As eleições ocorridas no último domingo, dia 28, exibem o quadro sombrio de uma das mais truculentas ditaduras instaladas na América do Sul, desde a ascensão ao poder de Hugo Chavez. O resultado é contestado pela Organização dos Estados Americanos, por vários países mundo afora, pela oposição ao regime chavista e pela população que invadiu às ruas de Caracas, derrubando estátuas que homenageavam o ditador Chaves exigindo respeito às urnas, à vontade popular, com gritos de fora Maduro, que se encontra no cargo há 11 anos, sempre “vencendo” os pleitos eleitorais de forma fraudulenta.
O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão responsável pelas eleições no país e presidido por um aliado de Maduro, sem mesmo esperar a contagem dos votos, declarou Nicolás Maduro reeleito. Ele, em ato contínuo, com a Constituição sendo exibida, se disse vitorioso e agradeceu cinicamente a Deus pela nova chance de governar o país, onde o salário-mínimo é de US 3,50. Se o sucessor de Chavez perdesse, a oposição chegaria ao poder depois de 25 anos.
De acordo CNE, até a madrugada desta segunda-feira, com 80% das cédulas apuradas, Nicolás Maduro foi reeleito com 51,2% dos votos, enquanto seu opositor, Edmundo González, recebeu 44%. A oposição vem de forma corajosa contestando os números e garantindo que Edmundo González, um diplomata de carreira aposentado, venceu Maduro com 70% dos votos.
Na contramão do mundo democrático, os governantes da Rússia, Catar, China, Irã, Honduras, Cuba, Bolívia e Nicarágua parabenizaram Maduro pela vitória, enquanto os Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido, Chile, Argentina, Uruguai, Espanha, Itália, Equador, Peru, Colômbia, Guatemala, Panamá, República Dominicana, Costa Rica e Portugal contestam com veemência o resultado anunciado por não refletir a vontade ou os votos do povo venezuelano.
O porta-voz do governo ditatorial de Maduro diz que o país “rejeita as ações e declarações de um grupo de governos de direita, subordinados a Washington e comprometidos abertamente com ideologias sórdidas do fascismo internacional” e que este grupo quer desconhecer o resultado da eleição realizada no domingo (28). “Ante este precedente nefasto que atenta contra nossa soberania nacional, decidimos retirar todo o corpo diplomático de nossas missões na Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai, bem como expulsar de imediato seus representantes do território venezuelano.”
O governo brasileiro, aliado de Maduro, e que o recebeu recentemente no Planalto, com tapete vermelho e honras de Chefe de Estado, enviou o assessor especial da Presidência da República Embaixador Celso Amorim para acompanhar in loco o rito eleitoral. O diplomata regressou ontem de Caracas e chegou a Brasilia, informando que o governo saudou o caráter pacífico da jornada eleitoral, mas que aguardará a publicação das atas pelo Conselho Nacional Eleitoral venezuelano, sendo essa medida indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito. A Executiva Nacional do PT lançou nota parabenizando Maduro e as eleições ocorridas na Venezuela: “O PT saúda o povo venezuelano pelo processo eleitoral ocorrido no domingo, dia 28 de julho de 2024, em uma jornada pacífica, democrática e soberana.Temos a certeza de que o Conselho Nacional Eleitoral, que apontou a vitória do presidente Nicolas Maduro, dará tratamento respeitoso para todos os recursos que receba, nos prazos e nos termos previstos na Constituição da República Bolivariana da Venezuela”. Já o Presidente Lula disse que cada país deve construir a sua democracia, enfatizando que “aguardará as atas das juntas eleitorais e que não vê anormalidade acontecendo no país vizinho”.
Ora, além da fraude escancarada, o povo está nas ruas juntamente com a oposição, cobrando resultados que proclamem Gonzalez como presidente eleito e ponha fim ao governo Chavez-Maduro.
É imprescindível uma publicação rápida e transparente dos resultados completos e detalhados para garantir que o resultado reflita os votos do povo venezuelano, uma vez que esse resultado coloca novamente a Venezuela numa zona de impasse, paralisação política e descrédito internacional.
