Mauro Vieira: ‘democracia é valor fundamental para o Brasil’

No Conselhão, ministro voltou a condenar tentativa de golpe na Bolívia

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Mauro Vieira (Foto: Rafa Neddermeyer/ABr)
Mauro Vieira (Foto: Rafa Neddermeyer/ABr)

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse nesta quinta-feira que a democracia é valor fundamental e classificou a tentativa de golpe de Estado na Bolívia como inaceitável. A declaração foi feita durante a abertura do 3ª Reunião Plenária do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão.

“A participação social voltou a ser método de planejamento, execução e monitoramento das políticas públicas brasileiras. A reunião de hoje simboliza, além dessa retomada, o espírito de diálogo plural e inclusivo e também caracteriza nossa política externa. A democracia é um valor fundamental para o Brasil, como reafirmamos ontem ao rechaçar a inaceitável tentativa de golpe de Estado na Bolívia.”

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, agradeceu o que chamou de “postura firme” da diplomacia brasileira e do próprio presidente Lula diante do episódio no país vizinho:

“Mais uma vez, a democracia na América Latina esteve em risco e a posição do presidente Lula, do ministro Mauro Vieira foi decisiva para apoiar as forças democráticas da Bolívia e dizer que não aceitamos mais ditaduras e golpes na América Latina”.

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O Itamaraty emitiu comunicado destacando a gratidão do Estado Plurinacional aos países e organizações internacionais que se manifestaram em defesa da estabilidade democrática na Bolívia.

“O Estado Plurinacional da Bolívia agradece o apoio da comunidade internacional em apoio ao governo do presidente Luis Arce Catacora, eleito democraticamente pelo povo boliviano, face à tentativa de golpe de Estado, a luta do nosso povo”, diz o documento oficial.

Numa demonstração de solidariedade global, o governo da Bolívia expressou esta quarta-feira a sua gratidão à comunidade internacional pelo apoio recebido.

Em um dia cheio de incerteza e tensão, o país começa a retornar à normalidade após uma tentativa fracassada de golpe liderada por alguns líderes militares. O presidente Luis Arce, com a posse de um novo Alto Comando Militar e o apoio da comunidade internacional, conseguiu esta quarta-feira desativar a ameaça e restaurar a ordem.

“O povo mobilizado permitiu reverter esta tentativa de golpe. Obrigado, povo boliviano”, discursou, diante de uma multidão que ocupava a Praça Murillo no centro de La Paz, após a retirada dos militares rebeldes.

À noite, o governo apresentou o antigo comandante do Exército, general Juan José Zúñiga e o ex-comandante da Marinha, vice-almirante Juan Arnez como os líderes do movimento – os dois serão processados pela Justiça comum e militar.

O ministro do Governo, Eduardo del Castillo, explicou que Zúñiga procurou estabelecer um regime de facto, violando a Constituição. No entanto, muitos soldados retrataram a sua participação na conspiração.

A tentativa de ruptura democrática gerou um clima de pânico entre a população, com os cidadãos acumulando alimentos e formando longas filas em postos de gasolina e caixas eletrônicos. A incerteza econômica e política levou muitos a tomar medidas preventivas devido ao receio de um maior caos.

A resposta da comunidade internacional foi rápida e contundente. Organizações como a Organizção dos Estados Americanos (OEA), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a União Europeia, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), juntamente com países como Espanha, EUA, Chile, Peru, Equador, Venezuela, Colômbia, Uruguai, Cuba e outros, manifestaram o seu apoio irrestrito à Bolívia democracia e ao governo de Arce.

Arce, na cerimônia solene de inauguração do novo Alto Comando das Forças Armadas, reafirmou o seu compromisso com a defesa da democracia e agradeceu o apoio internacional.

“Respeitaremos a democracia conquistada com o voto do povo boliviano nas urnas. Saudamos o povo boliviano que cercou a Praça Murilo e as organizações internacionais que censuraram estes atos”, expressou.

Horas depois da tentativa de golpe, o novo comandante do Exército, José Wilson Sánchez Velázquez, ordenou que as tropas mobilizadas recuassem para suas unidades, submetendo-se ao cumprimento da Constituição e das leis.

A rápida retirada dos militares permitiu que a cidade começasse a voltar ao normal.

Por sua vez, o ministro da Defesa, Edmundo Novillo, garantiu que “tudo está sob controle” nas Forças Armadas e apelou à população para retomar as suas atividades com confiança.

