A morte de Marina Colasanti, aos 87 anos, no último dia 28 de janeiro, me trouxe grandes recordações e, ao mesmo tempo, um baita sentimento de tristeza e de perda. Não morria apenas a escritora consagrada, mas partia para a vida eterna uma pessoa encantadora, generosa, simples, extremamente culta e, sobretudo, delicada nas ações, nos gestos e no falar.
Durante vários anos, tive a honra e o raro privilégio de conviver não somente com essa mulher admirável, mas também com o não menos admirável e fraterno amigo, o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, com quem foi casada por mais de 50 anos.
Marina e Affonso moravam em Ipanema, na Rua Nascimento Silva. Éramos vizinhos de rua, a mesma que inspirou Tom Jobim. Eles sempre eram convidados para palestrar, lançar suas obras e participar de seminários e semanas acadêmicas na então Faculdade da Cidade, que eu dirigia. O casal era apreciado, querido e reverenciado pelos alunos e professores, que os cercavam para perguntas e fotos — e ainda não havia as selfies… Eles, com naturalidade, atendiam a todos e, com fidalguia e elegância, papeavam e contagiavam os que os rodeavam. Pareciam verdadeiros ímãs de saber, de conhecimento e, principalmente, de encantamento.
Bons tempos aqueles, quando eu próprio recebi desse casal lições de cultura e de literatura. Sim, conversar com Marina e Affonso sempre foi por demais prazeroso.
Anos depois, já na Unidade da Lagoa da Universidade da Cidade, na qual fui reitor, Affonso foi frequentador assíduo, e o Teatro da Lagoa ficava repleto de discentes, docentes e convidados que iam até lá para que ele promovesse lançamentos de seus livros. Os autógrafos eram muito requisitados. E Marina, ao seu lado, enchia o ambiente de charme em uma atmosfera de cultura efervescente.
Marina partiu, vítima da Doença de Parkinson e em decorrência de uma pneumonia. Affonso ficou. Todavia, desde 2017, foi diagnosticado com Alzheimer. A obra desses dois grandes e valiosos intelectuais será, evidentemente, perene, pelo valor literário que encerra em cada um dos livros por ambos publicados, vários dos quais guardo como troféus, com autógrafos generosos. Marina deixou uma filha, a atriz, roteirista e diretora Alessandra Colasanti, e um neto.
Ao longo de sua carreira, Marina recebeu numerosos prêmios, consolidando-se como uma das autoras mais importantes do cenário literário do Brasil, sem que nunca tivesse ingressado na Academia Brasileira de Letras. Seus nove Prêmios Jabuti, em diferentes categorias, são apenas parte do reconhecimento por sua contribuição para a literatura. Obras como Uma Ideia Toda Azul e Hora de Alimentar Serpentes são consideradas clássicos e continuam a cativar leitores com sua mistura de lirismo, realismo fantástico e profundas reflexões sobre a condição humana. Era uma escritora sensível e atenta, uma verdadeira “antena do mundo”, como diria o poeta português Fernando Pessoa.
A infância de Marina foi repleta de mudanças que enriqueceram sua perspectiva sobre o mundo. Após deixar a Eritreia, sua família viveu na Líbia e, posteriormente, na Itália, onde teve contato com a cultura europeia em um período de reconstrução pós-guerra. Em 1948, com 11 anos, a família mudou-se para o Brasil, onde encontrou um país em transformação, com intensos processos de urbanização e mudanças sociais.
No Brasil, Marina dedicou-se às artes desde cedo, estudando Belas Artes e destacando-se como jornalista. Seu ingresso no mundo da literatura aconteceu em 1968, com a publicação de Eu Sozinha, uma coletânea de contos que já demonstrava sua sensibilidade literária. A partir desse momento, ela não parou mais de escrever, explorando temas variados com uma visão única.
Outro marco que merece destaque em sua bela trajetória foi o Prêmio Iberoamericano SM de Literatura Infantil y Juvenil, recebido em 2017. Esse prêmio é considerado o mais importante para autores do gênero na comunidade ibero-americana.
Em 2023, Marina foi homenageada com o Prêmio Machado de Assis, outorgado pela Academia Brasileira de Letras, que reconheceu o conjunto de sua obra como uma contribuição inestimável à cultura do país, tornando-se a 10ª mulher a conquistar essa tão cobiçada premiação.
O velório de Marina foi realizado no Parque Lage, onde a escritora morou de 1948 a 1956 com a tia Gabriella Besanzoni, cantora lírica de fama internacional, casada com Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil em sua época. Ele construiu aquela propriedade para que sua mulher vivesse cercada pela exuberante Mata Atlântica em um verdadeiro castelo, hoje cartão-postal da cidade e sede da Escola de Artes Visuais.
Nascida em uma família de artistas, neta de um professor de uma escola de artes, crítico de arte e escritor; filha de Manfredo Colasanti e irmã de Arduino Colasanti, o verdadeiro “menino do Rio”, ambos atores, Marina viveu cercada por arte.
Entre 1952 e 1956, estudou pintura com Caterina Baratelli e, em 1956, entrou para a Escola Nacional de Belas Artes. Sua formação como artista plástica possibilitou que ela mesma pudesse, mais tarde, ilustrar suas obras.
Em 1962, Marina ingressou no Jornal do Brasil, onde foi redatora, cronista, colunista, ilustradora e subeditora. Foi editora do Caderno Infantil e participou do Suplemento do Livro com numerosas resenhas. Também foi editora da seção Segundo Tempo do Jornal dos Sports. Permaneceu no jornal até 1973.
Em seguida, passou a assinar seções para as revistas Senhor, Fatos e Fotos, Ele e Ela, Fair-play, Cláudia e Joia. Em 1976, ingressou na Editora Abril, onde exerceu a função de Editora de Comportamento para a revista Nova. Recebeu o Prêmio Abril de Jornalismo em 1978, 1980 e 1982. Em 1986, de fevereiro a julho, escreveu crônicas para a revista Manchete. Em 1992, deixou a Editora Abril.
Ainda na carreira de jornalista, Marina escreveu crônicas semanais para o Jornal do Brasil, entre 2005 e 2007, e para o Jornal Estado de Minas, entre junho de 2011 e março de 2014.
Marina, multitalentosa, também exerceu várias atividades na televisão. Foi entrevistadora dos programas Sexo Indiscreto (TV Rio) e Olho por Olho (TV Tupi); editora e apresentadora do noticiário Primeira Mão (TV Rio); apresentadora e redatora do programa cultural Os Mágicos (TVE); âncora do programa cinematográfico Sábado Forte (TVE) e do programa Imagens da Itália (TVE), patrocinado pelo Instituto Italiano de Cultura.
A escritora se declarava feminista histórica. Fez parte, inclusive, do primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e, durante 20 anos, atuou com temas ligados ao feminino no mundo, trabalho do qual resultaram quatro livros.
Em 2017, Marina deu uma entrevista à Editora Global e disse:
“Olho para trás e o que vejo me agrada. Vivi com abundância, a palavra melhor é essa. (…) Não escrevi tanto quanto li, nem teria sido possível. Mas o que escrevi está de acordo comigo e me representa mais generosamente que uma selfie.”
Até breve, Marina. Você, certamente, já reencontrou, de braços abertos, sua grande amiga Clarice Lispector, Rubem Braga, seu antigo vizinho, e outros amigos queridos.
Paulo Alonso, jornalista, reitor da Universidade Santa Úrsula.