Lucro de empresas abertas cai 29%, mas executivos ganham até 347% mais

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Executivo com Bolsa em alta
Executivo com Bolsa em alta (foto Pxfuel, CC)

Em um ano marcado por desafios impostos pela pandemia, como aumento do desemprego e redução dos salários, as empresas que compõem o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira (B3), reportaram aumentos expressivos da remuneração de seus executivos.

Levantamento realizado pela Comdinheiro envolvendo 77 companhias mostra que, na média, os membros de suas diretorias receberam em 2020, entre salários, bônus por desempenho e outros valores, R$ 879,6 milhões, ou seja, 9,85% a mais do que o registrado em 2019, mesmo com a redução de 29,3% na lucratividade média.

O montante equivale a um salário médio de R$ 11,42 milhões ao ano ou R$ 952 mil por mês, suficiente para pagar 865,5 trabalhadores que ganham R$ 1.100 por mês, salário mínimo em vigor este ano.

“Administrar uma empresa de atuação internacional, com dezenas ou centenas de milhares de empregados e relações com os ambientes macroeconômicos dos mais diferentes países, é uma tarefa complexa. Poucos executivos são capazes de assumir tal responsabilidade. Por essa razão, presidentes e diretores recebem salários e bonificações, considerados de alto valor, mas que condizem com o desafio assumido. É até uma forma de convencê-los a atuar pela companhia”, explica o sócio da BR Rating, primeira agência brasileira de governança corporativa, Ronald Bozza.

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A pesquisa é baseada em dados públicos, pois a CVM exige que as empresas de capital aberto divulguem a remuneração de seus executivos. A Comdinheiro compilou essas informações para realizar o levantamento, que não inclui Natura, Hering e Locaweb por falta de dados referentes a um dos anos comparados.

Salários executivos - maiores variações (elaboração Comdinheiro)
(elaboração Comdinheiro)

Algumas das companhias pesquisadas mais que dobraram a remuneração de seus executivos, mesmo registrando prejuízos bilionários. Uma situação que contrasta com a realidade de milhões de brasileiros. Pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV), divulgada em junho, mostra que a renda média per capita dos trabalhadores caiu de R$ 1.122 para R$ 995 no primeiro trimestre do ano em comparação com igual período de 2020, recuo de 11,3%. Aumento do número de desempregados e redução dos salários durante a pandemia foram os principais motivos para o resultado.

“O descolamento da remuneração de altos executivos em períodos duros como o da pandemia agride dois temas do ESG: social, pois a empresas apresentaram cortes de funcionários, mas não reduziram a remuneração dos tomadores de decisão; e claramente a governança, ao apresentar um descolamento entre a tomada de decisão da empresa e o alinhamento e transparência com os acionistas minoritários”, diz o diretor da Comdinheiro, Filipe Ferreira.

Remuneração x lucros (elaboração Comdinheiro)
(elaboração Comdinheiro)

Mais salário, menos lucro

 

A empresa que registrou maior aumento de salário foi a operadora de turismo CVC. A remuneração do seu principal executivo cresceu 347%, saltando de R$ 3,8 milhões em 2019 para R$ 17,3 milhões em 2020. O aumento contrasta com a realidade do setor que a companhia está inserida. O turismo foi um dos mais prejudicados pela pandemia no ano passado. Tanto que a CVC aderiu à Medida Provisória 936, que previa redução de jornada e corte de salários e, ainda assim, reportou prejuízo líquido de R$ 1,23 bilhão em 2020.

Para Ferreira, a decisão de aumentar a remuneração do executivo em um momento de queda de lucro é um claro desalinhamento de interesses. “O executivo deveria ser responsável por gerar valor aos acionistas. Quando o resultado ruim da companhia não reflete na remuneração dos diretores, pode ser uma sinalização ruim de que o foco saiu do valor ao acionista”, ressalta.

Bozza explica que a ideia de que o executivo tem poder para definir seu próprio salário é errada. “Companhias abertas contam com um Conselho de Administração, que é o responsável por definir o tipo de remuneração e os benefícios que os altos executivos irão receber. Além disso as Assembleias Gerais também são responsáveis por aprovar e anuir tais políticas salariais”, pondera.

No setor de aviação, outro muito prejudicado pela pandemia, a companhia aérea Azul reajustou em 95% a remuneração de seu principal executivo, de R$ 6,9 milhões em 2019 para R$ 13,5 milhões em 2020, mesmo com um prejuízo de R$ 10,83 bilhões, bem acima do apurado em 2019, que foi de R$ 2,4 bilhões.

No segmento educacional, outro muito afetado pela pandemia, a Cogna apresentou prejuízo líquido de R$ 5,81 bilhões, mas os ganhos do CEO saltaram de R$ 22,8 milhões para R$ 32,5 milhões, aumento de 43%.

Salários executivos - 20 menores (elaboração Comdinheiro)
(elaboração Comdinheiro)

Santander é a que paga mais

 

No setor bancário, o CEO do Santander teve seus ganhos reajustados de R$ 45,3 milhões para R$ 49,9 milhões. É a empresa que paga a maior remuneração entre as 77 que integram o levantamento. Mas o banco tem a seu favor o fato de ter lucrado R$ 13,45 bilhões no ano passado.

Outras instituições financeiras, mesmo lucrando muito, deram exemplo nesse momento de dificuldades. Com lucro líquido de R$ 15,06 bilhões, o Itaú Unibanco reduziu o salário de seu presidente em 33%, de R$ 52 milhões para R$ 34,7 milhões. O Bradesco fez o mesmo. Apesar do lucro de R$ 16,03 bilhões em 2020, a remuneração de seu principal executivo foi reduzida de R$ 30,6 milhões para R$ 23,7 milhões (-12%).

“Os diretores dos principais conglomerados financeiros do país são historicamente bem remunerados. Com a pandemia, os lucros reduziram, é fato, mas ainda foram expressivos. Neste caso, há sentido em manter o patamar de remuneração. Em outros casos, no entanto, vemos resultados muito aquém dos históricos e diretores aumentando seus bônus”, observa Ferreira, da Comdinheiro.

Com prejuízo de R$ 340 milhões no ano passado, a BR Malls, do setor de shopping centers (também muito prejudicado), foi a empresa que mais reduziu os rendimentos de seu principal executivo, de R$ 9,1 milhões para R$ 2,8 milhões (-69%). Ela foi acompanhada pela sua concorrente, a Multiplan, cujo presidente recebeu 64% menos. Era R$ 20,1 milhões em 2019 e caiu para R$ 7,1 milhões em 2020.

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