O cientista político e professor de Relações Internacionais Maurício Santoro avalia que “o general teve um erro de cálculo político. Achou que receberia algum respaldo ao ameaçar o Evo Morales. Mas o atual presidente boliviano bancou a aposta e tirou o general do comando do Exército. E aí ele se viu numa situação de isolamento e tentou o golpe de uma maneira muito improvisada, sem participação de outras lideranças das Forças Armadas. E foi importante ver que ele não teve apoio significativo de nenhum grupo social do país.”

Para Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, “Evo Morales já convocou uma greve geral e tem os movimentos sindicais muito alinhados com ele. O próprio presidente Luis Arce também veio a público para pedir que a sociedade boliviana se junte contra esse golpe. E setores da oposição se colocaram contra o golpe. A própria Jeanine Añez, que já foi presidente e opositora do Evo, disse que não aceita o que aconteceu. O Luís Camacho, importante líder contra o Evo Morales em 2019 falou que não aceita também. Então, esse movimento de golpe parece isolado. Muito mais uma tentativa do Exército e do próprio Zúñiga de demonstrar poder, do que de fato querer impor um novo governo”.

“A Bolívia está vivendo uma situação econômica muito difícil. O principal setor é o de gás natural, que está enfrentando uma série de problemas. Isso levou a uma queda nas exportações, e as reservas internacionais da Bolívia estão muito pequenas, em torno de US$ 3 bilhões. O que é nada para as necessidades de um país. Para comparar, o Brasil que tem uma situação bastante confortável em termos de reservas tem hoje mais de US$ 350 bilhões. Isso significa que a Bolívia está com muita dificuldade de importar mesmo produtos básicos para o dia a dia: alimentos, remédios, combustíveis”, diz Maurício Santoro.

“Os países andinos estão baseados no extrativismo pesado e com os preços nas alturas. O Estado quer se apropriar de uma parte desse excedente econômico. E grupos nacionais e multinacionais querem pegar absolutamente tudo. Mas não é como Salvador Allende. na década de 70, que estava mantendo a companhia do cobre sob o controle, ou estatizando empresas. Agora é o contrário, é uma administração que quer se apropriar de parte desses excedentes para a realização de políticas públicas. A classe dominante e as multinacionais nem isso topam. Então nós ficamos sempre numa situação limite entre o Estado e essas forças sociais”, explica o professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nildo Ouriques.

Do ponto de vista das disputas políticas, as tensões entre diferentes líderes e partidos do país contribuem para aumentar os riscos à democracia.

“O componente político dessa crise é o fato de que no ano que vem a Bolívia vai ter eleições presidenciais e o general que tentou o golpe hoje disse ontem que se o Evo Morales se apresentar como candidato à presidência, as Forças Armadas iriam intervir e prender o Evo. Há poucos anos aconteceu uma crise política semelhante na Bolívia, em 2019, que terminou com a deposição do Evo e a intervenção dos militares. Então, é uma ferida que ainda está aberta”, diz Maurício Santoro.

“Se voltarmos mais no tempo, a década de 1990 é relativamente estável na Bolívia. As tensões começam com a chegada ao poder do Evo Morales em 2006, que provoca fraturas de poder. Ele começa a fazer política redistributiva de renda, nacionalizar os hidrocarbonetos, entre outras questões, que geram insatisfações com a elite. A Bolívia ela entra num cenário de piora dessa estabilidade democrática, porque o Evo desestabiliza um sistema anterior de poder, em que a população pobre indígena estava sub-representada. Isso faz crescer o movimento reacionário, que se manifesta até hoje”, diz Arthur Murta.

Para os pesquisadores, é preciso considerar também um contexto mais amplo na América do Sul, com avanço de grupos e lideranças de extrema-direita, que representam o crescimento de movimentos autoritários e antidemocráticos. Em alguns casos recentes, houve tentativas de golpe igualmente fracassadas.

“Essa tentativa de golpe faz parte de um contexto mais amplo de crise da democracia na América Latina. Esse ano a gente teve na Guatemala uma tentativa de impedir a posse de um presidente eleito. Manifestantes invadiram o Congresso no Brasil no ano passado em tentativa de golpe. Bom que a democracia está resistindo e mostrando ter anticorpos e ser mais resiliente. Mas é preocupante que todas essas crises estejam ocorrendo na região nos últimos anos”, diz Maurício Santoro.

“O que foi positivo hoje é que a resposta internacional foi muito forte na defesa da democracia boliviana. Todos os países da América do Sul se manifestaram em maior ou menor grau em defesa da democracia. Isso foi uma coisa importante. A Organização dos Estados Americanos também respondeu de modo muito rápido e contundente”, acrescentou.

Matéria atualizada às 13h

Com informações da Agência Xinhua e da Agência Brasil

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