A 1ª Conferência Nacional do Instituto Brasileiro de Direito Militar (IBDM) reuniu, em Brasília, autoridades, juristas e estudiosos de todo o país para discutir temas sensíveis e estratégicos à Justiça Militar brasileira. O evento não apenas fortaleceu a posição do direito militar no cenário jurídico nacional, como também trouxe à tona debates indispensáveis sobre o papel das instituições militares diante dos desafios do mundo contemporâneo.
Entre os temas mais relevantes, destacaram-se a equidade de gênero nas estruturas militares, a necessidade de uma maior aproximação entre o Direito Militar e a sociedade civil e a discussão sobre a viabilidade jurídica e econômica dos Tribunais de Justiça Militar dos Estados.
Muito além de um resquício histórico, os Tribunais de Justiça Militar Estaduais cumprem papel essencial na preservação da disciplina e da hierarquia — pilares basilares das corporações militares estaduais. Reduzi-los ou extingui-los, como já sugerido em propostas legislativas recentes, representaria um retrocesso institucional e um risco à segurança pública.
A persistente desigualdade de gênero nas instituições militares e no sistema de justiça militar é outro aspecto aprofundado no debate. Apesar dos avanços no ingresso de mulheres nas carreiras militares nas últimas décadas, sua presença em posições de comando e em instâncias decisórias ainda é limitada. Estudos apontam que essa sub-representação decorre tanto de fatores culturais quanto de barreiras institucionais ainda não superadas. Para transformar esse cenário, são fundamentais políticas de incentivo, a revisão de práticas internas e mudanças de paradigma que promovam ambientes mais justos, diversos e equitativos nas forças armadas estaduais e no Judiciário militar.
Além disso, o direito militar, muitas vezes relegado a um nicho de especialistas, precisa ser compreendido como uma área essencial à preservação do Estado Democrático de Direito. Sua função vai muito além da mera normatização disciplinar das corporações: trata-se de uma engrenagem jurídica fundamental para o funcionamento das instituições que garantem a ordem pública, a segurança da população e a estabilidade social.
A aproximação da sociedade com o Direito Militar passa pela educação jurídica, pela transparência institucional e por um diálogo constante entre o meio acadêmico e as estruturas militares. É urgente difundir esse conhecimento — inclusive entre os profissionais do direito — que frequentemente se deparam com casos que exigem expertise castrense, sem o devido preparo técnico. É inegável que a ausência do Direito Militar nos currículos das faculdades de direito compromete o exercício pleno da advocacia e da magistratura quando confrontados com demandas oriundas da Justiça Militar. O fortalecimento de cursos de especialização, o estímulo à pesquisa científica e a atuação de institutos como o IBDM têm sido fundamentais para suprir essa lacuna e formar profissionais capacitados para atuar com excelência em um ramo tão peculiar e estratégico do direito brasileiro.
A justiça militar brasileira passou por um processo relevante de modernização e abertura institucional. O uso de tecnologias, a publicidade dos atos processuais e o fortalecimento dos mecanismos de controle interno são exemplos concretos desse avanço. Entretanto, os desafios contemporâneos exigem um novo olhar: crimes cibernéticos, atuação em ambientes digitais, operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e novos tipos de violência urbana impõem à justiça militar a necessidade permanente de atualização e aperfeiçoamento.
Adaptar-se a essas novas realidades — sem perder de vista seus princípios fundantes, como hierarquia, disciplina, legalidade e proteção dos direitos fundamentais — é o maior desafio das próximas décadas.
*Berlinque Cantelmo, advogado especialista em segurança pública e direito militar. Sócio do escritório RCA Advogados.