Kamala-Walz na corrida para a Casa Branca

Kamala Harris escolhe Tim Walz como vice e enfrenta Donald Trump na corrida presidencial mais desafiadora dos EUA em 50 anos. Por Paulo Alonso.

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Kamala harri e Tim walz
A candidata democrata à presidência, vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, e seu companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz, em um comício de campanha conjunto em 6 de agosto de 2024 na Filadélfia, Pensilvânia, Estados Unidos [Joe Lamberti/AP Photo]

Os Estados Unidos caminham para, talvez, a mais difícil eleição à Presidência da República dos últimos 50 anos. De um lado está a atual vice-presidente Kamala Harris, pelo Partido Democrata, e do outro, o ex-presidente da República Donald Trump, pelo Partido Republicano. No último dia 6 de agosto, Kamala, que já tinha alcançado, em 2 de agosto, o número de votos de delegados eleitorais para garantir sua nomeação como candidata, fez um grande pronunciamento no Estado da Pensilvânia, quando apresentou o governador do Minnesota, Tim Walz, como candidato a vice em sua chapa, pela corrida à Casa Branca. Poucas pessoas apostavam que Walz seria o escolhido, mas, por vezes, o azarão vence uma corrida, e foi justamente o que aconteceu.

Professor, treinador de futebol, soldado alistado da Guarda Nacional do Exército, Walz transmite “a América central de carne e batatas”, assim como talvez sua aparência careca, rotunda e ligeiramente desgrenhada. Ele tem um estilo afável e a capacidade de desferir golpes retóricos em Donald Trump sem sequer parecer agressivo. Além disso, ao escolhê-lo, Kamala sabe perfeitamente que Walz tem também um apelo no Meio-Oeste e em outras importantes regiões do país, além de carisma, coragem e uma bela oratória. Suas palavras são sedutoras e convincentes.

Em um ano em que as eleições presidenciais são manchetes pelo mundo afora, sobretudo depois do desastroso debate entre o presidente atual e o anterior, quando Biden se saiu muito mal, com uma performance exibindo problemas sérios cognitivos. Ele demorou ainda algum tempo até que, como patriota e tomando uma atitude ousada e corajosa, já esperada pelo Partido Democrata, Biden renunciou a ser candidato à reeleição em favor da sua vice, uma ex-procuradora-geral do Estado da Califórnia, um dos mais importantes dos Estados Unidos, e que está disposta não somente a enfrentar como ultrapassar todo e qualquer obstáculo e conquistar o mais importante cargo do mundo e se tornar a primeira mulher negra e também a primeira pessoa afro-americana e de ascendência asiática a ser presidente da República. Antes de a convenção ocorrer, o Partido Democrata já tinha anunciado que 3.923 de seus delegados – 99% do total – planejavam votar em Kamala.

O trabalho de vice muitas vezes se dá apenas nos bastidores. E suas vitórias acabam sendo creditadas ao presidente da República, enquanto os erros e fracassos da Casa Branca caem na conta do vice. Assim que tomou posse, Kamala precisou tomar para si algumas das tarefas mais complicadas do governo Biden, como a gravíssima questão migratória, o polêmico direito ao aborto e a necessária reforma eleitoral.

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Com apoio incondicional dos ex-presidentes Bill Clinton e Barack Obama e evidentemente com total engajamento do atual, Biden, Kamala sabe que enfrentará uma oposição gigante e nada ética de Trump, que responde a vários processos criminais, tendo sido absolvido em outros.

A crise migratória foi a primeira grande missão de Kamala, e esse tema arranhou sua popularidade. Ainda em 2021, Biden colocou-lhe uma tarefa da mais alta importância, pedindo-lhe que abordasse as causas profundas da migração de pessoas sem documentos para os Estados Unidos, vindas de países centro-americanos. Naquele momento, os migrantes se acumulavam em números recordes na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Muitos deles vinham de El Salvador, Guatemala e Honduras, o chamado Triângulo Norte da América Central. O governo americano procurava deter este fluxo, ao mesmo tempo em que revogava algumas das políticas mais draconianas adotadas pelo governo Trump.

