Líderes nacionalistas: Mohammed Mossadegh

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Mohammed Mossadegh foi primeiro-ministro do Irã entre 1951 e 1953, quando sofreu o golpe orquestrado pela CIA e pelo MI6, o serviço secreto britânico. Mossadegh era um nacionalista democrata, secular e reformador social. Educado na França e na Suíça, foi o primeiro iraniano a obter um doutorado em Direito na Europa, na Universidade Suíça de Neuchâtel. Ele admirava o sistema constitucional britânico e as liberdades civis, consolidadas nos países desenvolvidos, que desejava replicar no Irã estendendo-as inclusive às mulheres.

Elegeu-se deputado em 1943 com base em plataforma nacionalista e, em 1949, fundou a Frente Nacional, um partido nacionalista secular, para representar politicamente as intensas agitações sociais contrárias à continuidade da exploração britânica do petróleo iraniano. A companhia responsável, a Anglo-Iranian Oil Company, detinha o monopólio sobre o petróleo iraniano, e seu principal acionista era o Estado britânico, com 51% das ações. O Irã era a principal fonte de petróleo da Grã-Bretanha.

 

Golpe foi um ponto de inflexão nas

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relações dos EUA com o Terceiro Mundo

 

A relação da Anglo-Iranian (e, portanto, do Estado britânico) com o Irã era tipicamente colonial. A Marinha britânica tinha prioridade no fornecimento de petróleo e pagava preços bem abaixo do mercado.

Na Refinaria de Abadan, a maior do Irã, o salário era de apenas 50 centavos de libras por dia, sem qualquer direito trabalhista. As condições de vida na cidade de Abadan eram terríveis: não havia água encanada, eletricidade, e os trabalhadores da refinaria moravam em barracos.

Boa parte disso devia-se ao fato de mais da metade dos lucros da empresa irem diretamente para o governo britânico, cabendo ao Irã uma diminuta fração do total. Em 1948, a receita líquida da Anglo-Iranian foi 61 milhões de libras, dos quais 28 milhões ingressaram no Tesouro do Reino Unido, enquanto o Irã recebeu apenas 9 milhões.

O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, o trabalhista Ernest Bevin, afirmou, sem meias palavras, que, sem o petróleo do Irã, não haveria “nenhuma esperança de atingir o padrão de vida que temos por objetivo na Grã-Bretanha”.

Em 1951, oito dias após o assassinato do general Razmara, primeiro-ministro iraniano alinhado à Grã-Bretanha, o Parlamento aprovou por unanimidade a nacionalização do petróleo. Alguns dias depois, o Parlamento elegeu Mossadegh primeiro-ministro.

Consciente da força que dispunha, Mossadegh estabeleceu, como condição para aceitar o cargo, a aprovação parlamentar da lei de sua autoria para efetivar a nacionalização do petróleo, envolvendo a criação da Companhia Nacional Iraniana de Petróleo (estatal), o treinamento de técnicos iranianos para substituir os britânicos e a auditoria parlamentar dos livros da Anglo-Iranian. A lei foi aprovada por unanimidade pelo Parlamento, no mesmo dia.

Com base na renda obtida pela nacionalização do petróleo, Mossadegh instituiu um conjunto de reformas sociais igualitárias, como a libertação dos camponeses do trabalho obrigatório nas terras dos senhorios, a criação de direitos trabalhistas, de um sistema de previdência pública e do imposto de 20% sobre a renda fundiária para financiar projetos de infraestrutura social, como controle de doenças, habitação rural e banhos públicos.

Mossadegh tinha aprovação de quase 100% no Irã e também projetou internacionalmente sua imagem como líder nacionalista e anticolonialista, inspirando vários movimentos de emancipação nacional ao longo do chamado Terceiro Mundo, principalmente entre os países árabes. O discurso realizado por ele na ONU em outubro de 1951 foi um marco na formação do chamado “terceiromundismo”.

Quando Winston Churchill tornou-se primeiro-ministro inglês, em outubro de 1951, o governo britânico passou a se engajar decididamente em dar um golpe em Mossadegh. Contudo, a Grã-Bretanha, cujo imperialismo estava combalido, necessitava do apoio dos EUA que, ainda governado por Truman, buscava um acordo com o Irã e, por isso, negava qualquer intervenção mais profunda nesse país.

Em 1952, Mossadegh cortou relações diplomáticas com a Grã-Bretanha, comprovadamente envolvida em subornos e chantagens contra agentes do governo iraniano para destituir o primeiro-ministro. Quando Dwight Eisenhower assumiu a presidência dos EUA, foi convencido pelo governo britânico, pelo secretário de Estado, John Foster Dulles, e pelo diretor da CIA, Allen Dulles, de que derrubar Mossadegh seria estratégico para impedir a anexação do Irã à órbita soviética. A liderança dos EUA, até então insuspeitos de golpismo, foi fundamental para o êxito do golpe.

A CIA e o SIS (Serviço Secreto Inglês) deflagraram a Operação Ajax, uma revolução colorida para derrubar Mossadegh. Operações de guerra psicológica, envolvendo disseminação de notícias falsas, ataques a religiosos e atos de vandalismo supostamente pró-Mossadegh, foram largamente utilizadas para manipular a opinião pública contra o primeiro-ministro.

Militares, policiais e parlamentares também foram subornados com dinheiro da CIA. O golpe contou com todo o apoio do xá que, depois de ter fugido para Roma para se proteger, destituiu Mossadegh com apoio de militares e apontou o general golpista Zahedi para primeiro-ministro.

Mossadegh foi preso e condenado a três anos de prisão e, depois de cumprida essa pena, à prisão domiciliar interna. Imediatamente após o golpe, a nacionalização do petróleo foi revertida. O petróleo iraniano foi repartido entre um consórcio das principais potências capitalistas e suas maiores empresas de petróleo, entre elas todas as chamadas “sete irmãs”.

A Grã-Bretanha (BP) e os EUA (Gulf, Texaco, Standard Oil of New Jersey, Standard Oil of New York e Standard Oil of California) ficaram com 40% das ações cada; a Holanda (Royal Dutch Shell), com 14%; e a França (CFP, hoje Total), com 6%.

O golpe contra Mossadegh foi um ponto de inflexão na história do Oriente Médio e das relações dos EUA com o Terceiro Mundo. Até então admirado e visto como uma alternativa pacífica ao imperialismo europeu, os EUA atraíram o ressentimento dos iranianos e de muitos povos árabes. Além disso, o golpe contra Mossadegh serviu de exemplo e de ponto de partida para outros na América Latina e na África.

Felipe Maruf Quintas

Doutorando na Universidade Federal Fluminense.

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