Lawrence da Arábia e a Cedae

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Uma das atividades mais prazerosas que tenho feito nesse período de reclusão tem sido, junto com meu filho Francisco, assistir aos mais clássicos filmes do cinema, que, aliás, com a remasterização passaram a ganhar imagens sensacionais, se tornando algo que recomendo muito a todos fazerem.

Lançado em 1962, com dez indicações ao Oscar, vencendo em sete categorias, inclusive Melhor Filme, Lawrence da Arábia está certamente entre os dez maiores filmes da história do Cinema. Com elenco protagonizado por Peter O’Toole, vivendo o oficial britânico Thomas Edward Lawrence, e com estrelas coadjuvantes que são lendas no cinema, do porte de Anthony Quinn e Omar Sharif, o filme apresenta a trajetória do oficial do Exército britânico na Revolta Árabe, entre 1916 e 1918, baseada no livro de autobiografia do próprio Coronel Lawrence, Os Sete Pilares da Sabedoria, publicado em 1926.

 

O estratégico não pode sucumbir meramente

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aos interesses pontuais e comerciais

 

O filme trata de uma história real e é uma aula da importância de posturas militares estratégicas nas relações pessoais e nas conquistas, quando rebeldes árabes se unem ao exército britânico na busca de se defenderem da anexação do Império Otomano à Península Árabe.

Uma das cenas mais marcantes, a penúltima do filme, é quando Lawrence se despede do líder dos rebeldes árabes, Príncipe Faiçal, genialmente interpretado por Alec Guinness, deixando-o com o representante britânico, General Allemby, vivido por Jack Hawkins. A cena antológica é feita para reflexão, pois retrata a reunião de negociação do líder da Revolução Árabe com o representante dos interesses britânicos, dividindo o espólio político e econômico da tomada da cidade de Damasco.

Na negociação o general britânico exige o domínio inglês das empresas de energia elétrica, telecomunicações e de água. O Príncipe Faiçal, em contraponto, concorda com tudo, menos em entregar a empresa de águas, pelo seu caráter estratégico para a população árabe que ocuparia a partir do então território sob seu domínio.

A negociação retratada no filme é histórica, verdadeira e aconteceu tanto há mais de 100 anos no Oriente Médio, quanto pode ser projetada hoje aqui do outro lado do mundo. Nessa “guerra” que vivemos com a Covid-19 em nosso estado, cada vez mais a visão estratégica deve prevalecer. O aprendizado desta crise para todos os países de que o estratégico não pode sucumbir meramente aos interesses pontuais e comerciais! Não se pode, em tais questões, se tratar de um mero reducionismo ideológico de discussão entre “esquerda” e “direita”, ou sobre a necessidade de estatizar ou privatizar empresas públicas.

Durante oito anos presidi a Cedae, companhia estatal de saneamento do Rio de Janeiro. Quando assumi, era uma empresa quebrada, ineficiente, sob forte influência política e que ocupava rotineiramente as páginas de jornais, não nas colunas de Economia. Registrava, no início de nossa gestão, um déficit estrutural mensal da ordem de R$ 30 milhões, muitas vezes coberto pelo Tesouro Estadual, do qual era dependente.

Com um modelo de gestão moderno, tornamos a Cedae lucrativa, que passou a pagar dividendos ao governo, com balanços avaliados por empresas de auditoria internacional, padrão BigFour (PWC, EY) e não mais dependente do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Revertemos o prejuízo acumulado e reduzimos o passivo pagando quase R$ 10 bilhões de dívidas e colocamos a empresa no invejável rating AA da Agência Standard & Poors, o que levou a companhia a virar até tema de livro de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) como um case de gestão pública eficiente no país. Mais recentemente, foi escolhida, por dois anos seguidos, como a “Melhor Empresa de Infraestrutura do Brasil” (entre as Públicas e Privadas) pela Revista Exame na sua tradicional edição anual “Maiores e Melhores”.

Além disso, iniciamos em nossa gestão o maior programa de investimento em saneamento no Brasil, com captações de recursos diretos pela Cedae e não pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, junto à Caixa Econômica Federal (CEF), com valores superiores a R$ 3 bilhões, que ainda está em curso, com o fim de melhorar o abastecimento de água na Baixada Fluminense e para construção da estação de tratamento de água denominada Guandu 2. Criamos também as parcerias com empresas privadas, em especial na área de coleta e tratamento de esgoto, que podem e devem ser aceleradas, até para alavancar novos investimentos com essa própria iniciativa privada.

É evidente que a Cedae teve sua imagem desgastada recentemente por erros de gestão e operação, como no caso da geosmina, que devem ser apurados, mas tem buscado corrigir e, pelo que se observa, já se encontra em regime regular de fornecimento do seu principal produto (água), com a qualidade excelente que era sua antiga e importante marca.

Espero que após nossa “Conquista de Damasco” no pós Covid-19, a sabedoria, como em Lawrence da Arábia, esteja na cabeça daqueles que eventualmente tentem colocar na nossa história a descabida privatização da Cedae, uma empresa lucrativa, que não gera déficits, realiza investimentos e é estratégica para o nosso estado e nossa população.

Seria um erro histórico que esperamos não acontecer, até porque, com a crise econômica e restrição de capital no país e no mundo, os valores que seriam obtidos na alienação das ações da empresa seriam extremamente baixos e soariam como uma inexplicável doação da Cedae e, consequentemente, do patrimônio público a grupos privados.

Wagner Victer

Engenheiro, ex-presidente da Cedae, ex-secretário do Estado do Rio de Janeiro de Energia, Indústria Naval e do Petróleo, ex-secretário de Estado de Educação, ex-presidente da Faetec e atual diretor-geral da Alerj.

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