Audiência pública realizada na penúltima semana de maio, na Câmara dos Deputados, discutiu a questão climática e a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul. A maioria das sustentações abordou a necessidade de adaptação, uma vez que os eventos climáticos estão ficando cada vez piores e mais numerosos, ameaçando indistintamente as zonas costeiras, urbanas e rurais. Foi ressaltada a necessidade de um equilíbrio entre o uso do solo para plantio, a preservação da mata ciliar e a menor utilização dos recursos naturais.
Sementes mais resistentes, cidades resilientes, educação ambiental, mitigação e adaptação, mercado de carbono são opções factíveis para um Brasil resiliente às mudanças climáticas. Mas quando nos deparamos com o fato de que, em apenas alguns dias de chuvas intensas no Rio Grande do Sul, pontes foram dobradas como papelão, casas foram invadidas e destruídas pelas águas, pessoas e animais foram arrastados ou tiveram que deixar suas residências, resultando em inúmeras mortes e mais de 16 mil desabrigados, questionamos quanto tempo será necessário para encontrar soluções que minimizem tais desastres ambientais.
Enquanto isso, continuamos a construir nas encostas, a destruir as matas ciliares e nativas, a expandir o plantio em áreas de matas nativas, ao invés de utilizar áreas já desmatadas, a concretar o solo e esconder os rios em zonas urbanas, a alterar os cursos d’água, a poluir rios e mares. Está comprovado que a velocidade da ação humana em desconstituir o mundo natural é maior do que a capacidade de reconstruí-lo ou preservá-lo, ao menos, para a nossa sobrevivência imediata. Sob esse aspecto, apesar de ainda não termos alcançado o pleno desenvolvimento, já batemos a marca de quinto maior país poluidor do mundo.
Ainda que existam alternativas e ações imediatas a serem adotadas pelos governos, empresas e pela sociedade civil a fim de prevenir eventos climáticos, o que de fato já vem ocorrendo, a “emergência climática” na qual nos encontramos demanda, inicialmente, revisitar o primeiro diploma legal que teve como um de seus objetivos a proteção de nossas matas, qual seja, o Código Florestal, Lei 12.651 de 2012.
No Código Florestal de 1934, posteriormente editado pela Lei n.º 4.771 de 1965, o artigo 1º dispunha que “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País […]”. O atual Código de 2012, visando o desenvolvimento sustentável, estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente (APP’s) e áreas de Reserva Legal (RL’s).
Nessa linha, um dos aspectos em que se pode lançar um olhar crítico sobre o atual Código Florestal é acerca dos topos de morros, montes, montanhas e serras, com altura e inclinação definidos no artigo 4º, IX, da Lei 12.651 de 2012, que são considerados Áreas de Preservação Permanente (APP’s). A APP é definida como “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. O artigo 6º, I, da mesma lei, dispõe que “consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha […]”. Ainda que haja proteção expressa, é possível a supressão de vegetação nativa nas APP’s, desde que haja licenciamento ambiental e aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS).
Diante do crescente número de desastres ambientais causados por chuvas torrenciais, aumentando o nível de água nos rios e, consequentemente, nas cidades e campos, talvez seja a hora de rever se é realmente sustentável a possibilidade de substituição de espécies nativas por florestas plantadas nos topos dos morros e montanhas, muito embora haja uma justificativa contundente de estímulo à bioeconomia e diminuição do volume de emissões de CO².
Ainda que se trate, em maioria, de terras degradadas, a agroindústria no setor de árvores cultivadas avança, especialmente no sul do Brasil, transformando, por exemplo, os topos dos morros em uma verde paisagem de pinus e eucalipto, sem que haja real informação da capacidade de percolação e absorção das águas que primeiro acolhem antes de invadirem as cidades e campos. Afinal, podemos ser mais criativos do que países como China e EUA, que estão anunciando projetos como “cidades esponjas”, e, desde logo, manter ou recultivar nossos “morros esponjas” ou, melhor, as nossas “florestas protetoras”, assim designadas no Código Florestal de 1934.