Maduro vai às forras por Bolívar

A vitória de Maduro nas eleições de 2024 e o impacto do bolivarianismo na Venezuela, confrontando o intervencionismo dos EUA. Por Pedro Pinho

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Nicolás Maduro (Foto: Presidência da República da Venezuela)
Nicolás Maduro (Foto: Presidência da República da Venezuela)

Novamente o governo dos Estados Unidos ameaça a Venezuela e pretende nos submeter. Ignora que somos um povo digno e rebelde. Ao longo da história republicana houve o contraponto entre o bolivarianismo e o monroísmo.

José Gregorio Linares, Introdução de Bolivarianismo versus Monroísmo Contrapunteo entre la Dignidad y el Injerencismo, Centro de Estudios Simón Bolívar, 2020. Tradução livre

A eleição de 28 de julho de 2024 vai muito além da vitória de Nicolás Maduro Moros (Caracas, 23/11/1962) sobre Edmundo Gonzáles Urrutia (La Victoria, 29/08/1949) e a oposição construída nos Estados Unidos da América (EUA), onde reside o pândego Juan Gaidó, em Miami (Flórida), que se autoproclamou presidente  (23 de janeiro de 2019 a 30 de dezembro de 2022) até ser obrigado a fugir pelo roubo de £ 1,3 bilhão, em reservas de ouro venezuelano, depositados no Reino Unido.

O professor José Gregorio Linares, historiador, autor de obras seminais, como Bolívar Vive! (2018), e criador do programa radiofônico Um minuto com nossa história, analisa o projeto integracionista e geopolítico de Francisco de Miranda (1750-1816), para quem a independência das colônias hispano-americanas era inseparável da ideia de integração.

E, neste aspecto, Miranda, morto em prisão espanhola, se confrontava com os pais fundadores estadunidenses, para quem a república surgida das Treze Colônias deveria ser plutocrática (Constituição de 1787) e continental (Doutrina Monroe, 2/12/1823).

Em carta ao político combatente pela independência Manuel Gual, de 31 de dezembro de 1799, de Londres, escrevia Francisco de Miranda que a independência deveria se dar “sem o domínio de potência estrangeira tentando aqui se estabelecer ou se misturar com nosso povo, pois nesse caso seremos objeto de seus ganhos e logo, muito em breve, veremos a desapropriação de todos nossos bens” (tradução livre).

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Síntese histórica da Venezuela

Venezuela torna-se estado independente em 1811, sendo seu primeiro presidente Cristóbal Mendoza, entre 5 de março de 1811 e 21 de março de 1812. Seguem-se Francisco de Miranda (3/4 a 25/7/1812) e Simón Bolívar (6/8/1813 a 25/11/1829).

É necessário recordar que, de 1799 a 1815, a Europa viveu a Era Napoleônica, mudando o mapa do poder colonial, no momento em que as comunicações ainda eram lentas e, nas Américas, nem sempre se sabia quem governava nas metrópoles. Situação que a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, não provocou entre nós.

A I Revolução Industrial ocorreu de 1760 a 1860 e teve seu insumo energético no carvão mineral, abundante na Europa e na Ásia. Já a II Revolução Industrial obteve sua energia do petróleo, que é descoberto, em meados do século 19, quase simultaneamente, nos EUA (Pensilvânia) e no Azerbaijão (Baku).

Os EUA conseguem, com o petróleo, enorme eficiência para sua indústria que se destaca das europeias. A produção nacional do petróleo acompanha a demanda até 1922, quando passa a necessitar das importações.

De 1829 a 1899, a Venezuela teve 25 presidentes. Em 1899 assume Cipriano Castro, que lidera a Revolução Liberal Restauradora e estabelece governo despótico, com atritos de toda ordem, que termina com golpe de seu vice-presidente, Juan Vicente Gómez, em 1908.

Até então o petróleo pesado venezuelano era, principalmente, utilizado como asfalto e comercializado pela estadunidense New York and Bermúdez Company.

Em 1922, tendo a Venezuela confirmado seu potencial petrolífero, os EUA passam a suprir sua necessidade com petróleo venezuelano que vinha sendo investigado, desde 1913, pela anglo-holandesa Royal Dutch Shell e pela estadunidense Standard Oil.

Em 1928 a Venezuela exportava 275 mil barris por dia (b/d) da sua produção de 290 mil b/d. Os royalties variavam entre 8% e 15%. Neste ano ocorre o célebre encontro de Achnacarry, na Escócia, unindo os representantes do petróleo e das finanças mundiais, donde surge o cartel das “Sete Irmãs”.

