Marcos Cintra: o Imposto Único Federal (IUF) e a reforma tributária

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Marcos Cintra (foto divulgação)
Marcos Cintra (foto divulgação)

Conversamos com o economista Marcos Cintra, candidato a vice-presidente na chapa da senadora Soraya Thronicke, ambos do União Brasil, sobre a proposta do Imposto Único Federal (IUF) e sua visão sobre a reforma tributária.

O IUF substituiria 11 tributos de competência federal (IRPF e IRPJ, IPI, CSLL, Cofins, INSS, Patronal, IOF, ITR, PIS, Salário Educação e Contribuições do Sistema), sendo que os impostos sobre importação e exportação ficarão de fora. A alíquota seria de 1,26%, o que, pelos cálculos feitos, geraria uma arrecadação equivalente à dos tributos que serão extintos. A cobrança seria feita com a mesma metodologia da extremamente criticada CPMF: toda vez que houver um débito em conta-corrente. A principal crítica ao IUF é a sua cumulatividade, a mesma que acompanhou toda a existência da CPMF.

 

Quais seriam as vantagens do IUF e como o senhor avalia a questão da cumulatividade do imposto?

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Com o IUF, o Imposto de Renda vai ter duas grandes alterações. Com relação ao IR Pessoa Física, ele vai ter o limite de isenção estendido até cinco salários mínimos. Essa é uma medida necessária, pois é uma crueldade tributar com o IR pessoas que ganham, por exemplo, R$ 1,5 mil como acontece hoje. Com isso, nós estaríamos garantindo uma isenção de IR para 85% da população brasileira. Os outros 15% da população, evidentemente, vão pagar o IR com ajustes nas alíquotas mais elevadas de forma a garantir a mesma arrecadação.

A segunda grande modificação é relativa ao IR Pessoa Jurídica (IRPJ). Hoje, sua alíquota é de 34% (15% de alíquota regular + 10% de alíquota adicional para lucros acima de um determinado limite, que por ser baixo, acaba sendo pago por todas as empresas, + 9% de CSLL = 34%). No modelo que estamos propondo, esses 9% deixam de existir, já que a CSLL será substituída pelo IUF com alíquota de 1,26%. Consequentemente, a alíquota do IRPJ passará de 34% para 25%.

O IR continuará com um aumento significativo de isenção para pessoa física e uma redução significativa da alíquota incidente sobre o lucro das empresas.

A característica fundamental do IUF é que ele elimina uma série de incidências, sendo que o mais significativo é que a contribuição para o INSS deixa de ser cobrada, tanto a patronal de 20% sobre a folha, quanto a dos empregados, que vai de 7,5% até 14%. Ao eliminar essas contribuições, o IUF corrige um dos maiores defeitos, do meu ponto de vista, do nosso sistema tributário que é uma pesadíssima tributação do nosso fator trabalho. Isso num país onde se diz que 30 milhões de pessoas estão passando fome e que tem 50 milhões de pessoas desempregadas, subempregadas e na economia informal ou subterrânea.

Qual é o grande problema alegado desse tributo? A história da CPMF começou em 1991, quando eu escrevi o artigo “Por uma Revolução Tributária”, onde eu propunha a criação de um tributo único sobre movimentação financeira que seria um imposto único nacional. Logicamente, nesses últimos 30 anos, o debate me levou a fazer muitas críticas à proposta e avaliar as críticas feitas por outros, sendo algumas delas cabíveis. Uma delas é que uma tributação única nacional agride o pacto federativo brasileiro.

Nós temos uma federação de três andares (União, estados e municípios), que por si só já é muito complexa, sendo que os três níveis possuem competências tributárias. Reduzir a competência tributária desses níveis, e congregá-las num só, é um debate complicado, razão pela qual ao longo desses 30 anos, hora os governadores foram contra a unificação de tributos, hora a favor. Agora, com a PEC 110, parecem ter concordado com ela, desde que o governo federal financie a transição com um fundo de apoio aos estados que vão perder arrecadação.