Importante sublinhar que, nasseis horas entre o encerramento das urnas e o comunicado do presidente do CNE, os opositores do ditador relataram dificuldades para acessar as atas de votação e ameaças de paramilitares, que rondavam as seções eleitorais e intimidavam os credenciados pela oposição. O regime interrompeu a transmissão de dados para impedir o acesso da Plataforma Unitária Democrática, o bloco de dez partidos que desafiou Maduro, ao sistema de dados do CNE.
González e Maria Corina Machado, ex-deputada e impedida de concorrer ao cargo de Presidente da República, assim como o candidato Henrique Capriles, ignoraram o veredicto do regime ditatorial e afirmam que têm acesso a 80% das atas e que elas revelam a vitória da oposição. “Queremos dizer a todos os venezuelanos e ao mundo que a Venezuela tem um novo presidente eleito e é Edmundo González Urrutia”, afirmou a líder da oposição, dando conta de que quatro contagens rápidas deram ao diplomata aposentado com cerca de 70% dos votos contra 30% de Maduro. “É a eleição presidencial com a maior diferença da história”, disse. Mais uma vez, a Venezuela mergulha no caos, com dois presidentes autodeclarados. Importante enfatizar que, quando se viu coagido pela oposição, Maduro, na semana passada, afirmou que haveria um “banho de sangue” caso fosse derrotado. E diante dessa situação caótica, quase mil pessoas já foram presas, 20 outras já morreram e um deputado foi sequestrado, sendo retirado do seu carro e colocado em um outro veículo do governo Maduro.
Caso esse resultado venha a ser de fato homologado, o que será uma vergonha para a democracia, que não pode ser relativizada como vem pregando o Presidente Lula, Maduro poderá completar 17 anos no poder e superar Hugo Chávez, seu antecessor, que governou por 14 anos até morrer de câncer, em 2013. Ele terá conquistado seu segundo mandato em um pleito marcado por denúncias de fraude, boicote da oposição, fechamento das fronteiras e alta abstenção.
O regime de Maduro deve compreender que os resultados que publica são difíceis de acreditar. A comunidade internacional e especialmente o povo venezuelano, incluindoos milhões de venezuelanos no exílio, exigem total transparência das atas e do processo, e que observadores internacionais não comprometidos com o governo prestem contas pela veracidade dos resultados.
A Casa Branca indica que sua política de sanções à Venezuela dependeria do desenvolvimento das eleições, salientando que Washington poderia aliviá-las se a eleição fosse limpa, mas depois de o CNE ter anunciado a vitória de Maduro, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, expressou “sérias preocupações” de que “os resultados anunciados não reflitam a vontade ou os votos do povo venezuelano.”
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, 7,7 milhões de venezuelanos deixaram o país em busca de uma vida melhor. A grande maioria saiu nos últimos anos devido a uma grande crise econômica que deixou milhões de pessoas na pobreza. Uma pesquisa realizada pela Meganalisis, e publicada em abril, indica que pelo menos 44,6% da população venezuelana consideraria emigrar se Maduro de fato se levar o terceiro mandato presidencial.
Desde 2015, quando a inflação na Venezuela escalonou e se tornou a pior do mundo e o país passou a enfrentar problemas socioeconômicos sob o comando de Maduro, milhares de migrantes começaram a fugir do país. Um dos destinos mais procurados foi o Brasil e em quase 10 anos de migração, se tornou o terceiro país com a maior população de venezuelanos na América Latina. No Brasil, a porta de entrada de migrantes é Roraima, especialmente na fronteira com Pacaraima. Para se ter uma ideia, Roraima recebeu o maior número de pedidos de refúgio no ano passado: 71.198. Desses, 67.914 (95%) foram de migrantes venezuelanos. Desde janeiro de 2017, quando o governo federal passou o monitorar o fluxo migratório, 1.092.467 migrantes venezuelanos entraram no Brasil. O levantamento é da Operação Acolhida, força-tarefa criada pelo governo federal para atender venezuelanos que entram no Brasil.
É preciso que essas atas, a transparência do pleito eleitoral e, sobretudo, que a vontade popular seja definitivamente respeitada e que a Venezuela possa, após 25 anos, voltar a viver de forma livre e soberana e seu povo, que não aguenta mais viver na miséria e clama por socorro extremo, tenha melhores condições de vida. É absolutamente condenável a soma de irregularidades cometidas pelos asseclas de Maduro e por ele próprio com a intenção de fraude cometida pelo governo venezuelano.
Paulo Alonso é jornalista.