Se depender de parte da 3ª Turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a forma de atuar da Airbnb no Brasil passará por mudanças. Isso porque o STJ, que é um órgão do Poder Judiciário que assegura a uniformidade à interpretação da legislação federal, iniciou, em 21 de setembro, o julgamento sobre a possibilidade de a convenção de condomínio poder prever a proibição do aluguel de imóveis por meio da plataforma digital pelo prazo inferior a 90 dias.
Ou seja, uma mudança significativa no modelo de negócio que vem sendo praticado pela plataforma norte-americana que opera um mercado online de hospedagem, principalmente casas e apartamentos de família para aluguel por temporada e atividades de turismo. Atualmente, o julgamento do processo está suspenso, devido a pedido de vista de um dos ministros julgadores O tema só deve ser analisado novamente pelo STJ em novembro.
O relator proferiu seu voto a favor da legalidade da proibição na convenção condominial, fundamentando sua decisão nos deveres legais dos condôminos na vida em comum, em especial, na importância das medidas de segurança aos moradores.
O especialista Marcos Prado, sócio do Cescon Barrieu Advogados, explicou à reportagem do Monitor Mercantil o cenário, o impacto da decisão para o mercado e eventuais desdobramentos (veja a entrevista abaixo).
É importante citar que a plataforma digital, que chegou ao Brasil em 2011 e, atualmente conta com anúncios de espaços em mais de 190 países, defende o direito individual e constitucional da propriedade privada (art. 1.228, CC/2002 – direito de usar, gozar e livremente dispor do seu imóvel).
A decisão pontua que o caso em julgamento contemplava também prestação de serviços (lavagem de roupa). O quanto isso impacta a decisão?
– O voto do relator aborda principalmente os deveres legais dos condôminos quanto à prestação de serviços como lavanderia e internet sem fio. A existência de prestação de serviços acumulada à utilização do imóvel pode ser fator importante para a eventual descaracterização do contrato de locação residencial de imóvel urbano para temporada para um contrato comercial de hospedagem, que é um serviço de hotelaria prestado por hotéis, hostels e pousadas, com distintas legislações e tributações aplicáveis, além de diversas licenças operacionais das respectivas atividades envolvidas. O artigo 1º, § único, alínea “a)”, item4, da Lei 8.245/91, expressamente, exclui a aplicação da Lei do Inquilinato para os “apart- hotéis, hotéis – residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar”.
Seria possível o Airbnb adequar o modelo do seu contrato atípico aos moldes do previsto na lei de locações?
– Para tanto, em princípio, o contrato padrão utilizado deve observar rigorosamente os requisitos legais dos artigos 48 a 50 da Lei 8.245/91, que regram a locação de imóvel urbano para temporada, preservando a destinação exclusiva de “residência temporária do locatário, sem a prestação de outros serviços vinculados, para a finalidade específica de prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias (sob pena de se tornar uma locação comum), esteja ou não mobiliado o imóvel.”
Haveria alguma motivação fiscal nessa “decisão”, pois nos contratos de locação e prestação de serviço de hotelaria a tributação e arrecadação são mais claras?
– Mesmo não se tratando, ainda, de uma decisão final do STJ, estando pendente de análise de outros membros da turma julgadora, não vislumbramos que essa decisão tenha qualquer motivação fiscal, posto que leva em consideração, sem aqui pretender avaliar o mérito dos votos proferidos, a natureza jurídica civil da prestação de serviço em julgamento. Não obstante, se o resultado final do julgamento do STJ for pela caracterização do serviço como hotelaria, é inegável que haverá uma mudança no tratamento tributário (ISS) e regulatório (licenças, zoneamento, mudança de uso predial de residencial para comercial, Ministério do Turismo, etc) da atividade em julgamento.
Qual a reversibilidade dessa “decisão”?
– Ainda não se trata de uma decisão judicial. A 3ª Turma do STJ iniciou o julgamento, contudo, após o voto do relator, houve um pedido de vista dos Ministros Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze, o que suspendeu a análise do caso. Apesar de não se ter uma data prevista para a retomada, a expectativa é que a análise seja devolvida em aproximadamente 60 dias. Em matéria de lei federal, o STJ é a última instância decisória do Poder Judiciário Brasileiro, restando, apenas, após isso, eventuais questionamentos de ordem constitucional perante o STF, o que não é tão simples de acontecer.
A plataforma digital defende o direito individual e constitucional da propriedade privada. Até que ponto isso é 100% legítimo uma vez que o condomínio deve prezar pela segurança dos seus moradores e as decisões são pautadas na coletividade?
– O Código Civil, prevê em seu artigo 1.228, que “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”. Por outro lado, o artigo 1.336 do Código Civil, também prevê diversos deveres do condômino, incluindo “(…) dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes (…)”. Lembramos que os direitos individuais, por mais garantidos e defendidos que sejam, não podem também se opor a determinados direitos sociais da coletividade, tanto que a nossa Constituição Federal, ao reconhecer a propriedade privada, também prevê que ela deverá atender a sua função social. Desta forma, a decisão provavelmente buscará encontrar um equilíbrio entre os direitos defendidos pelas partes (direito individual dos proprietários x direito da coletividade condominial), pelo estabelecimento de uma ponderação de valores, tendo em vista todas as circunstâncias do caso concreto.
Em 2018, a plataforma gerou no Brasil cerca de R$ 7,7 bilhões. Restrições radicais devem afetar o movimento e provocar demissões. A justiça faz considerações sobre isso quando toma decisões?
– É sempre um ponto importante esse do impacto econômico das decisões judiciais no Brasil. Essa discussão tem se ampliado após a Lei da Liberdade Econômica e o debate sobre a liberdade de contratar. Contudo, historicamente, a questão econômica não tem sido um norteador das decisões judiciais no Brasil, em que pese ser considerada na avaliação dos direitos em conflito (hipotético conflito), pesando muito mais a interpretação legal e a valoração desses direitos argumentados pelas partes à luz do Código Civil e da Constituição Federal, no tema em julgamento.
Por Regina Teixeira – Especial para o Monitor Mercantil















