A militarização do espaço é uma realidade em evolução que marca uma nova fronteira de conflito global. Os Estados Unidos, com a Força Espacial, estão liderando essa transição, enquanto outros países, como Rússia e China, seguem o exemplo, transformando o espaço em um campo de competição estratégica e militar.
A militarização do espaço ainda é um conceito pouco claro. A humanidade está no alvorecer da era espacial, mas a difusão da atividade extra-atmosférica pode ser encontrada na vida cotidiana, desde o uso do GPS, ao dirigir um carro, até a previsão do tempo. Da mesma forma, no campo da Defesa, o domínio espacial configura-se como um meio indispensável para a condução de operações militares no planeta, mas, pelo menos até o momento, não se qualifica como um local físico de conflito. É por essa razão que o termo “operações espaciais” inclui principalmente atividades como comunicações e captura de imagens para fins de inteligência. Na verdade, hoje o termo “militarização do espaço” refere-se ao uso de instrumentos fisicamente localizados no espaço sideral para dar suporte a atividades que ocorrem na troposfera. No entanto, as coisas estão prestes a mudar.
Um domínio (temporariamente) defensivo
Quando os Estados Unidos se tornaram o primeiro país a criar uma força espacial dedicada, em 2019, a agora conhecida Força Espacial, foi decidido que o pessoal que trabalharia nesse novo ramo seria conhecido como Guardiões. Essa escolha de terminologia não foi acidental: hoje, de fato, a Força Espacial realiza principalmente atividades destinadas a proteger a integridade física e digital dos ativos e capacidades espaciais dos EUA. Na prática, isso se traduz em monitoramento constante de ativos em órbita, uso de tecnologias úteis para conduzir atividades na troposfera (principalmente inteligência e comunicações) e aumento das capacidades de lançamento autônomo dos Estados Unidos.
No cenário militar internacional atual, o papel dos Guardiões, em garantir a supremacia de guerra dos EUA, não é nada secundário. Não apenas o número de ativos espaciais dos EUA em órbita, sejam comerciais ou militares, já constitui uma vantagem numérica esmagadora sobre qualquer outro país, mas as capacidades desses ativos devem ser consideradas facilitadoras no contexto da condução de operações complexas e multidomínio. Em outras palavras, não há combates no espaço hoje. Ainda não.
Quando a ficção científica se torna apenas ciência
Os atuais limites legais do Tratado do Espaço Exterior, de 1967, o tratado internacional que estabeleceu os usos pacíficos do espaço, limitam-se a proibir o uso de armas de destruição em massa e deixam uma zona cinzenta quanto ao uso de armas, convencionais ou não, orientadas contra a Terra. No entanto, não é por acaso que as Forças Armadas de vários países estão construindo estruturas ad hoc para o planejamento, gestão e condução de operações espaciais.
Os Estados Unidos, em virtude de seu amplo orçamento, foram os primeiros a entender que o espaço, em breve, representaria um domínio completo de conflito, e eles se anteciparam. Embora tenha surgido como um desdobramento da Força Aérea dos EUA, hoje a Força Espacial é efetivamente o sétimo ramo das Forças Armadas dos EUA, com seus próprios uniformes e uma linha de comando autônoma, dentro do Estado-Maior Conjunto.
Outros estados, como a Rússia, optaram por estender as capacidades de suas forças aéreas também ao espaço. Já não é difícil encontrar nomes como “forças aeroespaciais”, indicando que as atividades, que são da responsabilidade da Força Aérea, não param na linha de Kármán, o limiar de cem quilômetros da superfície da Terra, onde se encontra a fronteira entre a Terra e o espaço, linha localizada convencionalmente.
Independentemente da denominação, a progressiva transformação do espaço em um domínio completo de conflito pode ser rastreada na crescente atenção que os principais dispositivos militares globais estão demonstrando em relação a esse domínio. O fato de a maioria dos programas da Força Espacial estar envolta em segredo diz muito, especialmente considerando que os programas já tornados públicos representam investimentos equivalentes a todos os gastos de defesa de alguns Estados.
As próximas décadas verão uma evolução significativa nas atividades espaciais civis, com estações orbitais comerciais, ativos totalmente reutilizáveis e missões voltadas à colonização de outros corpos celestes. Embora seja verdade que muitas tecnologias civis foram emprestadas dos militares, não há razão para acreditar que o processo não possa ocorrer ao contrário. Essa conscientização, juntamente com a falta de iniciativas concretas para limitar as atividades no espaço, deve ser clara: a militarização do espaço acabou de começar.
Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.