Mudanças no sistema tributário nacional podem impactar benefícios fiscais, base de cálculo, mercadorias industrializadas e obrigatoriedade de transferência de créditos.

Alterações previstas pelo Convênio ICMS nº 178/2023 e pela reforma tributária podem afetar os benefícios em seus diferentes estágios.

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Economia (foto Freepik)

Recentemente, dois temas significativos avançaram, propondo alterações no sistema tributário nacional. As mudanças sugeridas por ambos podem ter impactos nos incentivos fiscais em diferentes fases, abrangendo desde os já em uso até as solicitações de novos incentivos e as negociações relacionadas a esses benefícios. Um deles é o Convênio ICMS nº 178/2023, divulgado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) em 1º de dezembro de 2023, por meio de uma edição extra do Diário Oficial da União. O outro é a Emenda Constitucional nº 132/2023, decorrente da aprovação da PEC nº 45/2019, que busca promover a Reforma Tributária com o objetivo de simplificar a tributação sobre o consumo, de responsabilidade da União, estados e municípios.

O convênio regulamenta novamente a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular. Vale destacar que a divulgação desse convênio decorre da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49) em 2021. Naquela ocasião, o Tribunal considerou inconstitucionais os dispositivos que previam a incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. O Convênio ICMS nº 178/2023 apresenta uma redação semelhante ao seu antecessor, o ICMS nº 174/2023, que foi rejeitado pela falta de ratificação do Poder Executivo do Rio de Janeiro, que não concordava com a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS. No entanto, o texto atual mantém a disposição de tornar obrigatória a transferência de crédito de ICMS em remessas interestaduais, tendo sido modificado apenas a referência da base legal contida no preâmbulo.

O texto também destaca pontos de atenção que devem ser considerados. Um deles refere-se aos benefícios fiscais adotados pelos estados. Apesar de não sofrerem alterações no momento da implementação das novas normas, será necessário realizar ajustes nas leis estaduais e respectivos regulamentos para assegurar a manutenção desses benefícios. Contudo, ainda não está claro como esses ajustes serão efetuados. Outro ponto a ser considerado refere-se à base de cálculo, uma vez que pode haver mudanças na forma como algumas empresas calculam os créditos a serem transferidos, demandando ajustes nos processos e sistemas. Em relação especialmente às mercadorias não industrializadas, seu cálculo dos créditos a serem transferidos deverá ser feito com base nos custos de produção, não no valor de mercado, o que pode reduzir o valor dos créditos para contribuintes e impactar alguns incentivos. Quanto à obrigatoriedade da transferência de créditos de ICMS em remessas interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular, pode acarretar impactos na tributação e nos incentivos para empresas que não estavam tributando as transferências, mas agora são obrigadas a transferir os créditos, além do controverso dispositivo que exige uma transferência que pode ser maior ou menor do que o crédito efetivamente gerado na operação anterior.

Quanto à Reforma Tributária, a principal alteração proposta é a implementação de um sistema simplificado de tributação sobre o consumo, desenhado como um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) dual, o qual acarretaria mudanças substanciais no atual sistema tributário. Essa mudança se daria mediante a extinção de 4 tributos vigentes (PIS, Cofins, ICMS e ISS) e criação do CBS e IBS, além de uma espécie de substituição do IPI pelo Imposto Seletivo. A avaliação geral é de que isso implicaria na simplificação tributária do país, com repercussões positivas no crescimento econômico, embora haja controvérsias quanto à magnitude, equilíbrio e justiça desse efeito.

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O estudo “Tax do Amanhã 2023” da Deloitte detalha que a transição para um novo modelo tributário traz preocupações como gastos não previstos, com 60% dos apontamentos, seguido por insegurança jurídica (49%) e perda de incentivos (42%). O estudo revela ainda que a maioria dos empresários (93%) tem expectativas positivas em relação à reforma tributária. Entre elas, a principal expectativa continua sendo a simplificação de impostos (76%), objetivo central da reforma. Além disso, mais da metade das empresas esperam que a reforma elimine (53%) ou reduza (51%) as redundâncias das obrigações acessórias. Diante desse cenário, confirmado com a promulgação da EC nº 132/2023, é preciso acompanhar as consequências que a Reforma pode trazer aos incentivos fiscais.

