Lei seca para brasileiros de menor renda

Aumento de impostos fomentará bebidas fabricação em alambiques clandestinos. Por Percival Maricato

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Cerveja em bar
Cerveja (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Os impostos que recaem sobre um chope e uma caipirinha chegam a 76,7%; sobre uma garrafa de cachaça, a inacreditáveis 91,9%. Não obstante, os parlamentares, especialmente as bancadas religiosas, aprovaram a inserção das bebidas alcoólicas entre os produtos que receberão a incidência do imposto seletivo, dito por eles também do pecado.

O objetivo, explicam, não é arrecadar, mas desestimular o consumo. Tais produtos prejudicam a saúde da população e assim exigem gastos do governo, então o consumo tem que ser desestimulado.

O aumento de impostos de produtos já exageradamente taxados deverá surtir efeito contrário: prejudicar muito mais a saúde da população, já que os brasileiros de baixa renda, a imensa maioria, irão procurar pelas bebidas fabricadas em alambiques clandestinos, ou de empresas informais, que não pagam impostos. Estes produtores passam a ser estimulados pois a diferença de preço entre quem paga imposto e quem não paga será abismal. E essas bebidas, fabricadas sem fiscalização, tendem a causar muito mais prejuízos à saúde.

Paralelamente, o aumento aumentará o contrabando, que fica muito mais tentador. A lucratividade compensará os riscos. O contrabando, assim como a produção e comercialização clandestinas, irão reduzir o recolhimento de impostos, o emprego formal, os empresários que querem trabalhar dentro da lei.

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Pesquisas de entidades que monitoram a evasão fiscal calculam que no ramo de bebidas o governo perdeu R$ 52 bilhões em 2022. Perdeu muito mais em cigarros, onde a arrecadação de impostos foi ficando menor à medida que as alíquotas cresciam. O cigarro contrabandeado, sem passar por qualquer fiscalização, sequer sanitária, é encontrado em cada esquina do país.

Outra consequência é o estímulo ao crescimento da criminalidade. O exagero tributário contribuirá, inevitavelmente, para fortalecer as máfias perigosíssimas que estão sendo criadas na América Latina (veja-se Equador, Colômbia, México).

Não menos importante, esse aumento de imposto fará crescer a perversa desigualdade social. O simples prazer de tomar uma dose de uma bebida qualquer, que tem produção legalizada, que é fiscalizada sanitariamente, irá ficando exclusividade dos que têm maior renda.

Cerveja pirata: impostos elevados sobre bebidas estimulam clandestinidade
Cerveja pirata (foto Mapa)

Aliás, evidente que esse imposto também irá contrariar finalidades da reforma tributária: simplificar o sistema e reduzir ônus do consumidor. Há um risco de dupla tributação, de confusões na definição de alíquotas, dada a variedade das bebidas. Certamente teremos milhares de ações judiciais questionando a tributação se for igual, sem considerar dosagem alcoólica, ou se for diferente, sem ser precisa. Se for por graduação, qual será a tributação de um drinque onde se misturam várias delas?

Por fim, entre os grandes prejudicados estarão as centenas de milhares de bares e restaurantes pelo país, seus proprietários e funcionários, e terão menos empregos. O preço da bebida nesses estabelecimentos já é considerado caro pela população. E isso é verdade se avaliarmos pela situação da grande maioria dos brasileiros, que continua uma vergonha, não obstante os esforços do governo central. No país, uns ganham muito, e a imensa maioria fica com migalhas, tanto que 77 milhões de pessoas vivem em permanente situação de insegurança alimentar, não sabem se irão comer amanhã.

A alíquota de aumento desse imposto será discutida durante 2024.

Percival Maricato é advogado da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e sócio de Maricato Advogados Associados.

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