O problema é que agora são os municípios que são contra a unificação, já que não querem perder o ISS. Esse tem sido um dos fatores que têm impedido o avanço da reforma tributária com propostas que tentam aglutinar impostos de camadas diferentes do pacto federativo. Assim, nós estamos propondo um tributo federal que apenas mexa nos tributos da União, sem que se mexa nos tributos de estados e municípios, que poderão fazer a reforma dos seus próprios impostos, como aliás já deveriam ter feito.

Todas as críticas que foram feitas, seja a CPMF ou a IPMF, eram até assustadoras. Diziam que haveria fuga do sistema bancário, que haveria um processo intenso de verticalização na economia brasileira, já que as empresas iriam comprar seus fornecedores para não pagarem o imposto na compra de insumos, e que eram tributos altamente regressivos, quando na verdade eram proporcionais. Enfim, todas essas críticas acabaram não ocorrendo nos 12 anos de existência da CPMF.

Contudo, apesar de ser tido como pai dessa forma de tributação, quando eu fui deputado federal, nas três vezes em que eu pude votar a prorrogação da CPMF, eu votei contra, já que o espírito da CPMF havia sido violentado, como me havia alertado o Roberto Campos, quando em vez de virar um imposto único, virou um imposto a mais. Assim, a primeira grande diferença relativa à CPMF é que nós estamos resgatando o espírito original da proposta. O IUF substituirá impostos, e não será um acréscimo de carga tributária como foi no caso da CPMF.

A única crítica que perdura, e é verdadeira, tenho que reconhecer, é que esse imposto é cumulativo. Acontece que o impacto da cumulatividade não é uma verdade imperativa. Não é todo imposto cumulativo que introduz mais distorções ao sistema econômico do que qualquer imposto sobre valor agregado. Também não é verdade que todo IVA é melhor do que todo imposto cumulativo.

Eu fiz trabalhos mostrando que o impacto da cumulatividade nos preços dos produtos depende de duas coisas. Primeiro, da alíquota. Um IVA com uma alíquota cavalar de 30% pode ser pior que o imposto cumulativo com uma alíquota de 0,5%. Segundo, a cumulatividade vai depender da relação entre o preço da mercadoria e o conteúdo de insumos agregados a essa mercadoria.

Veja, a cumulatividade é muito maior quando eu compro muito insumo, agrego pouco valor e passo para frente. Agora, se o valor agregado é muito alto tende a diminuir o seu impacto. Vamos pegar o exemplo de um celular. Esse tipo de aparelho quase não tem cumulatividade, que vem do vidro, do silício e do plástico utilizado na fabricação dos chips, sendo que 99% do valor será agregado na última etapa de produção, onde nós temos a tecnologia, a marca e o marketing. Nesse caso, a cumulatividade é mínima, portanto, o impacto será pequeno.

Para avaliar isso na prática, eu comparei o impacto da cumulatividade de um imposto com uma alíquota de 1,26%, e com uma taxa de agregação de valor de 100% em cada etapa de produção, com um IVA, que para gerar a mesma arrecadação, precisaria de uma alíquota de 25%. Eu fiz isso para 163 setores da economia brasileira, utilizando os dados da Tabela de Recursos e Usos do IBGE e a matriz de Leontief. Assim, pude constatar que as distorções geradas por um IVA com uma alíquota grande são muito maiores que as distorções geradas por um imposto cumulativo com uma alíquota pequena.

Agora, eu quero te dar uma confirmação anedótica, mas não menos verdadeira. O PIS e Cofins têm os regimes cumulativo (alíquota de 3,65%) e não cumulativo (alíquota de 9,25%). Pergunta: qual é o regime preferido das empresas? Majoritariamente, elas preferem ser tributadas no cumulativo. Isso levou o Roberto Campos, que era muito espirituoso, a dizer que existiam duas cumulatividades: a ruim, quando queriam falar mal da CPMF, e a boa, quando todos queriam ficar no regime cumulativo do PIS e Cofins.

