Judiciário e Executivo atuam em prol da justiça e equilíbrio na responsabilização civil dos provedores e plataformas de e-commerce

Por Sylvie Boechat

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Comércio eletrônico. Imagem de andrespradagarcia por Pixabay

O Direito deve responder à dinâmica social, e a realidade tem demonstrado os desafios enfrentados pela sociedade e pelo Poder Judiciário, no tratamento de determinados conteúdos de postagens em redes sociais, bem como na definição de limites de responsabilidade nas operações comerciais realizadas por meio de provedores de Internet e especialmente nas plataformas de marketplace.

È preciso que se examine a atuação e a responsabilidade das plataformas de marketplace, analisando o panorama jurídico, os desafios regulatórios e as perspectivas para a consolidação de um modelo que equilibre segurança, transparência e desenvolvimento econômico no comércio eletrônico.

A regra geral disposta no artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965-2014) determina que os provedores de aplicações de internet não são responsáveis pelo conteúdo gerado por terceiros, a menos que descumpram uma ordem judicial específica para remoção desse conteúdo. Em tese, o fundamento para tanto seria garantir a liberdade de expressão e evitar a censura.

Ocorre que, no manejo quotidiano dos provedores e sua maior interação social têm surgido situações manifestamente impactantes que não se ajustam ao fundamento em questão, sejam relacionadas à disseminação de fake news, discursos de ódio, cyberbulling, dentre outras condutas ilícitas.

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Isso levou o tribunal pleno do Supremo Tribunal Federal ao recente julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1037396 (Tema 987 da repercussão geral), relatado pelo ministro Dias Toffoli, e do RE 1057258 (Tema 533), relatado pelo ministro Luiz Fux.

No primeiro deles, se destacou a insuficiência do referido artigo 19 do Marco Civil da Internet para proteção de bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia, além do combate à desinformação), fixando-se critérios mais rígidos de responsabilização às plataformas, especialmente nas situações de ilicitude notória de conteúdo.

No segundo, o foco foi ampliar a responsabilidade civil das plataformas de marketplace, na forma do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078-90), as integrando à cadeia de fornecimento de produtos e serviços ofertados pelos seus anunciantes, passando a responder solidariamente pelos prejuízos eventualmente causados aos consumidores.

Tal determinação é de extrema importância nas relações comerciais, pois exigirá das plataformas de e-commerce um controle mais eficiente dos produtos e serviços postos à disposição para venda aos consumidores, ampliando a sua responsabilidade por eles, além da mera função de “hospedagem” de seus anúncios.

Esse julgamento do STF também ampliou a discussão que já vem sendo feita pela ANATEL, há tempos, acerca da venda de produtos de telecomunicação não homologados por ela nessas plataformas, incluindo-se, entre outros, celulares e drones.

Assim, em 1º de agosto de 2025, o Conselho Diretor da ANATEL aprovou a revisão do “Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações”, para que os marketplaces e demais plataformas digitais envolvidas no processo de comercialização, se responsabilizem solidariamente pela oferta de produtos para telecomunicações não homologados, ou em desacordo com seus requisitos técnicos.

Além disso, as aludidas plataformas também serão obrigadas a divulgar previamente os códigos de homologação dos produtos nos anúncios e de verificar a regularidade dos itens ofertados.

Essas medidas certamente serão recebidas positivamente pelo mercado, haja vista que darão maior segurança e transparência nas aquisições de produtos e serviços nesses ambientes, pelos consumidores; seja porque limitarão a venda de produtos tecnológicos, de alto custo envolvido, sem as devidas certificações e direitos de garantia; seja, ainda, porque coibirão a venda de produtos objetos de possíveis crimes de descaminho e contrabando, circunstância que acarreta sonegação em prejuízo do Fisco e do mercado, afetando, ainda, direitos legítimos de concorrência.

Aliado a tudo isso, elas contribuirão, ainda, para conciliar a necessária proteção de direitos e garantias fundamentais individuais e sociais de extrema relevância, com a responsabilização civil mais equilibrada e justa dos provedores e plataformas de e-commerce, permitindo, com isso, o desenvolvimento mais sadio das relações sociais e do comércio eletrônico, na era digital.

Sylvie Boechat, é Head da área cível do Santos e Santana Advogados

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