O Ministério da Fazenda estuda mudanças no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Com a perspectiva de baratear os alimentos, o órgão pretende inclusive avançar na regulamentação da portabilidade dos cartões refeição/alimentação. Na avaliação deste Ministério, a medida poderia baixar de 1,5% a 3% a taxa cobrada pelas administradoras dos cartões. Para entidades como o Comitê RH de Apoio Legislativo (Corhale) da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), a portabilidade traz várias implicações. A principal, na visão de Carlos Silva, coordenador do Corhale, é o “desincentivo à adoção do PAT por parte dos empregadores, com potencial prejuízo aos trabalhadores”.
A Lei nº 14.442, que menciona a portabilidade e a interoperabilidade em cartões de refeição e alimentação oferecidos aos trabalhadores com carteira assinada, foi aprovada em 2022. A regulamentação da medida, destaca o Corhale em documento encaminhado ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “admitiria que todos os trabalhadores venham a seu exclusivo critério individual, a qualquer tempo, repetida e ilimitadamente, solicitar o saldo do cartão para outras empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação”.
De acordo com Carlos Silva, a portabilidade dos tíquetes refeição/alimentação merece análises contempladas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que já havia demonstrado posicionamento desfavorável à medida, e por várias entidades representativas, a exemplo do Corhale e da Associação Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (ABBT).
Para Roberto Baungartner, membro do Corhale, a portabilidade desestimula a concessão de cartões refeição/alimentação, à medida que traz ônus e dificuldades aos empregadores. Entre as graves consequências consideradas pelo advogado estão “os obstáculos a outros benefícios com o mesmo fornecedor, a exemplo do Vale Transporte”. A perda de gestão sobre o contrato e o fornecedor dos cartões, na avaliação de Baungartner, também faz com que o empregador tenha dificuldade de exigir, “em prol do trabalhador, a devida qualidade nutricional e sanitária dos estabelecimentos credenciados”. Os empregadores ainda podem ser responsabilizados judicialmente, inclusive diante de deficiências operacionais de empresas recebedoras de crédito por meio da portabilidade.
Sobre o argumento do Governo Federal de baixar a taxa cobrada pelas administradoras dos cartões a partir da regulamentação da portabilidade, estudo realizado pelo setor e divulgado pela ABBT revela que a economia no bolso do trabalhador seria de R$ 0,20 a cada R$ 100 gastos. A ABBT destaca ainda a inflação atual de 7,5% no preço dos alimentos.
Além dos reflexos econômicos e financeiros e das consequências jurídicas, Carlos Silva considera fundamental avaliar os efeitos da concentração econômica e tecnológica em uma plataforma controlada por um grupo restrito de fintechs, empresas de tecnologia financeira, sob o pretexto de operacionalização de portabilidade.
“A portabilidade dos cartões refeição/alimentação, considerando os benefícios que o PAT representa para o trabalhador brasileiro, não pode, apressadamente, ser comparada e aplicada ao que já é praticado nas operações de linhas de telefones celulares”, compara Roberto Baungartner.
“A regulamentação operacional da Lei nº 14.442/2022 no que se refere ao PAT, programa às vésperas de completar 50 anos, e ao auxílio-alimentação, garantido no Artigo 457, parágrafo 2º da CLT, merece as devidas precauções, inclusive em face de experimentalismos de consequências previsivelmente ruinosas para trabalhadores e empregadores”, conclui Carlos Silva, coordenador do Corhale.
Com a portabilidade, o trabalhador poderia escolher a empresa responsável pelo pagamento do auxílio, semelhante ao que ocorre no setor de telecomunicações. Já a interoperabilidade permitiria que os cartões de uma operadora fossem aceitos em “maquininhas” de outras empresas, ampliando a rede de aceitação dos benefícios.
Enquanto o governo defende que essas mudanças podem aumentar a concorrência e reduzir custos, Gustavo Defendi, sócio-diretor da Real Cestas, empresa que atua há 25 anos no mercado de cestas básicas, de limpeza e de Natal explica que a implementação pode, na verdade, elevar os preços, dependendo do modelo adotado.
“As mudanças propostas não possuem qualquer efeito deflacionário. A depender da forma que forem implementadas, inclusive, podem levar a um aumento de custos para todas as partes envolvidas no mercado, porque sem uma estrutura adequada, a regulamentação pode gerar mais custos para trabalhadores, empregadores e estabelecimentos credenciados”, diz Gustavo.
O vale-refeição e o vale-alimentação não são benefícios obrigatórios, a menos que estejam previstos em convenção coletiva ou que a empresa tenha aderido ao PAT. No entanto, para usufruir desses benefícios, as empresas devem cumprir normas, garantindo que os auxílios sejam utilizados exclusivamente para a compra de alimentos e refeições.
Segundo Defendi, essas mudanças não aumentam o valor do benefício recebido pelo trabalhador, que permanece igual, apenas com a possibilidade de escolha de uma operadora diferente, favorecendo empresas com maior rede de estabelecimentos credenciados e aumentando a concentração no setor.
“Como os trabalhadores não têm acesso direto às taxas cobradas dos estabelecimentos, esse fator não influenciaria na decisão de troca de operadora, podendo resultar em pouca ou nenhuma redução de custos para os consumidores”, finaliza.