Dessa forma, numa economia digital do século 21, onde o processo de produção passa a ser muito mais de serviços e os intangíveis passam a ser muito mais importantes no valor de produção, a cumulatividade está deixando de ser um problema, ainda que exista. Por mais que a crítica seja verdadeira, a mensuração da gravidade desse fenômeno não é feita nesse debate, que é muito raso e desinformado. Todo mundo dá opinião, mas ninguém se deu ao trabalho de medir a validade da crítica que está sendo feita.

 

Uma das grandes confusões tributárias no Brasil é gerada pelo ICMS com suas 27 legislações. Inclusive, a guerra fiscal se dá, principalmente, nesse imposto de competência dos estados e do Distrito Federal. O que vocês pretendem fazer com relação ao ICMS?

Como eu lhe expliquei, a nossa proposta de reforma tributária pega apenas os tributos federais, e deixa os tributos estaduais e municipais como se encontram, o que não quer dizer que eles não devam ser reformados.

Vamos analisar primeiro o mais simples e mais fácil: ISS. Trata-se de um tributo com alíquota relativamente baixa, que vai de 2% a 5%, sendo que para casos especiais, como entretenimento e shows, possui alíquotas maiores, e que é tão cumulativo quanto a CPMF. O ISS é simples porque incide sobre faturamento e tem a vantagem da cumulatividade, tirando a complexidade dos tributos sobre valor agregado.

Quando a Constituição de 1988 foi feita, entregaram aos estados o filet mignon tributário, que era a cadeia de produção e a produção de bens, e deram para os municípios, os serviços, que naquela época, eram constituídos por serviços como domésticos, de marcenaria, mecânicos e um pouco de consultoria. Ou seja, o osso ficou para os municípios. Muito bem. O tempo foi passando, o mundo analógico evoluiu para o mundo digital, e hoje, o que cresce no processo produtivo mundial, é exatamente os intangíveis, os serviços que estão sob a alçada dos municípios.

Atualmente, a capacidade de crescimento da base tributária não está mais na manufatura e na indústria, mas sim nos serviços, o que inclui inovação, tecnologia, mundo digital e produção em nuvem. Os municípios, principalmente os grandes, estão administrando muito bem o ISS, que é um tributo que raramente tem muito contencioso e muita reclamação.

Contudo, ele tem alguns defeitos. Os grandes e médios municípios concentram 95% da arrecadação, sendo que os pequenos ainda não têm base de serviços. Isso faz com que a sua concentração fique nas capitais e nas grandes cidades.

Na reforma que propomos, o ISS deve continuar sob competência dos municípios, porém, com uma legislação uniforme para todos eles, com o Congresso definindo a regra básica. O ISS teria apenas três alíquotas: uma mais baixa de 1,5%, uma em torno de 3% e uma mais alta de 5%. Cada município escolheria a alíquota que seria aplicada. Outro aspecto é que o ISS seria tributado, parcialmente, no destino. Isso corrigiria o problema dos grandes municípios ficarem com toda a arrecadação e os pequenos com nada.

A ideia é que ele seja meio a meio, com a metade da arrecadação ficando com o município consumidor e a outra metade com o município produtor. É preciso também que todos os municípios utilizem uma nota fiscal de serviços eletrônica nacional, o que simplificaria os procedimentos burocráticos do ISS.

Mas o que vamos fazer com os estados? Aí é que o problema começa a aparecer. O ICMS, de fato, é o pior imposto do Brasil. A Cofins é horrorosa do ponto de vista de complexidade, compreensão e casos especiais, mas o ICMS é pior. São 27 legislações absolutamente contraditórias, não existindo um mecanismo de harmonização. A nossa proposta para o ICMS é apoiar a PEC 110, que está amadurecida no Senado Federal, deixando de fora os municípios. Se todos os 26 estados e o Distrito Federal passassem a ter o mesmo regime de ICMS proposto pela PEC 110, isso já seria uma gigantesca melhoria no sistema tributário brasileiro.

 

Na sua avaliação, existem ações que poderiam ser tomadas com relação ao atual sistema tributário brasileiro, que não passassem pela alteração da legislação, mas que pudessem racionalizá-lo e simplificá-lo?

