Minha doméstica pegou coronavírus. O que eu faço?

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Estima-se que o Brasil tenha cerca de 6,3 milhões de empregadas domésticas. Dessas, cerca de 1,5 milhão têm carteira de trabalho assinada. Os outros 2,3 milhões vivem do trabalho informal, e 2,5 milhões são diaristas. Os jornais cariocas noticiaram que, em Miguel Pereira, uma empregada doméstica de 63 anos morreu de infecção pelo coronavírus. Sua patrona voltara infectada de uma viagem à Itália e exigira que ela continuasse trabalhando normalmente na casa. Isso fez com que os filhos de milhares de empregadas domésticas assinassem um manifesto exigindo aos empregados domésticos o mesmo tratamento que as empresas dão a seus empregados em caso de contaminação pelo vírus. O Ministério Público do Trabalho também publicou uma nota técnica na qual reivindica para os domésticos o mesmo tratamento humanitário dispensado aos demais trabalhadores. A dor de um dói em todos.

O coronavírus da sua empregada doméstica não é diferente daquele que pode afetar qualquer de nós. Se há certeza nesse diagnóstico, a primeira coisa a fazer é levá-la ao hospital. Somente os médicos poderão dizer se é caso de internação hospitalar ou “isolamento social”, isto é, se ela deve deixar de trabalhar e aguardar a quarentena em casa. Se, diante dessa pandemia, você decidir que o melhor para ela e para sua família é que ela não venha trabalhar para evitar risco de exposição em transportes coletivos, pela orientação médica de ficar em casa ou até mesmo pela dificuldade de locomoção pela carência ou paralisação de transportes públicos, saiba que, segundo a Lei 13.979/2020, o tempo de afastamento da sua empregada deve ser considerado “falta justificada”. Não pode haver qualquer desconto.

Os primeiros 15 dias de afastamento compulsório serão pagos pelo patrão doméstico. Se for necessário afastamento além disso, a empregada doméstica deve dirigir-se ao INSS para receber auxílio-doença e os benefícios serão pagos, a partir do 16° dia de afastamento, pelo INSS, em forma de auxílio-doença, e não mais pelo patrão. O FGTS, contudo, deve ser depositado normalmente pelo empregador. O vale-transporte desse período não precisa ser pago porque a empregada não estará trabalhando, mas se a família paga, habitualmente, por liberalidade, algum outro tipo de benefício, como planos dentários ou de saúde, cestas básicas ou auxílio-escola para os filhos da empregada etc., esses benefícios não podem ser suspensos porque não dependem do fato de a empregada estar ou não trabalhando, mas de estar ou não vinculada à família por um contrato de trabalho ao qual essas comodidades se agregaram em razão do tempo e da frequência com que foram pagas.

O mesmo tratamento deve ser dispensado à empregada quando, em vez dela, é algum membro da família para quem ela trabalha que adquire a doença. A menos que queira, a empregada doméstica não está obrigada a continuar trabalhando na casa onde algum membro da família está infectado. Nessa hipótese, a família deve pôr a empregada em licença remunerada e só deve chamá-la de volta quando a moléstia estiver clinicamente debelada. Também aqui o contrato de trabalho estará interrompido e todos os direitos da empregada devem ser pagos normalmente, com exceção, claro, do vale-transporte porque a empregada não estará trabalhando, e essa vantagem é paga para o trabalho, isto é, para que o empregado possa cobrir o percurso casa-trabalho-casa.

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Um problema de difícil solução é aquele em que a empregada dorme no emprego ou mora na casa do patrão. Se a empregada tem casa própria e decidiu pernoitar na casa do patrão de segunda a sexta-feira apenas pela comodidade de estar mais perto do serviço, a família deve determinar que volte para sua casa e fique lá em licença remunerada até que seja chamada de volta em segurança. Problema maior está naqueles casos em que a empregada reside definitivamente na casa do patrão, é uma espécie de agregada da família e não tem onde morar. A casa do patrão é a sua casa de morada. Nesse caso, se a empregada contrair a doença, obviamente deve deixar a família antes que contamine os demais viventes da casa. Como a empregada deve interromper compulsoriamente a prestação do serviço para tratar-se, e não pode permanecer na casa do patrão, cabe ao patrão a obrigação de providenciar um novo lugar para a hospedagem da empregada após os 15 dias de quarentena hospitalar compulsória até que obtenha alta médica e possa retomar o emprego.

