Conversamos sobre a Mölnlycke com Pedro Schildknecht, VP da companhia para a América Latina. Especializada em feridas, a Mölnlycke fechou 2023 com uma receita global de 1,9 bilhão de euros e uma margem Ebitda de 28,3%.
O que faz a Mölnlycke?
A Mölnlycke é uma empresa focada no mercado de cuidado de feridas. Ela foi fundada na Suécia, em 1849, e desde então a companhia começou um processo de expansão global. Em 2007, a Mölnlycke foi adquirida por um grupo de investimentos sueco da família Wallenberg, o que acelerou a sua expansão global. A Mölnlycke chegou ao Brasil em 2017 e, desde então, ela tem trabalhado junto com hospitais, empresas de home care e casas cirúrgicas na expansão da tecnologia do cuidado de feridas.
Como empresa, a nossa missão é remover o peso das feridas, tanto dos profissionais de saúde, quanto dos sistemas de saúde, buscando viabilizar não somente a parte clínica de resultados positivos no cuidado de uma ferida, mas também nas funcionalidades financeiras, operacionais e técnicas dos nossos parceiros.
Além do mercado de cuidado de feridas, nós também atuamos em mercados secundários e crescentes como roupas cirúrgicas, luvas e antissépticos. No Brasil, nós estamos focados apenas no mercado de feridas, mas temos as demais linhas em outros países da América Latina. No futuro, nós temos planos para trazer os produtos dessas linhas para o Brasil de maneira a completarmos a solução que ofertamos no mercado brasileiro de saúde.
Qual é o principal público-alvo da companhia?
O nosso principal público alvo é o paciente, sendo que nós o alcançamo através dos hospitais, enfermeiras independentes, que trabalham com atenção domiciliar, e empresas de home care que estão conectadas a operadoras de saúde.
Com relação ao varejo, nós temos um plano para avançarmos nesse mercado. Há seis meses, nós fizemos o lançamento do nosso e-commerce, onde qualquer pessoa pode comprar os nossos produtos. Inclusive, nós estamos com promoção para a Black Friday. Através desse canal, nós estamos entendendo melhor o portfólio de produtos que faz sentido para a população em geral, já que a ideia é avançar no varejo no prazo de até dois anos.
Como funciona a competição nos mercados da Mölnlycke?
A competição se dá de duas formas: primeiro, pelo resultado clínico entregue pelo produto; segundo, pelo preço. Quando se trata de cuidados de feridas, é muito importante ter um produto de alta performance, já que a competição se dá pelos resultados gerados por ele. Segundo, nós temos a questão de preço, ou seja, o valor entregue na parte clínica tem que ser compatível com o valor que é cobrado pelo produto. Além dessa combinação montar o ambiente competitivo da Mölnlycke, ela faz com que se ganhe a lealdade dos clientes.
Como funciona o processo de desenvolvimento de um produto feito pela Mölnlycke?
Tudo começa no entendimento das dores dos sistemas e dos profissionais de saúde, através da identificação de gaps e de falhas nas ofertas existentes. Feito isso, nós acionamos o nosso departamento de Pesquisa e Desenvolvimento, localizado na Suécia, que desenvolve, muitas vezes em parcerias com diferentes universidades, os protótipos. Uma vez que esses protótipos são testados e aprovados, os novos produtos entram em um processo de distribuição global.
Como funciona o processo de digitalização nos mercados da Mölnlycke?
Essa pergunta é interessante, pois quando se pensa em digitalização, geralmente se associa o assunto a documentos e processos. No nosso caso, nós trabalhamos com a digitalização da ferida, pois entendemos que ela pode ser digitalizada e transformada em dados que permitam o gerenciamento da sua evolução. Isso é feito através de curativos inteligentes com chips, que conseguem monitorar a situação de uma ferida em tempo real, avisando o profissional de saúde a respeito da sua evolução e ajudando a família na troca de curativos e na busca de atenção especializada.
Como a Mölnlycke posiciona os curativos inteligentes no mercado? Faço essa pergunta, pois, provavelmente, eles acabam ficando mais caros por causa da digitalização.
