Maquiagem para que bancos continuem recebendo remuneração parasita

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O artigo publicado pelo jornal Valor Econômico em 11/9/2020, denominado “Dívida pública e depósitos remunerados”, trata de maquiagem que está sendo construída para que o Banco Central (BC) possa continuar remunerando a sobra de caixa dos bancos às custas do povo, porém sem usar títulos da dívida pública federal.

A propaganda é sedutora: haverá “redução potencial significativa do estoque de dívida pública. A dívida bruta, que é hoje de 86,5% do PIB (pelo critério do BC) ou 91,8% (pelo critério do FMI) poderia ser reduzida para 68,5% (BC) ou 65,2% (FMI)”. Entretanto, o ônus negativo da operação, que prejudica toda a economia nacional, em especial as indústrias (diante da tentativa de se aprovar o PL 9.248/2017, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) chegou a expedir nota contra o acatamento do depósito voluntário remunerado), continuará existindo com essa maquiagem.

O que se propõe é a continuidade da remuneração da sobra de caixa dos bancos por meio da aprovação da figura do “Depósito Voluntário Remunerado”. Ou seja, os bancos continuarão ganhando a mesma remuneração às custas do orçamento público, e o estoque da dívida pública só cairia porque o BC pararia de abusar da utilização das “Operações Compromissadas”.

Há vários anos, a Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado a remuneração da sobra de caixa dos bancos por meio do abuso na utilização das chamadas “Operações Compromissadas”, que usam títulos da dívida pública federal. A título de exemplo, ver artigo disponível em bit.ly/32k30yv e folheto disponível em bit.ly/33r0XIp

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Não existe previsão legal para essa remuneração da sobra de caixa dos bancos. Além de ilegal, tal remuneração aos bancos (a) consome recursos do orçamento público (bit.ly/3khGtc4); (b) gera aumento da dívida pública; e (c) amarra toda a economia, pois provoca elevação brutal das taxas de juros de mercado, devido à esterilização de grandes volumes de recursos que deveriam estar disponíveis para empréstimos ao público.

O artigo em comento informa mais uma tentativa de legalizar essa remuneração, através da figura do chamado “Depósito Voluntário Remunerado” pelo BC aos bancos, como vem sendo tentado desde 2017, quando o BC enviou à Câmara dos Deputados o PL 9.248/2017. No PLP 112/2019, que trata da independência do BC, também está colocada essa figura do chamado “Depósito Voluntário Remunerado” pelo BC aos bancos. A legalização dessa benesse injustificável foi tentada também na primeira versão da PEC 10/2020, mas foi abortada.

A desculpa para essa absurda remuneração aos bancos tem sido o “controle inflacionário”, o que não tem o menor fundamento econômico, como comprovam os dados. Apesar de o volume dessa esterilização de dinheiro no BC superar cerca de R$ 1 trilhão desde o final de 2015, e alcançar atualmente R$ 1,5 trilhão(!), o aumento de preços segue ocorrendo, devido aos equívocos de política agrícola e à alta de preços monitorados pelo próprio governo (preços administrados subiram 18 vezes mais que os preços “livres” nos últimos 12 meses).

A publicação repete esse falso argumento quando diz que o BC “se vê forçado a enxugar o excesso de liquidez”. De acordo com esse argumento, qualquer aumento na quantidade de dinheiro em circulação precisaria ser anulado por meio do recolhimento da sobra de caixa dos bancos ao Banco Central, para ficar retida e sendo remunerada generosamente pelo dinheiro público, impedindo a queda da taxa de juros de mercado. Como mencionado acima, a inflação que existe no Brasil é a inflação de preços, e não de demanda.

Ao tentar justificar o injustificável, o artigo se enrola, ao dizer: “Suponha que diante do vencimento de R$ 10 bilhões em dívida do TN, tal montante seja pago aos detentores desses títulos públicos. Como, por exigência constitucional, a conta do TN está no BC, esses R$ 10 bilhões aumentarão a base monetária, levando à queda da taxa Selic.”

Ora, se o pagamento dos títulos foi feito aos diversos detentores desses títulos, como diz o artigo, esse dinheiro saiu do Tesouro Nacional (e, portanto, não teria ficado na conta única do Tesouro Nacional depositada no BC), e poderá ter inúmeras destinações por parte desses detentores, não se podendo fazer a relação direta com o aumento de inflação, que no Brasil não tem nada a ver com o aumento da base monetária, como antes mencionado.

Na prática, é o dinheiro depositado nos bancos, o qual deveria estar disponível para empréstimos em geral, que está sendo remunerado diariamente pelo Banco Central aos bancos, às custas do povo.

Chega a ser inacreditável que, em plena pandemia, diante do aprofundamento da crise econômica, com aumento brutal do desemprego e falta de recursos para as áreas sociais, ainda possa haver alguém que defenda essa remuneração parasita aos bancos.

Maria Lucia Fattorelli

Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.

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