Por fim, não têm direito a licença remunerada aquelas empregadas domésticas que prestam serviços essenciais como cuidadoras de doentes, deficientes físicos ou idosos que moram sozinhos e que necessitem de acompanhamento permanente. Nesses casos, a empregada tem de se afastar da casa se ela se contaminar ou a pessoa de quem cuida ou a quem assiste se contaminar, o que não significa que possa abandoná-la à própria sorte. Deve prestar os cuidados iniciais necessários e depois ausentar-se para a sua quarentena compulsória.

 

Mônica Gusmão é professora de Direito Empresarial, do Consumidor e do Trabalho.

5 COMENTÁRIOS

  1. Estranho dizer que os primeiros 15 dias de afastamento serão pagos pelo empregador. Que eu saiba, no caso de empregado doméstico, o afastamento é pago pelo INSS, a partir do PRIMEIRO DIA DE AFASTAMENTO!!!! No caso de covid é diferente? Mas eu acho que não… seria bom uma revisão no artigo.

    • A partir do Decreto de nº 10.410 ficou determinado que o empregador será o responsável por pagar a empregada doméstica até o 15º dia de afastamento. Ou seja, com isso o INSS passa a se responsabilizar apenas a partir do primeiro dia após os 15 dias de atestado.

      De acordo com o texto do Decreto:

      Art. 72. O auxílio por incapacidade temporária consiste em renda mensal correspondente a noventa e um por cento do salário de benefício definido na forma prevista no art. 32 e será devido: (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

      II – a contar da data do início da incapacidade, para os demais segurados, desde que o afastamento seja
      superior a quinze dias; (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)

  2. Boa tarde, dr. Fabio. Conforme o sr. esclareceu, a partir do Decreto de nº 10.410, o empregador é o responsável por pagar a empregada doméstica até o 15º dia de afastamento. Minha caseira teve COVID e ficou 10 dias afastada, portanto, não cabe acionar o INSS. Acontece que ao lançar esses 10 dias de afastamento provisório no eSocial, qdo fui encerrar a folha de pagamento, esses 10 dias foram descontados e o salário dela foi reduzido, correspondendo a 20 dias trabalhados. Oq fiz de errado?

  3. Vale lembrar que, conforme o disposto no art. 72, do Decreto 3.048/1999, o qual foi recentemente alterado pelo Decreto nº 10.410/2020, publicado no D.O.U de 1º.07.2020 o auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) consiste em:

    Art. 72. O auxílio por incapacidade temporária consiste em renda mensal correspondente a noventa e um por cento do salário de benefício definido na forma prevista no art. 32 e será devido: (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
    I – a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade para o segurado empregado, exceto o doméstico; (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999)
    II – a contar da data do início da incapacidade, para os demais segurados, desde que o afastamento seja superior a quinze dias; (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
    (…)

    Levando em consideração o artigo acima mencionado, no caso de empregado doméstico, o auxílio por incapacidade temporária somente será pago para os afastamentos superiores a 15 dias. Ou seja, nos casos de afastamentos por período inferior a 15 dias, o empregado doméstico não receberia o valor da Previdência Social, tampouco do empregador doméstico. Segundo João Pedro de Sousa Porto, Consultor da Área Trabalhista e Previdenciária, o entendimento inicial é que a responsabilidade permanece com o INSS:

    No caso de afastamento de empregado doméstico em virtude de incapacidade para o trabalho, em regra, o empregador doméstico não tem a obrigatoriedade de pagar qualquer dia referente ao atestado apresentado, sendo este, a princípio, de responsabilidade do INSS, a partir do primeiro dia de incapacidade para o trabalho, nem qualquer valor ao trabalhador, durante tal período, tendo em vista que o seu contrato ficará suspenso, desde então, até o efetivo retorno do mesmo ao trabalho.

    Ainda, lembramos que o Decreto nº 10.410/2020, o qual alterou o Decreto 3.048/1999, passou a dispor que o auxílio por incapacidade temporária será devido ao empregado doméstico a partir do primeiro dia de incapacidade somente nos casos de afastamento superiores a 15 dias. Contudo, por tratar-se de alteração recente, e tomando por base que a IN INSS nº 77/2015 ainda não foi alterada, pode haver discussão sobre a obrigatoriedade do pagamento desses dias por parte do empregador, cabendo ao Poder Judiciário a decisão final sobre o assunto.

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