Limites da coisa julgada tributária e modulação de efeitos

Análise do STF sobre coisa julgada tributária e modulação de efeitos. As repercussões para segurança jurídica e arrecadação. Por Leonardo Roesler.

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STF (Foto: ABr/arquivo)
STF (Foto: ABr/arquivo)

O Supremo Tribunal Federal (STF) adentrou em um debate crucial no cenário do direito tributário ao apreciar os embargos de declaração interpostos nos Recursos Extraordinários (RE) 949.297 e 955.227, os quais estão vinculados aos Temas 881 e 885 da Repercussão Geral. Tais recursos trouxeram à tona a discussão acerca dos limites da coisa julgada tributária, focando, em particular, na exigência do recolhimento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) por parte de contribuintes que, amparados por decisões judiciais transitadas em julgado, encontravam-se desobrigados do pagamento dessa contribuição.

Essa controvérsia ganhou destaque por questionar a estabilidade das relações jurídicas tributárias e a segurança jurídica, pilares essenciais do direito tributário. A coisa julgada, enquanto instituto que confere imutabilidade e indiscutibilidade às decisões judiciais, assume um papel fundamental na garantia da previsibilidade e certeza nas relações entre Fisco e contribuintes. Desse modo, o julgamento desses embargos pelo STF não apenas incide sobre a matéria específica da CSLL, mas também estabelece parâmetros relevantes para a interpretação e aplicação da coisa julgada em questões tributárias de maneira geral.

A análise desses recursos pelo STF é emblemática, pois reflete a tensão existente entre a necessidade de respeitar decisões judiciais passadas e a exigência de adaptar a interpretação das normas tributárias às mudanças legislativas e jurisprudenciais. Nesse contexto, a deliberação do STF sobre os limites da coisa julgada tributária e a possibilidade de sua relativização em face de novos entendimentos constitucionais ou legais é de suma importância para a definição do arcabouço jurídico que rege as relações tributárias no Brasil.

A questão litigiosa que se colocou diante do Supremo Tribunal Federal (STF) foi, em essência, a definição do momento a partir do qual os efeitos de uma relevante decisão deveriam produzir efeitos sobre a obrigação dos contribuintes de recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

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A relevância desta determinação deriva de uma decisão anterior da Corte, datada de 2007, que assegurou a constitucionalidade da exação em questão. O pleito das empresas recorrentes naquela instância superior visava estabelecer como marco a data de 13 de fevereiro de 2023, correspondente à prolação da decisão de mérito nos respectivos recursos. Todavia, a decisão da Suprema Corte, seguindo a orientação do ministro relator Luís Roberto Barroso, rechaçou a pretensão das empresas, reafirmando a aplicabilidade do marco inicial previamente estabelecido em 2007.

A fixação deste marco temporal não é uma decisão trivial, pois envolve a ponderação entre a proteção da confiança legítima dos contribuintes e a necessidade de assegurar a efetividade da arrecadação tributária. A escolha do ano de 2007 como ponto de retomada do recolhimento da CSLL representa uma adesão à diretriz de que a coisa julgada tributária não deve operar de maneira absoluta, permitindo a revisão de situações jurídicas consolidadas em face de novas interpretações constitucionais.

Essa postura do STF revela um entendimento de que a coisa julgada, embora detenha uma posição de extrema relevância no ordenamento jurídico como elemento de estabilização das relações jurídicas, não é intransponível e pode ser relativizada em situações excepcionais, especialmente quando colidir com normas ou princípios constitucionais supervenientes. Este julgamento, portanto, além de dirimir uma disputa imediata envolvendo questões tributárias específicas, também delineia a compreensão da mais alta corte do país acerca da flexibilidade e adaptabilidade do direito tributário em face da evolução jurisprudencial e da dinâmica constitucional brasileira.

A decisão do STF reflete a aplicação do princípio da segurança jurídica, consagrado no artigo 5º, 36, da Constituição Federal, que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Ao reafirmar o marco temporal de 2007, o STF assegura a estabilidade das relações jurídicas e respeita a autoridade da decisão que reconheceu a constitucionalidade da CSLL.

No entanto, o julgamento trouxe à tona a complexidade da modulação dos efeitos de decisões judiciais em matéria tributária. A Corte optou por uma abordagem que excluiu a aplicação de multas moratórias e punitivas aos contribuintes que possuíam decisões transitadas em julgado desobrigando-os do recolhimento da CSLL. Essa excepcionalização, proposta pelo ministro André Mendonça e acolhida pela maioria dos ministros, evidencia uma preocupação com a justiça e a equidade na aplicação retroativa de decisões judiciais.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, refletida no julgamento em tela, evidencia uma inclinação à ponderação entre a preservação da segurança jurídica e a necessidade de adequação das decisões judiciais perante um ordenamento jurídico dinâmico, que acompanha as evoluções normativas e as vicissitudes da realidade socioeconômica. Tal abordagem se alinha ao princípio da justiça, que demanda um constante equilíbrio entre a estabilidade das relações jurídicas e a resposta adequada do direito às transformações sociais.

Este julgamento, ao fixar o marco temporal para a retomada do recolhimento da CSLL, não apenas resolve uma questão específica, mas também se estabelece como um marco jurisprudencial que sinaliza a maneira como o Supremo Tribunal Federal percebe e aplica o princípio da segurança jurídica frente a mudanças normativas significativas. A posição adotada pelo STF pode ser interpretada como uma afirmação de que o respeito à coisa julgada não pode ser invocado como um escudo absoluto contra a aplicação de normas constitucionais supervenientes, principalmente quando se tratar da validade de normas tributárias que afetam diretamente a arrecadação e, por extensão, o financiamento das atividades estatais essenciais.

Dessa forma, o precedente ora estabelecido não apenas dirimirá casos futuros análogos, mas também orientará o Poder Judiciário na difícil tarefa de equilibrar direitos fundamentais dos contribuintes, como o direito à segurança jurídica, com o interesse público na efetiva arrecadação tributária. Tal posicionamento é, sem dúvida, um indicativo de que a Corte Suprema está atenta às repercussões econômicas e sociais de suas decisões, o que demonstra a sua responsabilidade institucional na condução da jurisdição constitucional em matéria tributária.

Sob o prisma técnico-jurídico, a decisão do STF revela a adoção de um critério pragmático, que busca harmonizar os interesses em jogo de maneira a evitar distorções econômicas e garantir a previsibilidade das relações tributárias. Não obstante, tal critério pragmático deve ser manejado com cautela, para que não se traduza em uma mitigação excessiva do princípio da segurança jurídica, fulcro do Estado de Direito. É imprescindível que o Supremo Tribunal Federal continue a desempenhar seu papel de guardião da Constituição, assegurando que os fundamentos da ordem tributária e os direitos dos contribuintes sejam resguardados em meio às oscilações interpretativas e aos desafios impostos pela realidade econômica.

Leonardo Roesler, sócio do RMS Advogados. Mestrado em Administração e Finanças Ohio University. Especialização em Direito Empresarial Fundação Getúlio Vargas (FGV); Bacharel em Ciências Contábeis Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI). Especialização em Direito Tributário Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bacharel em Administração. Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Bacharel em Direito com Dupla Titulação Internacional Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).

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