Essa pergunta não vale apenas para a digitalização, mas também para o pool de produtos que ofertamos. Como nós buscamos ofertar uma solução, ela tem que gerar, no final das contas, uma redução dos custos do cuidado geral da ferida, e não somente daquela intervenção pontual. Eu falo de cuidado geral, pois se uma ferida não tem um enfoque cuidadoso em termos de práticas clínicas, elas demoram anos para serem tratadas e curadas, ou seja, o barato sai caro. Muitas vezes, nós vemos feridas que existem há 20 anos sendo tratadas com gaze, o que parece barato, mas não é. Isso porque, além do custo material de se trocar uma gaze de forma contínua, há o impacto econômico na vida dessa pessoa que, muitas vezes, não consegue trabalhar por causa de uma ferida. Além disso, dependendo do caso, esse problema pode levar a situações de amputação ou até de óbito.
Quando avaliamos todos os custos envolvidos, e que o custo de um tratamento pode evoluir por maus cuidados, um curativo inteligente gera uma economia ao longo da jornada do paciente com a ferida. Por mais que esse seja maior na ponta, ele reduz o custo total do paciente.
Como está o desenvolvimento do mercado da América Latina?
Neste mercado, nós temos visto um crescimento mais acelerado das tecnologias avançadas de feridas. Isso porque esse mercado ainda utiliza muitas práticas convencionais de tratamento, como gaze, mas quando os profissionais de saúde entendem os benefícios das metodologias avançadas, eles aumentam a sua adoção.
Colocando em perspectiva de mercado e de riscos para a própria sociedade, nós temos duas formas de olhar uma ferida: o tratamento e a prevenção. Com relação ao tratamento de feridas, pelas estatísticas existentes, estima-se que a América Latina possui de 40 milhões a 50 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, sendo que a taxa de prevalência de feridas nesta população varia de 3% a 5%. Só no Brasil, nós estamos falando de mais de 1 milhão de feridas que aparecem, todos os anos, na população idosa. Na maioria dos casos, infelizmente, essas feridas ainda são tratadas com métodos tradicionais, o que leva a um aumento da taxa de infecção, que, por sua vez, leva a uma redução da qualidade e da expectativa de vida desses pacientes. Esse é um mercado muito promissor para levarmos a nossa tecnologia.
Outro mercado bastante interessante é o de prevenção de feridas, ou seja, quando se previne o aparecimento de uma ferida. Hoje, na América Latina, nós temos 30 mil unidades de UTI com uma taxa de ocupação de, aproximadamente, 80%. Quando um paciente vai para uma UTI e fica imóvel por mais de seis horas, ele pode gerar uma ferida, a chamada lesão por pressão. Como essa ferida precisa ser tratada, nós estimamos que o seu custo de tratamento pode chegar a R$ 150 mil, não só pelos curativos, mas pelos antibióticos e pelos impactos econômicos causados por ela. A prevenção desse tipo de ferida traz grandes benefícios econômicos para todo o sistema de saúde, pois ele reduz a necessidade de tratamento.
Como uma empresa tão grande como a Mölnlycke não é conhecida pelo grande público?
Na minha interpretação, como a Mölnlycke é focada em feridas, que não possuem a relevância necessária dentro do sistema de saúde, ela acaba não tendo a exposição necessária no mercado. Contudo, à medida que as pessoas buscam uma solução para uma ferida, o nome da Mölnlycke aparece como uma marca relevante, já que ela é líder no mercado de feridas.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Um ponto interessante para ser comentado é a forma como se incorpora a questão da sustentabilidade da agenda ESG em um mercado como esse. Nós estamos investindo bastante em carros elétricos de forma a diminuirmos o impacto ambiental das entregas. Como esses carros possuem um ruído de motor muito baixo, isso lhes permite fazer entregas em hospitais, localizados em zonas urbanas, fora do horário convencional. Como podemos entregar a noite, os hospitais ganham flexibilidade e eficiência operacional nas suas docas logísticas.
Outro ponto que temos focado bastante é a reciclagem. Como os nossos produtos são entregues em caixas de papelão, nós temos parceiros que fazem a sua reciclagem. Nós também estamos montando uma estratégia de logística reversa para reciclarmos esse material. Além disso, nós estamos investindo em um programa de caixas retornáveis que ajude os hospitais a acabarem com a geração de lixo orgânico. Com isso, nós ajudamos os hospitais a melhorarem a sua eficiência operacional e reduzimos, significativamente, a nossa pegada de carbono.