A missão de abordar as causas da crise migratória teve sucesso. Kamala conseguiu fazer com que o setor privado se comprometesse a destinar US$ 5,2 bilhões (cerca de R$ 29,4 bilhões) como parte da iniciativa “América Central Avança”, segundo a Casa Branca.

Em 2022, a Suprema Corte americana decidiu revogar a proteção constitucional do direito ao aborto, anulando a histórica sentença de 1973, conhecida como o caso Roe vc Wade, que servia de precedente legal para o direito. Foi então que Kamala abraçou o direito ao aborto e os direitos das mulheres. Passou a contar com o apoio e os aplausos das mulheres. Desde então, o aborto se tornou um dos principais temas para os democratas, e a vice-presidente se tornou voz de referência no assunto. No ano que se seguiu à anulação da sentença do caso Roe vs. Wade, Kamala se reuniu com líderes de 38 estados, prometendo priorizar os direitos reprodutivos e o livre acesso ao aborto durante as eleições de meio de mandato, realizadas em 2022.

Os democratas se saíram bem naquela eleição. O aborto passou a ser o assunto mais importante para 27% dos americanos, ficando atrás apenas da inflação. Com isso, 59% dos eleitores garantiram que o aborto continuasse legalizado, o que foi uma grande vitória para o programa democrata e para a vice-presidente, em particular.

Em janeiro, Kamala iniciou sua campanha intitulada “Luta pelas liberdades reprodutivas”, levando a questão para todo o país, e se tornou a primeira vice-presidente americana a visitar uma clínica de aborto. Outra missão importante delegada por Biden a Kamala foi a de liderar as iniciativas do governo para tentar aprovar uma lei sobre o direito ao voto. Depois das acusações de fraude sem qualquer fundamento apresentadas por Trump nas eleições presidenciais de 2020, alguns estados controlados por republicanos aprovaram leis para inibir as iniciativas de facilitar a votação, como o voto pelo correio. Biden qualificou a iniciativa de “um assalto à nossa democracia”.

A “Lei da Liberdade do Voto John R. Lewis“, batizada em homenagem a um ativista dos direitos civis (1940-2020), acabou sendo rejeitada pelo Senado. Mas suas negociações permitiram à vice-presidente estabelecer coalizões políticas com líderes dos direitos civis.

Em grande parte do mandato de Kamala, o Senado esteve dividido em partes iguais, o que fez com que o voto da vice-presidente fosse particularmente importante. A Constituição dos Estados Unidos estabelece que a vice-presidente tem o poder de desempatar votações no Senado, já que, ocupando esse cargo, torna-se Senadora nata.

Habilidosa e carismática, sorridente e gentil, foi a vice-presidente americana quem mais deu votos de desempate nas votações do Senado americano. Foram 33 votos, o que corresponde a cerca de 10% de todos os desempates ocorridos na história do país, desde 1789.

Foi no ano passado que Kamala ganhou maior destaque na mídia, inclusive por causa das 60 viagens que realizou, dando-lhe grande visibilidade nacional e internacional.

Kamala Harris tem um gigantesco oceano a ser nadado e, para chegar ao pódio em novembro deste ano, já que vivemos os Jogos Olímpicos e o que sempre se deseja é a Medalha de Ouro, precisará convencer, com discursos objetivos, argumentos claros, charme e elegância, coragem e ousadia, todos os que têm o poder de voto, nas várias convenções norte-americanas.

Enfrentar um candidato como Trump, bilionário e truculento, sem ética, arrogante e soberbo, não será tarefa das mais fáceis. Kamala-Walz têm tudo, todavia, para vencer essa corrida presidencial, pois falam o mesmo discurso, são devotados à democracia e, pela trajetória de cada um deles, ambos vêm servindo aos Estados Unidos da América, com grande profissionalismo e rara atenção.

Paulo Alonso é jornalista.

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