Menor de idade pode ser sócio?

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Entra ano, sai ano, e algumas questões ainda incomodam a doutrina do Direito Empresarial. O antigo Direito Comercial é agora o Direito de Empresa. Empresa não tem conceito jurídico, mas econômico. Empresa é uma atividade econômica organizada, que reúne capital, trabalho, insumos e tecnologia para a produção e circulação de bens ou prestação de serviços. Empresário é a pessoa física ou jurídica que põe em atividade essa atividade econômica organizada. Numa palavra, empresário é quem toca a empresa. Empresário pessoa física equivale ao empresário individual, isto é, aquele que exerce pessoalmente atividade de empresário. Empresário individual não se confunde com a sociedade empresária, com a empresa ou com o sócio menor. Empresário individual é a pessoa natural que se obriga através do próprio nome, responde pelas obrigações contraídas com seus bens pessoais, assume responsabilidade ilimitada, incide pessoalmente em falência e pode pedir recuperação judicial ou extrajudicial. Para ser empresário, o Código Civil exige capacidade para o exercício da atividade empresarial, efetivo exercício de atividade econômica organizada e exercício profissional e habitual dessa atividade dita empresarial.

O art. 966 do Código Civil não considera empresário quem exerce atividade de natureza intelectual, científica, literária ou artística, mesmo que, para essas tarefas, conte com ajuda de auxiliares ou colaboradores, mas desde que essa atividade não constitua elemento de empresa. Elemento de empresa é o exercício de uma atividade econômica organizada para a produção de bens ou serviços com fins lucrativos.

Uma questão sempre recorrente é se o menor pode ser empresário. Em princípio, tem capacidade para o exercício da atividade individual de empresário todo aquele que estiver no gozo de sua capacidade civil e não for legalmente impedido (Código Civil, art.972). O Código Civil de 2002 não dissipou a controvérsia sobre se o menor emancipado está ou não apto ao exercício da atividade empresarial. Pior que isso: não define se é possível decretar a falência de menor emancipado, agora empresário individual, e de imputar-lhe responsabilidade penal pelos atos falimentares. O art.3º, II, do DL. 7.661/45, admitia a falência de menor com mais de 18 anos que mantivesse estabelecimento comercial com economia própria. Uma leitura ligeira desse artigo levaria a supor não ser possível a decretação de falência do menor de 18 anos.

É preciso considerar, no entanto, que esse decreto vigeu na constância do Código Civil de 1916, para o qual a incapacidade relativa se aplicava às pessoas entre 16 e 21 anos, o que permitia considerar comerciante o maior de 18 anos e, como tal, decretar-lhe a falência. No Código Civil (2002), a incapacidade relativa alcança pessoas entre 16 e 18 anos. Segundo penso, a exegese da lei de falências teve de se adequar a essa nova ordem jurídica, isto é, o seu art. 3º, II (revogado) visava aos relativamente capazes, como previsto no Código de 1916, que, se emancipados e com estabelecimento próprio, poderiam ter a falência decretada. Por igual modo, essa interpretação servia ao novo paradigma: era perfeitamente possível a decretação da falência do menor com mais de 18 anos, emancipado e com status de empresário individual. Qualquer outra solução deixaria o menor com mais de dezesseis anos imune a qualquer responsabilidade por seus atos.

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A Lei 11.101/2005 não estipula idade mínima para que o empresário individual incida em falência. Não poderá, contudo, pedir recuperação judicial ou extrajudicial porque o seu art. 48 diz que um requisito objetivo para o pedido de recuperação é o exercício regular da atividade empresária há mais de dois anos da data do pedido. Entendo que o menor, ao atingir 18 anos, e emancipar-se, poderá somar o tempo em que exerceu a empresa por autorização judicial. Se o empresário emancipado pode falir, com mais razão pode recuperar-se. O menor pode, ainda, praticar crimes falimentares. Segundo penso, o fato de ser penalmente inimputável não o livra de sofrer medida socioeducativa, a ser arbitrada pelo Juízo da Infância e da Juventude. Assim é porque o art.112,II, do ECA, permite à autoridade competente impor ao menor infrator a obrigação de reparar o dano. Não há restrição na lei se se trata de crime ou de contravenção. Trata-se de crime em sentido amplo.

Em conclusão: o menor, ao atingir 16 anos e emancipar-se, poderá exercer pessoalmente atividade empresária, incidindo inclusive em falência e podendo ser responsabilizado pela prática de crimes falimentares; antes disso, poderá ser sócio de sociedade simples ou empresária, mas somente poderá praticar atos de gestão por meio de representante.

Mônica de Cavalcanti Gusmão

Professora de Direito.

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