Com este termo, o criador da ENI italiana, Enrico Mattei, englobava as Royal Dutch Shell, Anglo-Persian Oil Company (posteriormente British Petroleum), Esso, Standard Oil of New York (Socony), Texaco, Standard Oil of California (Socal) e a Gulf Oil, dominando o mercado petrolífero até 1970.

Hoje, a empresa petrolífera estatal Venezuela – PDVSA – administra a maior reserva de petróleo de um país, alcançando 304 bilhões de barris, 18% das reservas mundiais, deixando a Arábia Saudita, com 297 bilhões de barris, em segundo lugar, e o Irã em terceiro, com 158 bilhões de barris, 9% do total.

Até o final do século 20 os presidentes venezuelanos não enfrentaram o poder dos EUA para, consistentemente, administrarem sua maior riqueza: o petróleo.

Em 2/2/1999, Hugo Rafael Chávez Frias (1954-2013), em eleição para presidente, sucede Rafael Caldera, governando até 12 de abril de 2002, quando o golpe de estado, pelo período de 47 horas (entre 12 de abril e 13 de abril de 2002), coloca no poder o empresário Pedro Francisco Carmona Estanga, presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio (Fedecámaras).


O bolivarianismo

Nas três últimas décadas do século 20, o mundo passou por grandes transformações. O petróleo, que construíra a riqueza das nações industrializadas, passou a ser o vilão da vida saudável e até mesmo do clima da Terra. Seria verdade? Por que tomou tamanho impulso esta farsa?

Primeiro, pela expansão dos recursos comunicacionais; a televisão invadia os lares até em países subdesenvolvidos e, ainda naquele século, seria destronada pela telefonia e outros usos de aparelhos portáteis: os celulares.

Segundo, porque os capitais europeu e estadunidense perderam o poder sobre as reservas de petróleo. O novo dono do petróleo passou a ser o país detentor das reservas que se uniram, em setembro de 1960, no Iraque (Bagdá), para constituir a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), sendo fundadores a Arábia Saudita, o Irã, o Iraque, o Kuwait e a Venezuela. Hoje, congrega 14 países representando 81,5% das reservas mundiais.

Todas estas mudanças e as contradições que conduziam tornavam necessárias outras posturas políticas, outras estruturas de união entre as nações. O bolivarianismo veio preencher este espaço num país fundador da Opep, a Venezuela. Em muitas outras nações, as imposições financeiras e as alterações políticas levaram a outras respostas, resultado das culturas desenvolvidas naqueles territórios.

Embora importante, a economia não é a única motivação para as transformações que vemos ocorrer neste século 21.

A Venezuela conheceu a prosperidade econômica graças ao petróleo, que ofuscou a diversidade industrial, mas manteve a democracia eleitoral de Rómulo Betancourt (1959-1964) ao segundo governo de Carlos Andrés Pérez (1989-1993), mas levou, cada vez mais, a população a condições inaceitáveis de vida.

Bolivarianismo é a compreensão de quem são os venezuelanos, ou seja, que ali se constitui uma cultura caribenha. Foram estes que enfrentaram os assassinos de etnias enviados pelos colonizadores europeus. “Somos o povo de nossa terra, aqui não há covardes, não desistimos, esta terra é nossa”.

Também são povo de libertadores.  Em 1818, em plena guerra de independência, os EUA violaram o espaço marítimo nacional, contornaram o bloqueio imposto pelos patriotas e tentaram vender armas aos monarquistas utilizando dois dos seus navios: Tigre e Liberdade. Estes barcos foram confiscados. Logo, o encarregado dos negócios dos EUA, Sr. Irvine, em tom arrogante e ameaçador, exige que os patriotas devolvam os seus navios. Bolívar responde com firmeza: “Não permitirei que o Governo e os direitos da Venezuela sejam insultados ou desmerecidos. Na defesa contra Espanha, desapareceu grande parte de nossa população. Os que sobreviveram permanecem ansiosos para merecer o mesmo destino. O mesmo se dá com a Venezuela, combate a Espanha e o mundo inteiro, se a ofende”.

Movem os venezuelanos os mais profundos ideais de justiça, como deu exemplo Ezequiel Zamora (1817-1860). Este bravo liderou revolta campesina de 1846 para acabar com as desigualdades e repartir equanimemente as terras pelos que nelas trabalhavam. “Os explorados formam uma única família. Temam, oligarcas!”