Se fala muito em reforma tributária como se fosse apenas uma questão do design dos impostos e de configuração tributária, sendo que o processo tributário é tão importante quanto o design dos tributos. Às vezes você tem um imposto simples na sua essência, mas que na sua aplicação, o processo de gestão e, sobretudo, de administração de conflitos são extremamente complexos.

No Brasil, eu diria para você, que metade dos problemas do sistema tributário está na característica própria dos impostos. Quando se começa a criar alíquotas especiais e os estados começam a pedir benefícios, isso são erros de design. Mas também existe o erro da aplicação do tributo, do processo de cobrança e de aferição do valor devido, e de fiscalização. Isso também precisa passar por uma reforma profunda.

Há vários projetos em andamento no Congresso Nacional que resolveriam esse problema. Por exemplo, a arbitragem tributária em Portugal é um sucesso. Por que não introduzi-la no Brasil? Isso simplificaria muito o processo de administração dos conflitos entre o contribuinte e o estado. A mesma coisa com relação à guerra fiscal. Se nós olharmos, existe hoje uma legislação que proíbe a guerra fiscal, mas ela não é respeitada. Além disso, ela foi montada de tal forma que dá margem a muitas interpretações diferenciadas. É preciso rever essa legislação.

Paralelamente à revisão dos tributos e do modelo de arrecadação, nós precisamos rever o processo de gestão do sistema tributário brasileiro, que é extremamente complexo e gongórico, como se fosse de uma era passada.

 

A reforma tributária é um tema muito bonito de ser falado, mas que não avança no Congresso Nacional. As PECs 45/2019 e 110/2019, que envolve as competências federal, estaduais e municipais, o que faz com que sejam bem mais complicadas, estão paradas, mas nem o PL 3887/2020 e o PL 2337/2021, que tratam de tributos federais, portanto, uma única competência, avançaram. Não estou entrando no mérito da proposta, mas o PL 2337/2021, que trata da reforma do imposto de renda, chegou a ser aprovado na Câmara e ficou parado no Senado, enquanto muitas empresas anteciparam o pagamento de dividendos, inclusive com remessas para o exterior antes da virada de 2021 para 2022. Todo esse trabalho acabou sendo por nada.

Na sua avaliação, por que a Reforma Tributária, que acaba sendo uma tema utilizado apenas para propaganda, não avança no Congresso Nacional?

Existem várias razões que explicam essa frustração da sociedade brasileira com relação à reforma tributária. Como não conseguimos fazer a reforma, a tendência é começar a se mexer pontualmente no sistema ou num tributo. Isso é responsável pela construção desse Frankenstein tributário.

Por exemplo, o projeto de revisão do imposto de renda (PL 2337/2021) atende a uma necessidade específica do Governo Federal para gerar arrecadação para custear o Auxílio Brasil. O ministro tem dito que a continuação desse auxílio depende da aprovação da tributação sobre dividendos.

Veja, não se está fazendo uma reforma do imposto de renda, por mais meritória que possa ser, para melhorar o sistema tributário como um todo, mas para resolver um problema pontual de financiamento de um programa, independente de se verificar o impacto que essa modificação possa trazer para o sistema. No Brasil, todas as modificações tributárias têm sido feitas dessa forma.

Há 30 anos que acompanho esses debates, sendo que eu nunca tinha visto um projeto de reforma tributária que tivesse sido unanimemente rejeitado por tributaristas, economistas, empresários, associações e etc. O único que defendia esse projeto era o governo, que precisava do dinheiro para o Auxílio Brasil. Isso foi inédito.

Esse projeto foi aprovado na Câmara numa das manobras nebulosas do Centrão, que aprovou o projeto em três dias, sendo que uma semana antes, a mesma proposta havia sido rejeitada por 400 deputados. Quando isso aconteceu, uma semana depois o Arthur Lira utilizou as emendas parlamentares para conseguir 400 votos a favor. Não dá para levar a sério quando o processo de aprovação de uma coisa tão importante mostra uma característica como essa. Um projeto pontual, desnecessário, com oposição sistemática de todos, que desfazia uma das grandes melhorias do imposto de renda, que é exatamente a não tributação dos dividendos, feita pelo Everardo Maciel em 1995 e elogiada na época pelo FMI.

