deputado Eduardo Bolsonaro.

A corregedoria é um departamento de grande interesse do senador Flávio Bolsonaro, que, inclusive, já havia pressionado o órgão a encontrar eventuais irregularidades que teriam propiciado a investigação do esquema das famosas rachadinhas, quando Flávio atuava como deputado estadual, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, denunciado pelo Ministério Público do Rio. O perfil do novo corregedor é considerado inusual para chefiar o órgão, e o clima entre os membros da corregedoria da RF não é nada amistoso em relação ao novo titular.

E o (des) governo terá baixas, em abril próximo, quando 11 dos 23 ministros sairão dos seus cargos, pois têm a pretensão de disputar um mandato eleitoral. Esses ministros darão espaço para seus secretários-executivos ou para aliados da base de apoio do governo, especialmente dos partidos da aliança PP, PL e Republicanos, que comandarão as pastas até o início de 2023, quando haverá a formação do próximo governo.

Devem deixar o Planalto, Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Anderson Torres, da Justiça e Segurança Pública; Ciro Nogueira, da Casa Civil; Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura; João Roma, da Cidadania; Fábio Faria, das Comunicações; Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia e Inovação; Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional; Flávia Arruda, da Secretaria de Governo; Gilson Machado, do Turismo; e Onyx Lorenzoni, do Trabalho.

Outro ministro que também pode deixar o posto é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Apesar do “potencial” eleitoral, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tem dito que não será candidata em 2022. O ministro da Defesa, Braga Netto, já teve o nome citado como vice de Bolsonaro nas eleições 2022, mas fontes do Planalto negam que haja qualquer conversa nesse sentido.

E assim, e mesmo como os alertas do Judiciário, e até mesmo do Legislativo, o presidente continua fazendo o que bem quer, como se o país fosse o quintal da sua casa da Barra da Tijuca, nomeando amigos para a Corregedoria da RF, dentre outros órgãos, e verificando quais dos seus ministros teriam alguma chance de ser eleitos, em outubro de 2022, nessa troca-troca de cadeiras, tentando, de alguma maneira, se equilibrar no picadeiro do Palácio Planalto, sem contar com essa sua viagem totalmente fora de propósito à Rússia, em um momento em que o mundo demonstra preocupação com uma eventual invasão de Putin à Ucrânia.

Sinal dos tempos. Tempos sombrios.

 

Paulo Alonso é jornalista.

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