E o venezuelano é patriota. Quando a Inglaterra, a Alemanha e a Itália bloquearam com navios de guerra as costas da Venezuela, em dezembro de 1902, o povo esqueceu que era dirigido por um ditador, Cipriano Castro, afastou suas diferenças e unido combateu os estrangeiros que “profanavam o solo sagrado da pátria”.

E o bolivarianismo está no mais profundo sentimento chavista.

Deus concede a vitória à perseverança, assegura Bolívar. Portanto … não nos ameacem

Hugo Chávez

Venezuela após a morte de Hugo Chávez

Poucos países têm a ventura de ter governante com as características de intelectual, estadista e humanista de Hugo Chávez. E que saiba viver seu tempo, ainda que tenha consciência da herança histórica que carrega.

Chávez sabia que ainda seria o petróleo, atacado pelas finanças apátridas como inimigo da humanidade, que proporcionaria o desenvolvimento, o bem-estar da grande maioria dos povos, e por cerca de um século. E a moeda de compra de petróleo poderia ser de vacas prenhes, como lhes pagavam os uruguaios, ou médicos, como lhe pagava Cuba com 30 mil profissionais cuidando da saúde dos venezuelanos, como se expressou na abertura da VI Cúpula Presidencial da Alternativa Bolivariana para os povos da Nossa América (Alba).

Porém a autonomia, a possibilidade de construir seu país soberano e seu povo desfrutando das condições de cidadania: de saúde, educação, moradia, mobilidade urbana, direitos civis e políticos garantidos, para a nação desigual e belicosa que são os EUA é ameaça, como em 9 de março de 2015 declarou seu presidente, Barack Obama: a Venezuela é “uma ameaça à segurança dos EUA”. Tão somente dois anos após a morte não bem explicada de Hugo Chávez (5/3/2013).

Segue-se, então, a mais cruel perseguição a um povo. Que lembra o genocídio que o Estado de Israel move contra uma população, não contra um Estado que tenha estrutura para se defender. E agride a consciência da humanidade ao chamar aqueles que se dispõem voluntariamente a defender seus irmãos de terroristas.

A premiada escritora e professora venezuelana Anahí Arizmendi expõe em seu livro Infancia Bajo Asedio Impacto de las Medidas Coercitivas Unilaterales en los Derechos Humanos de Niños, Niñas y Adolescentes Caso Venezuela 2015-2019 (Editorial Trinchera, Caracas, 2023), esta tragédia.

“Com a aprovação do Congresso estadunidense em 2014 da Lei de Defesa dos Direitos Humanos e da sociedade civil na Venezuela, Lei 113 – 278 e, posteriormente, em 8 de março de 2015, a Ordem Executiva 13.692 em que se declara uma ‘emergência nacional’ pela ameaça ‘não usual e extraordinária’ à segurança nacional e à política externa, causada pela situação na Venezuela, o governo Barack Obama define a coluna vertebral da aplicação sem trégua de medidas coercitivas unilaterais contra a República Bolivariana da Venezuela e uma série de ações que tem como objetivo a alteração da ordem interna e a desestabilização política do país para dar origem à troca de governo”. Nada mais, nada menos do que uma declaração de guerra da nação que se diz mais rica e mais poderosa contra um país pobre que busca ser livre.

Em 2023, o presidente Nicolás Maduro informou que, apenas no que se pode quantificar desta medida de Barack Obama, a Venezuela deixou de receber US$ 642 bilhões.

Porém, como conclui a professora Anahí Arizmendi, “de 2015 a 2019, as medidas coercitivas impactaram negativamente o direito à saúde, à educação, à moradia, a serviços públicos de qualidade toda infância” (tradução livre).

Aqueles que estão contestando, neste momento, a vitória de Nicolás Maduro para presidente da Venezuela, uma vitória do bolivarianismo contra o monroísmo, da liberdade contra a escravidão, podem não saber, mas se associam ao terrorismo de Estado que praticam contra Venezuela os Estados Unidos da América; que estão condenando toda juventude de um país à enfermidade, pois não tem acesso aos recursos da medicina porque os EUA lhe vedam; que deixam de comercializar o petróleo, cuja maior reserva de um país está em seu território; e impedir os investimentos em moradia porque os EUA lhe vedam; e que, em 2019, sofreram 16 medidas coercitivas dos EUA, inclusive uma, que até parece piada, para liberar recursos venezuelanos no exterior para Juan Guaidó (em 28/1/2019), porque os EUA assim o quiseram.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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