Morros Esponjas

Audiência na Câmara discutiu a tragédia no RS e a adaptação climática, preservação ambiental e a revisão do Código Florestal.

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Deslizamento em Petrópolis após chuvas de fevereiro de 2022
Deslizamento em Petrópolis após chuvas de fevereiro de 2022 (foto de Wang Tiancong, Xinhua)

Audiência pública realizada na penúltima semana de maio, na Câmara dos Deputados, discutiu a questão climática e a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. A maioria das sustentações abordou a necessidade de adaptação, uma vez que os eventos climáticos estão ficando cada vez piores e mais numerosos, ameaçando indistintamente as zonas costeiras, urbanas e rurais. Foi ressaltada a necessidade de um equilíbrio entre o uso do solo para plantio, a preservação da mata ciliar e a menor utilização dos recursos naturais.

Sementes mais resistentes, cidades resilientes, educação ambiental, mitigação e adaptação, mercado de carbono são opções factíveis para um Brasil resiliente às mudanças climáticas. Mas quando nos deparamos com o fato de que, em apenas alguns dias de chuvas intensas no Rio Grande do Sul, pontes foram dobradas como papelão, casas foram invadidas e destruídas pelas águas, pessoas e animais foram arrastados ou tiveram que deixar suas residências, resultando em inúmeras mortes e mais de 16 mil desabrigados, questionamos quanto tempo será necessário para encontrar soluções que minimizem tais desastres ambientais.

Enquanto isso, continuamos a construir nas encostas, a destruir as matas ciliares e nativas, a expandir o plantio em áreas de matas nativas, ao invés de utilizar áreas já desmatadas, a concretar o solo e esconder os rios em zonas urbanas, a alterar os cursos d’água, a poluir rios e mares. Está comprovado que a velocidade da ação humana em desconstituir o mundo natural é maior do que a capacidade de reconstruí-lo ou preservá-lo, ao menos, para a nossa sobrevivência imediata. Sob esse aspecto, apesar de ainda não termos alcançado o pleno desenvolvimento, já batemos a marca de quinto maior país poluidor do mundo.

Ainda que existam alternativas e ações imediatas a serem adotadas pelos governos, empresas e pela sociedade civil a fim de prevenir eventos climáticos, o que de fato já vem ocorrendo, a “emergência climática” na qual nos encontramos demanda, inicialmente, revisitar o primeiro diploma legal que teve como um de seus objetivos a proteção de nossas matas, qual seja, o Código Florestal, Lei 12.651 de 2012.

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No Código Florestal de 1934, posteriormente editado pela Lei n.º 4.771 de 1965, o artigo 1º dispunha que “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País […]”. O atual Código de 2012, visando o desenvolvimento sustentável, estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente (APP’s) e áreas de Reserva Legal (RL’s).

Nessa linha, um dos aspectos em que se pode lançar um olhar crítico sobre o atual Código Florestal é acerca dos topos de morros, montes, montanhas e serras, com altura e inclinação definidos no artigo 4º, IX, da Lei 12.651 de 2012, que são considerados Áreas de Preservação Permanente (APP’s). A APP é definida como “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. O artigo 6º, I, da mesma lei, dispõe que “consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha […]”. Ainda que haja proteção expressa, é possível a supressão de vegetação nativa nas APP’s, desde que haja licenciamento ambiental e aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS).

Diante do crescente número de desastres ambientais causados por chuvas torrenciais, aumentando o nível de água nos rios e, consequentemente, nas cidades e campos, talvez seja a hora de rever se é realmente sustentável a possibilidade de substituição de espécies nativas por florestas plantadas nos topos dos morros e montanhas, muito embora haja uma justificativa contundente de estímulo à bioeconomia e diminuição do volume de emissões de CO².

Ainda que se trate, em maioria, de terras degradadas, a agroindústria no setor de árvores cultivadas avança, especialmente no sul do Brasil, transformando, por exemplo, os topos dos morros em uma verde paisagem de pinus e eucalipto, sem que haja real informação da capacidade de percolação e absorção das águas que primeiro acolhem antes de invadirem as cidades e campos. Afinal, podemos ser mais criativos do que países como China e EUA, que estão anunciando projetos como “cidades esponjas”, e, desde logo, manter ou recultivar nossos “morros esponjas” ou, melhor, as nossas “florestas protetoras”, assim designadas no Código Florestal de 1934.

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