O Projeto de Lei 4.188/2021, parte integrante do Marco Legal das Garantias, foi aprovado pelo Senado e agora está aguardando avaliação pela Câmara dos Deputados. Seu propósito é aperfeiçoar as leis existentes e diminuir a quantidade de processos judiciais relacionados à execução das garantias nos financiamentos imobiliários.
O substitutivo, que acolheu 47 emendas, é do senador Weverton (PDT-MA), e o texto original é do Executivo Federal, apresentado ao Congresso em novembro de 2021.O mais preocupante neste Projeto de Lei é a implantação do procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária.
É absolutamente plausível que todas as alterações que se venham a fazer sejam submetidas a um período de teste, onde serão verificados eventuais problemas que somente poderão ser vistos na atuação rotineira.
Todavia, quando falamos de Projetos de Lei, não temos a aplicação de um piloto com o intuito de validar o procedimento desenhado. Obviamente que não se pode exigir tal validação prévia quando se fala de alteração procedimental com base na modificação de normas. Contudo, é importante que consultas sejam realizadas com o objetivo de dirimir dúvidas e evitar o fracasso da alteração legislativa.
Primeiramente, a alteração legislativa exige que a instituição financeira proceda com a constituição em mora do devedor e, mesmo assim, prevê nova notificação por parte do oficial cartorário para que o devedor efetue o pagamento da dívida no prazo de 20 dias. Ou seja, há previsão de duas notificações para que o devedor efetue o pagamento do débito para que, somente depois, seja expedida a certidão de apreensão do bem. Essa alteração trará ainda mais morosidade para a retomada do veículo fornecido em garantia ao contrato, já que haverá mais espera para que o devedor possa tentar efetuar o pagamento antes da retomada do bem.
Cumpre mencionar que todos os bancos atualmente já possuem setores ou escritórios jurídicos especializados em negociação e que o não pagamento da dívida não é ocasionado pela ausência de notificação (lembrete) acerca de seu operado vencimento.
Estamos a falar em burocratizar ainda mais o procedimento para que se obtenha o resultado pretendido. Importante termos ciência de que se busca exclusivamente, a partir do momento em que se ingressa com o procedimento de busca e apreensão, a retomada do bem dado em garantia ao contrato com o intuito de subsidiar uma negociação futura com o devedor.
Caso houvesse interesse ou possibilidade de negociação prévia por parte do devedor em negociar com a instituição financeira, o teria feito dentro dos 3 (três) ou 4 (quatro) meses de inadimplência (a depender da régua de cada instituição financeira) que antecedem a execução da garantia contratual.
O projeto de lei prevê, ainda, que o oficial do cartório faça juízo de valor acerca de eventuais documentações juntadas pelo devedor, podendo constatar direitos do devedor em detrimento do credor. Tal autorização confere poder ao Cartório para atuar como julgador, podendo abster-se de realizar o procedimento de Busca e Apreensão caso seja convencido pelo devedor de que o mesmo tem razão, o que torna temerária a adoção do procedimento pela instituição financeira devido à possibilidade de atrasar ainda mais a busca pela execução da garantia.
Importa salientar que a quantidade de fraudes operadas atualmente pode induzir a erro os cartórios no momento de averiguar a autenticidade dos documentos apresentados pelo devedor que, porventura, busquem obstar o procedimento extrajudicial de busca e apreensão. A autoridade cartorária não possui parâmetros ou ferramentas para avaliar os documentos do ponto de vista pericial.
Além disso, o texto prevê que o devedor teria a obrigação de entregar ou disponibilizar voluntariamente a coisa ao credor, sob pena de multa de 5% (cinco por cento) do valor da dívida. Ora, um dos maiores problemas atualmente com o procedimento de Busca e Apreensão sendo realizado pelo próprio judiciário é a ocultação intencional dos bens com o objetivo de frustrar a diligência.
Certamente que a previsão legal de multa não é suficiente para dirimir a problemática apresentada, pois se trata de uma característica intrínseca de alguns a busca por métodos de obter vantagem indevida, ainda mais sobre instituições financeiras. Assim, a simples previsão legal de multa não é suficiente como método coercitivo para a entrega do bem.
Importa mencionar, ainda, que o PL regula que a retomada do bem móvel poderá ser realizada pelo próprio credor ou por terceiros mandatários. Contudo, não menciona acerca da possibilidade de requisição de auxílio policial ou determinação de arrombamento da residência ou do próprio bem quando negada a entrega pelo devedor. Assim, o Oficial Cartorário não possui legitimidade para determinar o arrombamento de residências com o intuito de buscar e apreender veículos em seus interiores, o que inviabiliza a adoção do método extrajudicial apresentado. Nesse sentido, ao chegar ao local onde o veículo se encontra, e caso o devedor empreenda fuga com o mesmo, o Oficial Cartorário nada poderá fazer, por ausência de legitimidade para tanto.
Por fim, outra questão controvertida é a ausência de previsão acerca da necessidade de que o procedimento extrajudicial seja realizado exclusivamente por advogado. Quando se fala de procedimento administrativo em cartório, é importante que seja especificado que o trâmite deverá ser acompanhado necessariamente pelo advogado do credor, sob pena de nulidade.
Diante desses fatos, é importante que as instituições financeiras tenham ciência de que o procedimento de Busca e Apreensão extrajudicial poderá apresentar falhas diante da ausência de legitimidade dos Cartórios para aplicar sanções coercitivas mais graves, como o arrombamento de residências ou requisição de auxílio policial.
Benito Conde, especialista em Direito Bancário e Recuperação de Crédito e sócio do Montezuma e Conde Advogados Associados.