O Marco Legal das Garantias, sancionado recentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve contribuir para reduzir o custo dos financiamentos, mas ainda é cedo para avaliar qual será essa diminuição.
“A expectativa é que haja uma redução, pois o risco para a parte que está cedendo o empréstimo, no caso as instituições financeiras, passa a ser menor”, destaca Hulisses Dias, analista CNPI e mestre em finanças pela Sorbonne.
Para ele, o impacto será gradual ao longo dos meses. “A expectativa é que se crie um círculo vicioso através do crédito mais acessível, refletindo diretamente na economia”, afirma Dias.
De acordo com a nova norma, um mesmo bem pode ser usado como garantia em mais de um pedido de empréstimo. Além disso, a norma estabeleceu novas regras e condições para a realização de penhora, hipoteca ou transferência de imóveis para pagamentos de dívidas.
A alteração mais significativa reside na permissão para que um único imóvel possa ser utilizado como garantia para múltiplos empréstimos, algo que, em contratos de alienação fiduciária, estava anteriormente vedado.
Antes dessa mudança, se um devedor celebrasse um contrato de empréstimo de R$ 10 mil, utilizando seu imóvel avaliado em R$ 100 mil como garantia, ele estava proibido de empregar o mesmo bem como garantia para novos empréstimos, ainda que o primeiro financiamento representasse apenas 10% do valor do imóvel.
Agora, o devedor tem a prerrogativa de utilizar o mesmo imóvel como garantia em diversas operações de crédito, desde que o valor global do bem seja respeitado.
Marco Legal das Garantias permite segunda hipoteca
“De maneira análoga às hipotecas, agora é possível que o devedor contrate uma segunda dívida, dando o mesmo imóvel em garantia. Nesse cenário, em caso de inadimplência, o credor original, geralmente o banco que concedeu o primeiro empréstimo, desfrutará de prioridade na execução da dívida, ou seja, na retomada do imóvel. Posteriormente, quando ocorrer a venda desse imóvel, normalmente por meio de leilão, os demais credores terão direito a uma parcela do valor obtido com a venda”, diz o advogado Felipe Varela Caon, sócio do Serur Advogados.
Ele explica que, anteriormente, quando um imóvel retomado sob essa modalidade era levado a leilão e não recebia ofertas na primeira disputa, as quais deveriam corresponder ou superar o valor de avaliação, o imóvel era então encaminhado para um segundo leilão. Nessa fase subsequente, ele poderia ser arrematado por um valor inferior à sua dívida, e o excedente era anistiado.
“Entretanto, o Marco das Garantias estipula agora que essa regra se aplica apenas a imóveis adquiridos com a finalidade residencial, ou seja, destinados ao financiamento da casa própria”, afirma Caon.
Execução de garantias mais célere
O advogado Matheus Carvalho, sócio do LCSC Advogados, lembra que o recém-sancionado Marco Legal das Garantias tende a facilitar a execução das garantias em favor do credor, com instrumentos que permitem, por exemplo, a execução extrajudicial da garantia hipotecária para situações que anteriormente não eram contempladas no ordenamento jurídico, a possibilidade de intimações eletrônicas em determinadas hipóteses, entre outras mudanças.
“São alterações que criam um ambiente mais célere e menos custoso para os credores que enfrentam a inadimplência do devedor e que, por isso, necessitam executar a garantia”, diz.
Em teoria, essa facilitação no tempo e na forma de execução das garantias pode contribuir para redução do custo do crédito, haja vista que quanto maior a expectativa de rapidez em caso de necessidade de recuperação do inadimplemento, menor será a percepção de risco, o que influi na definição do spread bancário e, portanto, nos juros aplicados para aquela determinação operação.
“Entretanto, além da qualidade do ativo dado em garantia interferir sobremaneira no custo do crédito, parece razoável supor que os agentes do mercado ainda levarão um tempo para experimentar a eficácia prática das introduções legislativas trazida pelo Marco Legal das Garantias”, afirma Carvalho.
Além disso, questões formais envolvendo a execução extrajudicial de garantias, sobretudo no caso de alienação fiduciária de imóveis, sempre foram objeto de provocação por parte de devedor perante o Poder Judiciário. É de se esperar que haja uma espera, por parte dos credores, para saber como a jurisprudência se formará com relação aos questionamentos que serão suscitados com relação ao Marco Legal das Garantias.
“Dessa forma, ainda que o Marco Legal das Garantias possa contribuir para uma eventual redução do custo do crédito, não creio que seja suficiente para, isoladamente, gerar essa consequência, ao menos de maneira imediata, devendo ainda passar por uma fase de maturação”, considera Carvalho.
Execução extrajudicial tem prazos específicos
A execução extrajudicial em contratos hipotecários, ou seja, o procedimento de retomada do bem utilizado como garantia, que anteriormente raramente era empregado e estava caindo em desuso nas transações de crédito, agora foi estruturado pelo Marco Legal das Garantias. A legislação estabelece prazos específicos para cada fase, de maneira semelhante ao que já ocorre na alienação fiduciária.
A partir do instante em que o contrato entra em inadimplência, está previsto um prazo de 105 dias para as etapas iniciais do processo de retomada. Esse prazo inclui 15 dias para que o devedor regularize sua situação, quitando o valor em atraso (mora). Caso isso não ocorra, inicia-se um período de 15 dias para a solicitação do leilão do imóvel. Em seguida, existe um prazo de 60 dias para a realização do primeiro leilão e, caso não haja ofertas, mais 15 dias para a realização do segundo leilão.
Adicionalmente, a nova Lei abre a possibilidade de utilizar meios extrajudiciais para a recuperação de créditos por meio dos cartórios, permitindo que o credor apresente propostas de desconto através dos tabelionatos de protesto.
Nesse cenário, o tabelião comunica o devedor sobre a proposta por meio de carta simples, correio eletrônico ou aplicativo de mensagem instantânea, podendo estabelecer um prazo de até 30 dias para aceitação. Caso o devedor não aceite a proposta, a comunicação é então convertida em uma indicação para protesto. Se essa negociação extrajudicial for bem-sucedida, os emolumentos cartoriais são calculados com base no valor efetivamente quitado.
Por Por Gilmara Santos, especial para o Monitor