A primeira delas refere-se à concessão de incentivos até 2032, indicando que empresas podem continuar usando esses incentivos, mas negociar novos ou melhorias pode ficar mais difícil. Em seguida, temos a definição de que, a partir de 2029, os benefícios fiscais serão reduzidos em 10% ao ano até 2032, e as organizações deverão ficar atentas a essas reduções graduais. Outro ponto é a criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-Fiscais que promete compensar as empresas com incentivos vigentes em maio de 2023, incluindo suas renovações e prorrogações, pelos benefícios reduzidos entre 2029 e 2032, mas como o fundo será repassado e se os recursos serão suficientes ainda não está claro.

O texto da Reforma criou também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que iniciará com orçamento de R$ 8 bilhões/ano em 2029 e chegará a R$ 60 bilhões/ano a partir de 2043. Esse Fundo tem o propósito de diminuir disparidades entre regiões e promover inovação, tecnologia e preservação ambiental. Ou seja, o FNDR, como está sendo chamado, será a fonte de recursos para os programas de incentivos que substituirão os modelos de benefício fiscais, especialmente do ICMS, atualmente vigentes. Aqui também restam algumas incertezas quanto à suficiência dos recursos, como serão efetivamente distribuídos e quais as regras dos benefícios que serão instituídos. De certo é que existe a tendência dos incentivos serem cada vez menos fiscais e mais financeiros, modelo bastante difundido em diversos países do mundo, principalmente, os mais desenvolvidos.

Sobre a Zona Franca de Manaus, a Reforma prevê a manutenção de tratamento tributário diferenciado, mas não está claro como o perímetro da ZFM será protegido. Após forte impasse em torno dos modelos propostos nos textos anteriores, foi aprovada redação que prevê a manutenção do IPI sobre os produtos produzidos na Zona Franca em substituição à CIDE e Imposto Seletivo sobre esses produtos. Contudo, só entenderemos de forma clara como esse mecanismo vai assegurar a competitividade da ZFM após edição da Lei Complementar que irá regulamentar a matéria.

Quanto aos Regimes Aduaneiros Especiais, apesar da regra geral não conceder mais benefícios, a EC menciona que Lei Complementar tratará de diferenciações para operações aduaneiras. Não há exceção expressa na EC, o que pode gerar interpretações restritivas pela Receita Federal. Os Regimes Especiais como REIDI, REPORTO, RECAP, entre outros, que reduzem o custo do investimento da aquisição de bens de capital, ou seja, estimulam grandes projetos de investimentos de infraestrutura, estão dentro do mesmo contexto. Continuarão tendo validade enquanto permanecerem vigentes os tributos que os mesmos desoneram, e não se sabe ao certo se os mesmos continuarão existindo ou serão remodelados com a implantação da Reforma.

Com isso, as empresas se deparam com uma encruzilhada estratégica, onde a conformidade com as novas normas não é apenas uma obrigação, mas uma oportunidade estratégica para mitigar possíveis impactos financeiros. Aquelas que já desfrutam de incentivos fiscais devem estar especialmente vigilantes às mudanças nas legislações, principalmente as estaduais, e compreender minuciosamente os efeitos dessas alterações nas condições dos incentivos. Analisar de maneira meticulosa as novas regras é imperativo, focalizando não apenas na redução de perdas potenciais, mas também na identificação de oportunidades latentes.

No caso das empresas que buscam novos incentivos ou estão em processo de negociação para obter benefícios adicionais, a estratégia é clara: antecipar-se aos processos de renovação, prorrogação e obtenção de novos incentivos. Além disso, é essencial manter uma vigilância constante sobre as mudanças na legislação de incentivos, ajustando os pleitos de acordo com as novas diretrizes.

Por fim, considerando que a reforma tributária prioriza o impacto social, a inovação, a tecnologia e a preservação ambiental, torna-se crucial que as negociações empresariais contemplem esses aspectos intrinsecamente ligados aos seus negócios. Incorporar essa perspectiva não apenas garante conformidade, mas posiciona as empresas na vanguarda de uma abordagem estratégica alinhada com os princípios fundamentais da Reforma, gerando oportunidades únicas e sustentáveis para o futuro.

Carlos José Santiago Hunka é sócio de consultoria tributária da Deloitte, especializado em projetos de incentivos fiscais e financeiros.

Yuri Ávila Amorim é sócio de consultoria tributária da Deloitte.

Felipe da Fonte Leal é gerente de consultoria tributária da Deloitte.

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