Com relação às PEC 110 e 45, de novo, elas não são uma reforma tributária. Elas apenas são reformas dos impostos sobre consumo. Elas não falam sobre imposto de renda. Não falam sobre imposto sobre grandes fortunas. Não falam de desoneração de folha. Não falam sobre impostos sobre bens e propriedades. Enfim, esses projetos são reformas limitadas do sistema tributário.

Além disso, esses dois projetos agridem o pacto federativo. Isso tem sido uma insistência há 30 anos. Todos os projetos querem unificar União, estados e municípios. Aliás, essa mania começou comigo. Antes de todo esse pessoal começar a falar em juntar tributos no IVA ou na PEC 110, eu lancei, em 1991, o projeto do imposto único. Foi a primeira vez em que se falou em juntar tudo. Só que eu evoluí, estudei, fui para o outro lado do balcão, virei um político e vi que mexer no pacto federativo vai levar gerações.

Outro problema da PEC 110 e 45 é que elas são radicais demais. Por exemplo, a PEC 45 propunha uma única alíquota aplicável a todos os produtos e a todos os setores. Isso fere, inclusive, alguns itens constitucionais como a capacidade contributiva e a essencialidade. Os economistas acham que sistema tributário é matemática. É, mas também é política, sociologia e cultura. Coloque para a classe política que os remédios e a comida serão tributados com a mesma alíquota que será utilizada na tributação de um carro importado. Não há como. A cultura da sociedade brasileira, aliás, do mundo inteiro, faz distinções em grau de essencialidade.

A PEC 110 melhorou muito. De certa forma, ela pegou o purismo da PEC 45 e introduziu várias alíquotas e setores com tributação diferenciada, como educação, transporte público e agricultura, pois, realmente, tem que haver tratamentos diferenciados. Se 95% da produção agrícola brasileira é feita em propriedades familiares, ou seja, não são empresas, como é que você vai fazer um produtor de bananas do Vale do Ribeira ter nota fiscal, computar débitos e créditos de compra e venda de insumos para produzir suas bananas, apresentar esses dados ao fisco e pagar o valor agregado sobre a sua produção? Isso é irreal. Como se pode querer introduzir um modelo com essa rigidez?

A rejeição a esses modelos puristas está dentro deles mesmo. Nós temos que procurar a simplicidade, transparência e automaticidade. “Ahh, mas isso não é democrático porque a pessoa não sabe o que está pagando de imposto”. Isso não interessa. O que interessa é que se pague menos, que se pague pouco, que não se tenha amolação, que não se tenha contencioso, que não se tenha fiscal, que não se tenha corrupção e que não se tenha papelório para preencher

 

Na sua opinião, o que o Brasil precisa fazer para voltar a investir de forma contundente, tanto pelo setor público quanto pelo setor privado, e crescer de forma satisfatória?

Certamente, a questão tributária é um dos elementos para que o Brasil consiga sair desse processo de estagnação econômica que já dura 40 anos, com aumento de desemprego e desigualdade econômica. Para nós sairmos disso, várias coisas são necessárias. A primeira delas é o que discutimos: a reforma tributária. Isso é essencial.

Se nós analisarmos o Brasil como um todo, vamos ver que ele está num momento áureo em termos de crescimento e de realização de tudo aquilo que o país precisa para ser uma grande economia.

Só que nós temos problemas seríssimos. Nós temos um Brasil, que o Paulo Guedes fala sobre ele, onde a inflação está caindo, a situação fiscal está mais ou menos sob controle, sendo que no ano passado nós tivemos superávit primário, e as contas externas estão muito bem. Esta economia formal do Brasil, de fato, está indo muito bem. Não podemos tirar o mérito do governo. O presidente do Banco Central agiu muito bem e colocou as políticas monetária e fiscal coordenadas para controlar esse regime inflacionário que está pegando o mundo inteiro, sendo que, provavelmente, nós seremos os primeiros a estar nos contrapondo a essa crise que ainda está em fase ascendente no resto do mundo. Quem sabe, nós já passamos a corcova do ponto de maior crise.

Mas no outro Brasil, que é o Brasil dos excluídos, que não estão nessa economia, existem problemas seríssimos. O Daron Acemoglu, autor do livro Por que as Nações Fracassam, diz que a política de desenvolvimento tem que ser uma política inclusiva. Ele analisa que todos os países que praticam uma política inclusiva, que inclui todos os segmentos da sociedade nos seus benefícios, são os que crescem. Os países que criam enclaves, pequenos núcleos de desenvolvimento e progresso, mas que excluem o resto, que não consegue entrar nessa bolha de desenvolvimento, são os países que não conseguem se desenvolver. O Brasil é um deles.

Nós precisamos praticar uma política inclusiva com educação, com oportunidades de capacitação, de treinamento, de boa saúde e de segurança. Esse tipo de ação é fundamental para que se dê oportunidade para aqueles que estão fora do sistema econômico moderno, entrem nele.

Para isso, a questão tributária é uma das mais importantes. Quando se propõe, como estamos fazendo no imposto de renda, deixar 85% da população fora da tributação formal, concentrando a tributação nos outros 15%, nós estamos focando a carga tributária em quem pode pagar. Aí sim nós vamos ter recursos para praticarmos uma política inclusiva.

Outra coisa fundamental. O Brasil tem condições de ser uma das principais economias do mundo. Eu me refiro a meio ambiente, biotecnologia, mercado de carbono, energia limpa e combustíveis renováveis. Que país no mundo tem as condições que o Brasil tem para desenvolver essas indústrias?

Nós temos condições de fazermos do Brasil um país de enorme capacidade de atração de investimentos, além de termos um mercado interno portentoso, com 215 milhões de consumidores. Para isso, nós precisamos de segurança jurídica. O investidor estrangeiro olha para o Brasil e depois o compara com outros países. Por que ele vai investir aqui se ele pode ir para a Coreia do Sul ou para o México? Mas quando ele olha para a questão de institucionalidade, o Brasil começa a perder pontos. A reforma do judiciário é urgente. Nós estamos vendo o poder judiciário se assenhorar de competências que não lhes compete. Está havendo um processo de degradação desse poder, como aconteceu no executivo e no legislativo.

Nós precisamos de uma reforma política. Não há sentido num país continental como o Brasil, ter um sistema proporcional. Nós precisamos de, pelo menos, um sistema distrital misto, onde a proximidade entre o eleitor e o eleito seja mais próxima. Você visita uma cidade do interior para obter 20, 30 votos, e nunca mais volta lá. Qual é a ligação do político com aquela população?

Só que o principal de tudo é a credibilidade. Isso é o ajuste fiscal, que nós temos muita dificuldade em fazer. O teto de gastos foi um passo importantíssimo. Precisa de ajustes? Precisa, mas nós não podemos passar a imagem para os investidores de que estaremos insolventes daqui a 10, 20 ou 30 anos. Nós precisamos mostrar uma estrutura de financiamento sólida e estável do setor público, e não a coisa que estamos tendo, com déficits estruturais há mais de 10 anos. Se não houver garantias de que o equilíbrio fiscal é duradouro e institucional, nós não teremos condições de atrair investimentos externos.

Por fim, é um absurdo que um país como o Brasil, que gasta 25% do seu orçamento com educação, tenha um fracasso tão absurdo e tão ridículo como nós estamos tendo nessa área. Isso não é questão de dinheiro. Há dinheiro e tecnologia conhecida. O que está faltando é capacidade gerencial e seriedade.

Eu vejo o Brasil com um potencial gigantesco, dadas suas qualidades e características, mas é preciso fazer a lição de casa e ter gente que tenha uma visão clara do que precisa ser feito.

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